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“Uma das tarefas – não das menores – diante das quais se vê confrontado o pensamento é a de colocar todos os argumentos reacionários contra a civilização ocidental a serviço da Aufklärung progressista”. Theodor Adorno, Mínima Moralia.

Do ponto de vista teórico, a releitura marxista da tradição romântica estabelecia a necessidade de uma profunda redefinição do próprio conceito de romantismo. Era preciso,

antes de tudo, olhar sob nova perspectiva teórica as potencialidades críticas do anticapitalismo romântico, retirando-lhe o véu da obscuridade a que foi confinado pelo marxismo, com algumas poucas exceções, como alguns dos autores acima citados336. Em

companhia de Robert Sayre – que também havia sido aluno de Lucien Goldmann – Michael Löwy dedicou-se, então, a escovar a contrapelo a história das tradições românticas, repensando a fundo os próprios instrumentos conceituais comumente utilizados pelo marxismo para a compreensão do fenômeno. O primeiro artigo sobre a temática redigido conjuntamente pelos autores foi publicado em duas partes na revista L' homme et la société, em 1983 e 1984337. Mas, sem dúvida, foi com a publicação do livro Revolte et mélancolie.

Le romantisme à contre-courant de la modernité, na França, em 1992, que Löwy e Sayre

consolidaram suas novas e originais maneiras de se conceber o romantismo338.

O objetivo central de Michael Löwy e Robert Sayre, neste estudo, é a tentativa de restituir a essência do romantismo, congregando as antinomias do fenômeno sob uma visão social comum, e vinculando-a aos desdobramentos do contexto histórico e social da consolidação e reprodução da sociedade burguesa. Em outras palavras, tratava-se de responder à questão: “qual é a noção, o Begriff (no sentido hegeliano-marxista do termo), de romantismo capaz de explicar as suas inumeráveis formas de manifestação, os seus vários traços empíricos, e suas múltiplas e turbulentas colorações?”339. Ora, a tentativa de

recompor as ambivalências do romantismo através de um conceito dialético, apreendendo-o em suas contradições e possibilidades múltiplas, implicava a necessidade, por um lado, de escapar das formas convencionais de compreender o fenômeno e, por outro, de recolher as contribuições parciais de alguns autores sobre a temática romântica.

336 Michael Löwy & Robert Sayre, Rebelión y melancolia. El romanticismo como contracorriente de la

modernidad, Buenos Aires: Nueva Visión, 2008, p.22.

337 Cf. Michael Löwy e Robert Sayre, “Figures du romantisme anticapitaliste”. L´homme et la société, v. 69-

70 (pp.99-121) e 73-74 (pp.147-172), 1983 e 1984, respectivamente. Em 1984, o artigo também foi publicado em inglês na revista New German Critique, n.32, 1984, pp.42-92. Mas, segundo o testemunho do próprio Robert Sayre, a origem da nova teorização sobre o romantismo deve-se exclusivamente às reflexões de Löwy sobre o assunto; na realidade, Sayre participou mais ativamente “apenas” da elaboração do conceito. Cf. Robert Sayre, “Romantisme et modernité: parcours d´un concept et d´une collaboration”. In: Vincent Delacroix & Erwan Dianteill Cartographie de l´utopie. L´oeuvre indisciplinée de Michael Löwy. Paris: Sandre Actes, 2011, pp.61-72 (p.61).

338 Além desta obra, Michael Löwy e Robert Sayre publicaram juntos vários textos sobre o fenômeno, dentre

os quais se pode destacar o pequeno livro Romantismo e Política (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993). Além disso, Michael Löwy dedicou sozinho inúmeros textos ao tema. No Brasil, uma porção importante destes ensaios foi publicada sob o título Romantismo e Messianismo (São Paulo: EDUSP, 1990).

Muito além de uma escola literária do século XIX, como se acostumou a pensar, o romantismo constitui, para Michael Löwy e Robert Sayre, uma “visão social de mundo”, uma estrutura básica de sentimento que, desde meados do século XVIII até os dias atuais, atravessa as mais diferentes manifestações socioculturais, da arte à política, passando pela filosofia, pela historiografia e pela teologia. Portanto, em que pese seu caráter fabulosamente contraditório, sua diversidade, sua acomodação às particularidades históricas nacionais, o anticapitalismo romântico define-se por uma “fonte luminosa comum”, a saber: a oposição ao mundo burguês moderno. Nas palavras de Michael Löwy, em texto sobre A crítica romântica e a crítica marxista da civilização ocidental: “a característica essencial do anticapitalismo romântico é uma crítica radical à moderna civilização

industrial (burguesa) – incluindo os processos de produção e de trabalho – em nome de certos valores sociais e culturais pré-capitalistas”. Contudo, “a referência a um passado

(real ou imaginário) não significa necessariamente que tenha uma orientação reacionária ou regressiva: pode ser revolucionária tanto quanto conservadora”340.

