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A revisão da idéia de progresso: liberalismo social e socialismo

1 DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS SOCIAIS: POSSÍVEIS RELAÇÕES

1.2 A revisão da idéia de progresso: liberalismo social e socialismo

Os limites do projeto burguês, sob a ideologia do progresso, são evidenciados nos inúmeros “problemas sociais” gerados, nas reações desencadeadas pela classe trabalhadora e nos estudos de teóricos da época, levando a nova classe dominante a reconstruir o seu projeto em novas bases. Reconstrução levada a efeito no final do século dezenove e início do século vinte.

Os “problemas sociais” gerados pela “sociedade do capitalismo liberal triunfante”31 atingiam especialmente os trabalhadores da cidade e do campo, os artesãos e os pequenos comerciantes, levando a uma “desfiliação em massa”, inscrita no próprio cerne do processo de produção de riquezas (CASTEL, 1998). O progresso econômico trazia consigo o fenômeno do pauperismo, gerando o medo de uma degradação social completa. “Famílias operárias amontoadas nos subúrbios das cidades industriais, onde a promiscuidade dos sexos e das idades, bem como a total ausência de higiene, constituem o que se poderia chamar de uma nova etiologia da depravação dos costumes” (CASTEL, 1998, p. 287).

“Uma riqueza nunca vista passou a ser companheira inseparável de uma pobreza nunca vista” (POLANYI, 2000, p. 126-7). As transformações por que a sociedade européia passou, a partir do século XVI, tratou-se de uma revolução extrema e radical que destruiu as formas de sociabilidade e proteção social existentes e pôs no lugar uma sociedade de

31 Expressão usada por Hobsbawm (2001) para designar a sociedade que se forma a partir da revolução

econômica (Revolução Industrial) e da revolução política (Revolução Francesa) que se consolidam na Europa nos séculos XVIII e XIX. É fundamental acrescer a essas duas a revolução desencadeada pela aliança entre a ciência e a técnica (VEIGA, 2005).

mercado. Uma sociedade de mercado que acreditava que todos os problemas humanos poderiam ser resolvidos com o dado de uma quantidade ilimitada de bens materiais. Essas transformações trouxeram uma “avalanche de desarticulação social”, onde os perigos “atacaram até a medula”. O moinho satânico triturou os homens, transformando-os em massa (POLANYI, 2000).

Ao analisar os problemas gerados pela transformação que sofre a sociedade inglesa a partir da Revolução Industrial, Marshall (1967) refere-se ao “espetáculo do desemprego em massa”; às condições de “extrema pobreza” que atingem um terço da população das cidades; à enorme quantidade de indigentes que circulam pelas cidades e pelo campo; à piora do estado físico da população; aos males da promiscuidade; aos problemas habitacionais; a favelas que se tornaram uma calamidade pública. Aspectos que demonstravam os problemas gerados pela nova sociedade que se constituía e que clamava por solução.

O fator que dominava a vida dos trabalhadores do séc. XIX era a insegurança. A insegurança de não saber, no início da semana, quanto iriam levar para casa na sexta-feira. Não sabiam quanto tempo iriam durar no emprego atual e, se viessem a perdê-lo, quando iriam encontrar outro e em que condições. Não sabiam que acidentes ou doenças iriam afetá- los e o que iria acontecer com eles quando ficassem incapacitados para o trabalho. Para os camponeses, além dos fenômenos naturais, passavam a enfrentar a insegurança de até quando iriam permanecer na terra onde estavam. Até mesmo os operários especializados viviam a insegurança no seu emprego. Diante dessa insegurança, não existia nenhum sistema de proteção social, exceto a caridade e o auxílio aos indigentes. Para o mundo do liberalismo, a insegurança era o preço a pagar pelo progresso, pela liberdade e pela riqueza (HOBSBAWM, 2001).

Em seus escritos32, Karl Marx denuncia a exploração sofrida pelo trabalhador, transformado em mercadoria no processo de produção capitalista. Refere-se às excessivas mortes por acidentes de trabalho e por doenças decorrentes do trabalho; à exploração da mão- de-obra infantil e do trabalho das mulheres; às condições insalubres e desumanas que eram

32 Em grande parte dos textos de Marx está presente a denúncia da exploração sofrida pelo trabalhador no modo

capitalista de produção, mas destaca-se o “Manifesto do Partido Comunista”, os “Manuscritos Econômico- Filosóficos”, os “Grundrisse” e “O Capital”. Destacam-se também as cartas escritas por Marx aos correspondentes da Internacional Socialista em vários países, especialmente às “Sobre o Colonialismo”. Para uma visão geral da trajetória teórica de Marx é importante o trabalho de FLICKINGER, 1985.

submetidos os trabalhadores; aos baixos salários; aos métodos de extração da mais-valia absoluta e relativa. O capitalismo, “mais do que qualquer outro modo de produção, esbanja seres humanos, desperdiça carne e sangue, dilapida nervos e cérebros” (MARX, 1991, p. 99).

