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A retomada da ação territorializada: inserção das favelas na malha

(2001-2004)

Em 2000, emenda à Constituição Federal (n. 26) incluiu o direito à moradia como um dos direitos sociais fundamentais e, em 2001, depois de 13 anos da sua promulgação, e de um conjunto de mobilizações promovidas pela sociedade, é aprovado o Estatuto da Cidade, que regulamenta os instrumentos da política urbana para a efetivação do princípio da função social da propriedade. A aprovação do estatuto consolida a visão de que os ocupantes de áreas públicas ou particulares, ainda que precárias, como é o caso das favelas, devem ter o seu direito fundamental à moradia, garantido. Atrelado a isso, o estatuto reforça o princípio da gestão democrática das cidades e o planejamento do desenvolvimento urbano, a partir da exigência da composição de planos diretores em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes. A participação e o controle social sobre a definição de políticas públicas, dentre as quais as de habitação e desenvolvimento urbano, passam a ser garantidos como política de Estado e, portanto, como exigência a ser cumprida por qualquer governo, independentemente do seu matiz ideológico.

Apesar desse elemento, nem sempre os processos participativos ultrapassaram o limiar do referendo parcial às pautas definidas pelos governos. Porém, a sociedade passou a contar com um instrumento que permitiu contestar definições, políticas ou ações de governo tomadas sem o devido processo de consulta democrática à sociedade.35

No governo Marta Suplicy (2001-2004), são retomadas as ações regionalizadas. Reestruturam-se as HABIs Regionais e as equipes são recompostas. De certa forma, recuperando o mote da “inversão de prioridades”, as ações que mais deram destaque para a sua gestão estavam na área de educação (implantação de 21 Centros Educacionais Unificados – CEUs, com áreas de lazer e cultura – ampliação de vagas nas escolas, garantia de livros,

35 Exemplo foi a suspensão da tramitação da revisão do Plano Diretor, em 2006; ou a

uniformes e transporte escolar para alunos da educação fundamental) e transportes (criação do Bilhete único).

Porém, na área de habitação, além de retomar as obras do programa de construção em regime de mutirão, o governo amplia o leque de programas – implanta o Programa Baixos de Viaduto, ação integrada com a Secretaria Municipal de Assistência Social, cujo foco era a população em situação de rua36; implantou projetos pilotos de Locação Social37; criou o Conselho Municipal de Habitação (composto por representantes eleitos da sociedade civil), que passou a ser o responsável por definir a utilização dos recursos do Fundo Municipal de Habitação; regularizou a posse de moradores de conjuntos habitacionais; discutiu e aprovou, no âmbito do Fundo Municipal de Habitação, o programa de Reabilitação de Moradias – Cortiços; regulamentou o acesso a unidades habitacionais para além do financiamento – de tal forma que, mesmo a família sem renda para assumir o financiamento (altamente subsidiado), teria acesso às unidades habitacionais, por meio de contratos de permissão de uso, cessão de posse ou equivalente, e garantido, em especial, o atendimento de toda a demanda pré-definida, o que se aplicava tanto aos beneficiários do programa de construção em regime de mutirão (cuja demanda estava definida anos antes da entrega da unidade), quanto aos moradores de favelas, que poderiam, a qualquer tempo, solicitar mudança de contrato para termos de compra e venda.

Com relação às ações em favelas, além da garantia de acesso à unidade, mesmo sem renda para assumir o financiamento, criou o Programa Bolsa Aluguel38 para atendimento provisório de famílias removidas de frentes de obras ou em situação de risco e emergência; investiu em urbanização e

36 Previa a transferência de pessoas que viviam em habitações precárias embaixo de

viadutos para hotéis ou casas, até que elas pudessem ser atendidas em conjuntos habitacionais.

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O Locação Social inaugura a política de disponibilização da moradia como serviço e não só como garantia de propriedade. Propõe nova lógica em que é garantido o direito a uma moradia digna e não necessariamente a um bem, uma propriedade, que por ser um produto, pode tornar-se mercadoria e participar da lógica do mercado.

38 O Bolsa Aluguel foi um programa aprovado pelo Conselho Municipal de Política Urbana, para ser operado com recurso do Fundo Municipal de Habitação. Previa o subsídio ao aluguel para famílias afetadas por obras públicas. Programa tratado no Capítulo 2.

regularização fundiária (Programa Bairro Legal – rede básica de infraestrutura, sistema de vias de acesso interno e externo, equipamentos e outras) reconhecendo o direito à moradia de pelo menos 40 mil moradores de favelas, por meio de concessão de uso especial de moradia. Além disso, criou um dispositivo relacionado ao subsídio, especialmente para as unidades habitacionais destinadas ao reassentamento.