A tentativa de compreender o romantismo como visão de mundo, ou seja, como estrutura mental coletiva, possibilita justamente a apreensão das ambivalências políticas, culturais, sociais e ideológicas que atravessam suas manifestações concretas. O conceito de “visão social de mundo”, utilizado pelos autores, provém da obra de Lucien Goldmann, “que desenvolve e leva a um nível superior uma larga tradição do pensamento alemão, sobretudo Wilhelm Dilthey”341. Mais uma vez, portanto, a análise procura articular as

relações dialéticas entre as idéias/autores que compõem o fenômeno romântico e a visão de mundo mais geral a qual estão vinculados. E, mais uma vez, o movimento é dialético: do romantismo como manifestação estética ou cultural aos alicerces sociais e históricos que condicionam o máximo de consciência possível de sua visão de mundo, e vice-versa, em um processo permanente de “circularidade dialética” entre o desenvolvimento das idéias românticas e as transformações históricas concretas do capitalismo moderno. Conforme a melhor tradição dialética, o romantismo, como crítica e negação, só pode ser compreendido em seu antagonismo com as mudanças históricas provocadas pela ascensão e pela

340 Michael Löwy, “A crítica romântica e a crítica marxista da civilização ocidental”. In: Romantismo e

Messianismo: ensaios sobre Lukács e Walter Benjamin, São Paulo: EDUSP, 1990, pp.35-52. (p.36).

341 Michael Löwy & Robert Sayre, Rebelión y melancolia. El romanticismo como contracorriente de la

consolidação da modernidade capitalista.

Recorrendo às análises de Lucien Goldmann, que, em Pour une sociologie du

Roman, havia apresentado o romance como expressão do conflito entre a sociedade

burguesa e alguns valores humanos qualitativos, Michael Löwy e Robert Sayre visualizam no romantismo exatamente uma forma específica (inspirada em valores e ideais do passado) de manifestação deste antagonismo342. Ademais, no plano metodológico, a redefinição do

conceito inspirou-se também “nas análises de Lukács, que foi o primeiro a ligar explicitamente o romantismo com a oposição ao capitalismo”343. Em Lukács, pela primeira

vez o conceito de anticapitalismo romântico foi utilizado “para designar o conjunto das formas de pensamento em que a crítica da sociedade burguesa se inspira em uma nostalgia passadista”344. Através deste conceito, Lukács analisou com muita acuidade o universo

cultural de Balzac; sua perspectiva permanece, porém, segundo Löwy e Sayre, prisioneira da tendência a considerar o romantismo como uma corrente reacionária, que caminha para a direita e para o fascismo345.

Do ponto de vista dos autores, a idéia de uma visão de mundo romântica constitui, acima de tudo, um conceito (Begriff) em sentido hegeliano-marxista, “traduzindo” – por assim dizer – o movimento da realidade, e ao mesmo tempo revelando as contradições e a diversidade do fenômeno. Como admitem Löwy e Sayre, a conseqüência provável desta formulação é a ampliação do próprio conceito de romantismo: “é evidente que esta concepção outorga uma extensão considerável do termo ‘romantismo’, extensão que alguns, em especial os que estão acostumados a associar o romantismo exclusivamente com os movimentos artísticos que se auto-proclamam assim, poderiam considerar abusiva”. Porém, afirmam, esta extensão se deve à própria multiplicidade do termo romantismo, que

342 A inspiração decisiva da teorização de Lucien Goldmann do romance é o trabalho de juventude de Lukács,

A Teoria do Romance (1916), em que o romance é apresentado como o gênero expressivo de uma época onde “não há mais uma totalidade espontânea do ser”, ou seja, na qual já não há mais um sentido imanente e qualitativo da vida. O romance constitui, nessa perspectiva, uma forma de expressão das aspirações de certos indivíduos ‘problemáticos’ – artistas, escritores, filósofos, teólogos etc - motivados por valores qualitativos opostos ao valor de troca. Georg Lukács, A Teoria do Romance. São Paulo: Livraria Duas Cidades e Editora 34, 2000 (tradução: José Carlos Mariani de Macedo).