Diante dessa realidade é que eclodem as manifestações da classe trabalhadora33. Manifestações que se desenvolvem paralelamente à expansão da Revolução Industrial, pois essa assinala “a mais radical transformação da vida humana já registrada em documentos escritos” (HOBSBAWM, 2000, p. 13). Ao mexer com as antigas formas de produzir e com as relações de produção, a Revolução Industrial vai gerar reações daqueles que se sentem prejudicados. Essas reações foram de diversos tipos e das mais variadas formas e podem ser encontradas nos primórdios da Revolução Industrial. Num primeiro momento eram reações esparsas, mas que foram intensificando-se à medida que a revolução se expandia (THOMPSON, 1997).

Os motins podem ser vistos como as primeiras manifestações mais generalizadas34 contra as transformações decorrentes da Revolução Industrial. Eram movimentos quase que espontâneos da população do campo e da cidade, especialmente em épocas de crise. A população se mobilizava para ter acesso aos alimentos básicos através de uma ação direta e violenta contra a propriedade. Os alvos eram selecionados e as lideranças constituíam-se no calor do movimento. A retórica da liberdade, da igualdade e dos direitos de cidadão dava o tom do discurso e da mobilização. “Tais ‘motins’ eram tidos pelo povo como atos de justiça e seus líderes considerados heróis” (THOMPSON, 1997, p. 68).

O movimento ludista35 representa uma fase de transição de uma forma mais espontânea para uma mais organizada do movimento operário. Era um movimento que questionava a introdução das máquinas nas fábricas. As máquinas eram vistas como causadoras do desemprego e da falência das pequenas manufaturas. Por isso o movimento

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Hobsbawm (2001) se pergunta se é possível falar em “trabalhadores” como uma categoria ou como uma classe nesse momento histórico. Afirma que, para além das diversidades, “todos estavam realmente unidos por um sentido comum do trabalho manual e da exploração, e de forma crescente, pelo destino comum de viverem do salário. Eles estavam unidos pela crescente segregação da sociedade burguesa [...] “Os trabalhadores foram empurrados para uma consciência comum não apenas pela polarização social, mas por um estilo de vida – no qual a taverna (“a igreja do trabalhador”, como um burguês liberal chamou-a) tinha um papel central – e por um estilo comum de pensamento” (HOBSBAWM, 2001, p. 311).

34 Entre 1730 e 1795 foram registrados, na Inglaterra, 650 motins, dos quais 275 pela falta de alimentos e 375

por outras finalidades (ARRUDA, 1991, p. 78).

conquistou a adesão de trabalhadores, de pequenos empresários manufatureiros e da opinião pública. Hobsbawn (1981), destaca que o movimento apresentava-se em duas feições: uma mais violenta e hostil, que invadia as fábricas e quebrava as máquinas ou ateava fogo nas mesmas, e outra que utilizava o protesto contra as máquinas para chamar a atenção para fazer pressão contra os empregadores e contra a utilização das horas-extras.

O meio rural também vivenciou revoltas contra a nova realidade que se estabelecia com a Revolução Industrial. A mais expressiva delas talvez tenha sido o movimento Swing36. Um movimento rural que se desenvolveu no início do século XVIII, em vários condados ingleses, contra as transformações37 geradas no mundo agrário.

Os camponeses estavam sendo transformados em proletários agrícolas, sujeitos aos fluxos e refluxos do mercado de trabalho. Muitos acabavam sobrevivendo graças ao auxílio assistencial das paróquias, o que consideravam uma situação abominável. Passaram a lutar por melhores empregos, por salários mais altos, por uma melhor e mais adequada assistência social e pela defesa de condições de trabalho para os pequenos proprietários rurais. Conquistaram o apoio dos “homens de ofício” do campo e das cidades que, por terem um maior “nível cultural”, acabaram dando uma contribuição fundamental na redação dos folhetos e impressos populares que constituíam a base de difusão das idéias do movimento. As formas de ação do movimento eram as mais variadas, indo desde a caça ilegal, a destruição das debulhadoras e os incêndios a propriedades até a difusão de cantigas populares e a distribuição e venda de folhetins e impressos populares.