As famílias cujas moradias se encontrassem em locais de risco ou áreas necessárias à implantação de obras de urbanização, quando reassentadas em unidades custeadas com recursos do Fundo Municipal de Habitação, teriam subsídios especiais no preço de aquisição das unidades habitacionais, correspondentes ao valor dos materiais e mão de obra empregados na moradia objeto da remoção. Resolução específica definia como calcular os valores dos materiais e mão de obra empregada, aferida mediante vistoria técnica. Depois de descontado esse subsídio especial, ainda incidiriam as regras de subsídio relacionadas à renda, que já eram aplicados nos demais financiamentos, inclusive a possibilidade de carência de um ano para pagamento das prestações, caso o mutuário perdesse sua capacidade de pagamento por qualquer motivo, como, por exemplo, doença, perda de emprego etc.

A perspectiva, portanto, passou a ser inserir a favela na malha urbana – com obras de urbanização – e garantir segurança na posse de todos os seus moradores, trazendo esses, até então, “assentamentos precários”, para a condição de regularidade. Essa marca, que se fundamentou na nova perspectiva de direito à moradia e à cidade, prevista no Estatuto da Cidade, foi tão significativa que não pôde mais ser ignorada pelos governos posteriores.

Entretanto, aquela gestão não conseguiu, naquele momento, uma solução definitiva e bem trabalhada para os reassentamentos, na medida em que, por limites de recursos, não foram produzidas unidades habitacionais suficientes para a reposição das moradias.

Quanto ao trabalho social, depois das medidas implantadas pelos governos Maluf e Pitta, as equipes sociais se encontravam desmontadas e enfraquecidas. Muitos profissionais haviam se aposentado e suas vagas não foram repostas por novos concursos.

A contratação de serviços terceirizados, por meio das licitações de gerenciadoras do trabalho social, era uma realidade: as terceirizadas possuíam inclusive um nível de monitoramento de dados em relação às favelas com as quais trabalhavam de forma muito superior àquele requerido pelo contratante – e só oferecido na medida em que era exigido, questão que será retomada mais adiante. Contudo, a gestão não reverte o quadro de terceirização do trabalho social.

A nova diretoria social, que assume na gestão 2001-2004, inicia então um processo de rediscussão das diretrizes de trabalho social e, em especial, a reflexão de como deveria se estruturar a relação com as gerenciadoras de trabalho social que, nas gestões anteriores, tinham autonomia total de ação em relação à equipe de trabalho social interna à SEHAB. A Diretoria Social contratou a assessoria do Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IEE-PUC-SP) para subsidiar a discussão sobre supervisão de trabalho técnico, de tal modo que se inicia a estruturação de um processo de monitoramento do trabalho executado pelas gerenciadoras, em cada projeto. Define-se, então, formalmente, que as coordenações sociais regionais – baseadas na discussão de diretrizes unificadas no Colegiado Social39 – forneceriam as diretrizes para o trabalho executado pelas gerenciadoras.

A experiência de Colegiado Social vale ser destacada, pois representou uma importante ação de construção coletiva dentro da Superintendência de Habitação Social (HABI). Regularmente, a Diretoria Social – Habi 2 – reunia-se com as coordenações das equipes sociais regionais para discutir os conflitos na relação com os técnicos terceirizados, bem como para definir diretrizes

39 Organização informal que agregava todas as chefias de equipes sociais regionais e coordenadores sociais de programas para discussão do trabalho social e definição de diretrizes de trabalho, coordenado pela Diretoria Social.

unificadas para as várias frentes de trabalho que compunham o trabalho social: cadastramento de famílias; atendimento a famílias cadastradas e não cadastradas; ações de mobilização, pré-obra, obra; pós-obra e reassentamento; critérios para priorização de atendimentos etc. Ao mesmo tempo em que se reconhece que possuía acúmulo de conhecimento, define-se, de forma clara e firme, que a gerenciadora deveria executar o serviço a partir de uma diretriz única, estabelecida pelo contratante. A Diretoria Social e a estratégia de estruturação do Colegiado Social davam suporte para uma relação consistente do poder público com as gerenciadoras de trabalho social, além de garantir unicidade para as ações de trabalho social em cada região. Essa reflexão será retomada no Capítulo 3.

1.7 Gestão Serra (2005/2008) e Kassab (2009/2012): os recursos