343 Idem, p.25. 344 Idem, p.19.

345 Para Michael Löwy e Robert Sayre, ao considerar o romantismo uma corrente necessariamente retrograda

e reacionária, esses autores partilham o “prejuízo – herdeiro da Ilustração – de não conceber a crítica da realidade social senão sob uma perspectiva ‘progressista’”. Rebelión y melancolia. El romanticismo como contracorriente de la modernidad, op.cit., 2008, p.21.

desde outrora já desafiava a sua limitação às manifestações literárias e artísticas.

“Se fala correntemente, antes de nós e há muito tempo, de romantismo político, de economia política e de filosofia românticas, ou ainda de ‘neo- romantismo’, no que concerne aos autores de final do século XIX, e inclusive as vezes do século XX”346.

Tratando-se de uma análise dialética, a elaboração do conceito toma como ponto de partida as inúmeras manifestações e conceituações já existentes do romantismo para, a partir daí, efetivar sua redefinição, dando-lhe nova estrutura. Nas palavras dos autores:

“Nesta tentativa, procedemos da seguinte forma: para começar, tomamos como situação de fato esse amplo leque de utilização dos termos ‘romântico’ e ‘romantismo’; no entanto, essa situação de fato exigia uma explicação. Consideramos como hipótese de trabalho que havia uma unidade real nesses diferentes empregos dos termos; além disso, tínhamos sentido, mais ou menos intuitivamente segundo os casos, uma comunidade de sensibilidade sem sabermos exatamente qual era sua essência. Portanto, começamos com o romantismo tal como é utilizado (e na totalidade de suas utilizações) com a pretensão de encontrar o princípio que pudesse reunir essa diversidade, definir essa comunidade. No entanto, uma vez formulada a definição, verificamos que ela poderia ser aplicada não só a esses fenômenos que foram designados como românticos, seja pelos interessados, seja por outras pessoas, mas igualmente a autores, correntes e épocas que, normalmente, não são considerados como românticos ou que recusam explicitamente esse qualificativo”347.

É especialmente comum nas análises (marxistas ou não) do romantismo definir historicamente a sua gênese como protesto em relação às promessas não cumpridas da Revolução Francesa. Desta ótica, o romantismo teria se desenvolvido a partir da desilusão com a tomada do poder pela burguesia em ascensão. “Uma transformação de ordem política se converte, pois, em seu catalisador”348. Para Michael Löwy e Robert Sayre, no entanto, se

o romantismo constitui uma oposição ao mundo burguês moderno, ele deve ser compreendido, antes de tudo, como uma resposta crítica às lentas e profundas transformações na ordem social e econômica provocadas pelo advento e pela consolidação do capitalismo, que coincidem com o “fim” do período de “acumulação primitiva”. Ora, estas mudanças iniciaram-se muito antes da revolução de 1789, o que demonstra, segundo

346 Idem, p.26. 347 Idem, p.26. 348 Idem, p.27.

os autores, a existência incipiente de manifestações românticas já no século XVIII, como se pode ver, por exemplo, na figura de Jean Jacques Rousseau349.

A visão de mundo romântica surge e acompanha criticamente o desenvolvimento da modernidade capitalista desde seus primórdios. Exatamente por isso, “o romantismo como visão de mundo constitui-se enquanto forma específica de crítica da modernidade”350. A

modernidade, em face da qual se revolta o romantismo, é compreendida como o resultado da emergência histórica da revolução industrial e da generalização da economia de mercado. Incorporando as contribuições de Weber e de Karl Polanyi351, a partir de um

referencial basicamente marxista e lukacsiano (de HCC), os autores compreendem a modernidade como o resultado da consolidação de uma “civilização capitalista”, cuja hegemonia no Ocidente já pode ser verificada desde a segunda metade do século XVIII. “Esta totalidade, da qual o capitalismo enquanto modo e relação de produção é o princípio unificador e gerador, mas que é rica em ramificações, é o que constitui a ‘modernidade’”352.

É na oposição a esta realidade capitalista moderna – geralmente descrita como a realidade, sem mais – que o romantismo floresceu historicamente. Daí o seu “impulso anticapitalista”, potencializado na revolta contra a civilização capitalista353.