A partir do final do século XVIII, as manifestações começaram a ser mais intensas e organizadas, especialmente nas cidades inglesas, espaços onde a Revolução Industrial se consolidava com maior rapidez. As “sociedades populares” que passaram a agregar

36 “A sua denominação vem dos folhetins e cantigas populares, impressos para a venda nos mercados rurais, que

se referiam aos movimentos sediciosos rurais, remetendo-os sempre à responsabilidade de um tal de Capitão Swing” (ARRUDA, 1991, p. 80).

37 As transformações são decorrentes do processo dos “cercamentos” que significaram uma “verdadeira

revolução na distribuição do poder fundiário”, no início da 1ª Revolução Industrial na Inglaterra. “Foram cercados os open fields e as common lands, criando-se em seu lugar grandes propriedades nas quais se faziam investimentos capitalistas, proletarizando as relações de trabalho no campo, intensificando a divisão social da produção, dinamizando os procedimentos técnicos” (ARRUDA, 1991, p. 35-6). Polanyi (2000) denomina os cercamentos como a “revolução dos ricos contra os pobres”, uma vez que as casas dos pobres eram destruídas e as aldeias tinham que ser abandonadas. Os senhores e os nobres perturbavam a ordem social, destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência, às vezes por pressão e intimidação. Como conseqüência deste contexto, muitos camponeses se tornaram mendigos e ladrões.

trabalhadores das mais variadas profissões, artesãos e pequenos comerciantes, davam um caráter mais organizado ao movimento. A maioria delas tinha uma conotação reformista, porém alertavam para as injustiças econômicas e sociais geradas pela Revolução Industrial. A grande contribuição dessas sociedades populares foi a emergência de uma consciência popular para a busca de direitos diante da nova sociedade que estava se constituindo (THOMPSON, 1997). Os trabalhadores passaram a condenar as práticas filantrópicas e de tutela, acreditando que, com sua mobilização e organização, poderiam conquistar seus direitos (CASTEL, 1998).

As primeiras décadas do século XIX deixaram evidente que a Revolução Industrial se expandia por grande parte da Europa e que estavam estabelecidas as condições para a consolidação da classe trabalhadora e seus movimentos. Mesmo na clandestinidade, proliferaram38 as formas associativas dos trabalhadores que passaram a questionar, de forma mais veemente e direta, as contradições presentes na sociedade. Enquanto crescia a capacidade de produzir riqueza, aumentava a pobreza da grande maioria da população (NETTO, 2001, p. 42). O século XIX mostra um pauperismo que não decorre da falta de trabalho, mas da própria organização do trabalho (CASTEL, 1998). Enquanto a classe média e a burguesia não sabiam onde investir seu dinheiro, os operários e camponeses enfrentavam crises de fome (HOBSBAWM, 2000).

Diante dessa contradição, os pobres passaram a não aceitar mais a situação de forma resignada e conformada, mas passavam a protestar, das mais diversas formas, constituindo-se numa ameaça real às instituições sociais existentes. A politização dos “problemas sociais” é que os transforma em “questão social” 39. Ou seja, aspectos que, anteriormente, eram tratados como naturais, individuais ou, no máximo, como decorrentes de desfuncionalidades ou

38 Vide THOMPSON, 1997; HOBSBAWM, 1988 e 2000.

39 A expressão “questão social” surge na Europa Ocidental, na terceira década do séc. XIX, para designar o

fenômeno do pauperismo, decorrente da instauração do capitalismo em seu estágio industrial- concorrencial (NETTO, 2001). Era um fenômeno novo, pois “pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas” (NETTO, 2001, p. 42). E esses pobres não se resignavam, não se conformavam, mas passavam a protestar, das mais diversas formas, constituindo-se numa ameaça real às instituições sociais existentes. A partir desse momento, a burguesia, ao consolidar-se como classe hegemônica, passa a voltar seus intelectuais para a preocupação com a manutenção da ordem burguesa, desautorizando a compreensão dos nexos entre economia e sociedade e voltando-os para a naturalização da pobreza. Entendendo-a como característica ineliminável de qualquer ordem social e possível de amenizá-la e reduzí-la através de reformas sociais. Para as vanguardas da classe trabalhadora, a questão social passa a ser vista como necessariamente colada à sociedade burguesa, indicando um traço mistificador. “Somente com o conhecimento rigoroso do ‘processo de produção do capital’ Marx pôde esclarecer com precisão a dinâmica da ‘questão social’, consistente em um complexo problemático muito amplo, irredutível à sua manifestação imediata como pauperismo” (NETTO, 2001, p. 45). O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social”. Diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social” (NETTO, 2001).