A crítica romântica incide sobre as diversas formas de manifestação da civilização capitalista-moderna, contestando-as em nome de valores qualitativos do passado – que podem, ou não, serem reapropriados como combustível utópico para as lutas do futuro. Segundo Löwy e Sayre, a crítica romântica é dirigida, em geral, contra “as características do capitalismo cujos efeitos negativos atravessam as classes sociais, e são vividas como

349 Quanto ao “núcleo” espacial ou geográfico da gênese do romantismo, a partir da segunda metade do século

XVIII, Löwy e Sayre sustentam a tese, anteriormente desenvolvida por Karl Mannheim, de que o fenômeno romântico surgiu praticamente ao mesmo tempo na França, Inglaterra e Alemanha, países cujos processos de industrialização e modernização estariam relativamente mais desenvolvidos. Michael Löwy & Robert Sayre, Rebelión..., op.cit., 2008, p.79-82.

350 Idem, p.28.

351 Em A Grande Transformação (Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980, cf., pp.62-98; tradução: Fanny

Wrobel), obra publicada em 1944, o economista austro-húngaro Karl Polanyi sublinha o caráter substancialmente novo das mudanças iniciadas pela Revolução Industrial e intensificadas ao longo do século XIX, quando, pela primeira vez na história, a esfera econômica, sob a mediação do mercado auto-regulador, torna-se praticamente autônoma, impondo-se sobre o conjunto das demais instituições sociais, e, por fim, subordinando a própria substância da sociedade às leis do mercado.

352 Michael Löwy & Robert Sayre, Rebelión y melancolia. El romanticismo como contracorriente de la

modernidad, op.cit., 2008, p.29.

miséria generalizada nesta sociedade”354. A crítica romântica focaliza-se, sobretudo, nos

aspectos sociais e culturais que decorrem da civilização capitalista (“em particular os registrados por Max Weber”), cujo desenvolvimento coincide historicamente com a generalização do valor de troca – como, aliás, já mostrara Lukács, em HCC.

Embora tenha transformado as suas formas de realização ao longo do tempo, as características centrais da civilização moderna permanecem até os dias atuais. Em conseqüência, ao contrário do que afirmam muitos estudiosos do fenômeno, a visão de mundo romântica permanece presente na cultura moderna, projetando-se como uma sombra que acompanha o capitalismo moderno desde seu surgimento até o presente. Por isso, o romantismo é uma crítica moderna da modernidade: “longe de ser uma mirada exterior, uma crítica desde ‘outro lugar’ qualquer, a visão romântica constitui uma autocrítica da

modernidade”. Ao “reagirem afetivamente, ao refletirem, escreverem contra a

modernidade, [os românticos] estão reagindo, refletindo e escrevendo em termos modernos”355.

A especificidade da crítica romântica da modernidade, isto é, a tonalidade particular que lhe diferencia das outras correntes da cultura moderna, resume-se pela idéia de que a vida moderna constitui a expressão da perda de valores qualitativos outrora preponderantes. Ao contrário do “anticapitalismo modernizador”, que predominou nas correntes majoritárias do marxismo (o próprio Lênin chegou a definir o socialismo como “os soviets mais eletrificação”), a crítica romântica da modernidade é inspirada pela sensação ou pela experiência de que, “no real moderno, algo de precioso foi perdido, simultaneamente, ao nível do indivíduo e da humanidade. A visão romântica é caracterizada pela convicção dolorosa e melancólica de que o presente carece de certos valores humanos essenciais que foram alienados”356. No romantismo, a nostalgia do passado liga-se estreitamente à crítica

do capitalismo moderno.

Da perspectiva romântica, o passado, como “paraíso perdido”, corresponde a um período em que as alienações modernas ainda não impostavam a vida social de forma

354 Idem, p.30. 355 Idem, p.32. 356 Idem, p.32.

significativa. “A característica essencial deste passado é sua diferença com o presente”357.

O romantismo manifesta, então, uma aspiração pela reconquista de valores humanos usurpados pela modernidade capitalista. É por essa razão que a visão de mundo romântica, nos termos de Löwy e Sayre,

“apodera-se de um momento do passado real – no qual as características nefastas da modernidade ainda não existiam e os valores humanos, sufocados por esta, continuavam a prevalecer – transforma-o em utopia e vai modelá-lo como encarnação das aspirações românticas. É nesse aspecto que se explica o paradoxo aparente: o ‘passadismo’ romântico pode ser também um olhar voltado para o futuro; a imagem de um futuro sonhado para além do mundo em que o sonhador vive inscreve-se, então, na evocação de uma era pré-capitalista”358.

As múltiplas formas desta rememoração do estado ideal localizado no passado testemunham a diversidade concreta das manifestações da visão de mundo romântica, assim como os níveis de relação com outras visões de mundo modernas. Do ponto de vista romântico, esta tentativa de “recriar” o passado idealizado pode tomar, conforme afirmam Löwy e Sayre, diversas formas e direções: desde as tentativas de poetização ou estetização do presente – na contramão da alienação moderna - como a de Schiller, passando pelas tendências que visam reencontrar o paraíso perdido em algum lugar da própria realidade presente, como a experiência utópica levada adiante pelos discípulos de Saint-Simon, até aquelas orientadas explicitamente para o futuro, como sugerem os exemplos de Shelley, Proudhon, Willian Morris, Walter Benjamin, entre outros. Em alguma medida, “toda criação artística romântica é uma projeção utópica – um mundo de beleza – criado pela imaginação no presente”359. Não por acaso, conforme resumem os autores: “rechaço da

sociedade atual, experiência perdida, nostalgia melancólica e busca do que foi perdido: tais são os principais componentes da visão romântica”360. Este passado romântico pode ser

ontologicamente falso, já que é sempre resultado de uma reconstrução (que não pretende apreender o passado “tal como ele efetivamente ocorreu”) a partir das intempéries do presente; mas é este caráter reconstrutivo, que redistribui o sentido do passado e da própria temporalidade histórica, que garante a vocação potencialmente utópica e revolucionária do

357 Idem, p.33. 358 Idem, p.33. 359 Idem, p.34. 360 Idem, p.35.

romantismo361.

Mas, enfim, quais são, de fato, os valores “positivos” através dos quais os românticos definem a forma e o conteúdo de sua crítica da modernidade? Para Michael Löwy e Robert Sayre, o conteúdo “positivo” do romantismo é definido por um conjunto de valores qualitativos opostos ao valor de troca, que podem ser concentrados em dois pólos fundamentais, aparentemente opostos, mas que, na opinião dos autores, não são necessariamente contraditórios, como atesta o próprio exemplo dos românticos362. O

primeiro deles exprime a exaltação da subjetividade, característica dos românticos. Substancialmente diferente do individualismo de matriz liberal, a glorificação romântica da individualidade – geralmente considerada a característica essencial do romantismo - constitui “uma das formas que toma a resistência à coisificação”363. A defesa romântica da

individualidade opõe-se à instrumentalização – por parte da “gaiola de aço” de que falava Max Weber – dos indivíduos para o preenchimento das funções socioeconômicas essenciais à continuidade da reprodução do capital. O “individualismo romântico” – ou “individualismo qualitativo” como dizia Georg Simmel em Philosophie de la modernité, em oposição ao “individualismo numérico” da modernidade364 – manifesta antes de tudo a

revolta da subjetividade reprimida e deformada pela vida social moderna.

O segundo pólo dos valores qualitativos reclamados pelos românticos vincula-se à concepção da totalidade ou comunidade humana como alicerce fundamental para a real complementaridade entre os indivíduos singulares. A busca por uma comunidade humana autêntica constitui o suplemento necessário à realização concreta da individualidade humana (em contraposição às limitações da individualidade liberal).

“Neste aspecto, é importante sublinhar – contra uma corrente de pensamento que pretende ver no fenômeno romântico, sobretudo ou exclusivamente, uma afirmação de individualismo exacerbado – que a exigência de comunidade é tão essencial para a definição da visão romântica, quanto seu aspecto subjetivo e individual. De fato, ela é mais fundamental; com efeito, o paraíso perdido é sempre a plenitude do todo: humano e natural”365.

361 Vincent Delacroix, “Les temps romantique de Michael Löwy”. In: Vincent Delacroix & Erwan Dianteill.

Cartographie de l´utopie. L´oeuvre indisciplinée de Michael Löwy. Paris: Sandre Actes, 2011, pp.117-130.

362 Idem, p.36. 363 Idem, p.36.

364 Georg Simmel, Philosophie de la modernité, Paris: Payot, 1989, p.301-303. 365 Idem, p.37.

Enquanto a primeira exigência é moderna sem perder completamente sua feição nostálgica, a segunda (a aspiração pela comunidade) representa um verdadeiro regresso simbólico ao passado, constituindo-se na dimensão transindividual do romantismo366. A combinação

destas duas reivindicações fundamentais é delimitada pela oposição à realidade instaurada pela modernidade capitalista. A crítica negativa do capitalismo e os valores românticos

positivos constituem-se em dois momentos de uma só estrutura significativa, de uma visão

de mundo (romântica) global.

A relativa diversidade temática dos românticos, bem como os diferentes níveis de intensidade com que estes temas são empregados, conferiu à arte romântica a possibilidade de se manifestar através de um sem número de formas estéticas. Em mais de dois séculos