desequilíbrios momentâneos da sociedade, passam a ser polemizados publicamente e postos como decorrentes de um conflito de classes e da lógica de reprodução de uma sociedade de classes. Com isso, a burguesia passou a mobilizar seus intelectuais para “produzir” uma explicação para esse fenômeno sem afetar a “nova ordem social construída”. A “naturalização”, a “desfuncionalidade”, “os desvios morais”, “a anomia” “o não trabalho”, a “criminalização” foram explicações usadas pela burguesia para desqualificar as reivindicações feitas pelos que acabavam ficando fora do usufruto das benesses da nova sociedade burguesa. O Estado, enquanto um instrumento nas mãos da classe dominante (burguesia), passou a ser utilizado para tratar essa questão social no sentido de amenizar ou reduzir seus efeitos através de políticas sociais (NETTO, 1996).

Nesse novo clima é que se desenvolveu o movimento cartista40, acreditando que era possível uma solução para as diversas manifestações da questão social através da mudança na legislação, pois essa ainda retratava uma realidade que já fazia parte do passado. Aproveitando o clima de reivindicações41 desencadeado pela classe média e por empresários industriais e a crise econômica das décadas de 1830 e 1840, os trabalhadores se mobilizaram para exigir mudanças constitucionais. Organizaram a “Carta do Povo”, redigida por William Lovett, onde reivindicavam sufrágio universal, direitos eleitorais homogêneos, voto secreto, eleição parlamentar anual, elegibilidade dos não-proprietários e subsídios para os deputados. As reivindicações foram desconsideradas pelo Parlamento e o movimento foi reprimido.

Em toda a história da Inglaterra jamais ocorreu semelhante concentração de forças, de prontidão para a defesa da lei e da ordem, do que em 12 de abril de 1848. Nesse dia, centenas de milhares de cidadãos foram investidos de autoridade policial especial para enfrentar os cartistas. A revolução de Paris, porém, chegou tarde demais para assegurar a vitória de um movimento popular na Inglaterra. Nessa ocasião já se dissipava o espírito de revolta acirrado pela Poor Law Reform Act e pelo sofrimento causado pela fome da década de 1840. A onda do comércio ascendente incrementava o emprego e o capitalismo começava a cumprir sua parte. Os cartistas se dissiparam pacificamente. [...] Assim terminou o maior esforço político do povo da Inglaterra para fazer desse país uma democracia popular (POLANYI, 2000, p. 209).

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Assim denominado, pois tinha como idéia básica a elaboração de uma “Carta do Povo”, a ser encaminhada ao Parlamento inglês contendo as reivindicações dos trabalhadores. O movimento cartista possuía duas alas diferenciadas. Uma, mais moderada, que buscava as reformas de forma progressiva, através da propaganda e da educação. Outra, mais radical, que buscava reformas radicais por métodos violentos. A primeira, era liderada por Francis Place e William Lovett, em Londres, onde foi fundada, em 1836, a primeira Associação dos Trabalhadores, que preconizava comícios e petições para agir sobre as classes dominantes pela persuasão. A segunda, era liderada por dois irlandeses, James O'Brien e Feargus O'Connor, sendo típica das regiões mais pobres da Inglaterra, o norte e o oeste (ARUDA, 1991).

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Hobsbawm (2000, p. 72) destaca que “nenhum período da história britânica foi tão conturbado, política e socialmente, e tão tenso como a década de 1830 e começos da de 1840 [...]”.

O ano de 1848 representou um marco na história da sociedade contemporânea, o fim da “Era das Revoluções” e o início da “Era do Capital” (HOBSBAWM, 2001). O momento a partir do qual a revolução política recuou e a revolução industrial avançou. Foi a “primavera dos povos”42, marcada pela realização momentânea do sonho das esquerdas, pela derrubada simultânea dos velhos regimes da Europa continental e pelos pesadelos da direita. Porém, não passou de um sonho momentâneo, pois a burguesia conseguiu debelar as reações revolucionárias e afirmar seu projeto. A proposta revolucionária de 1848 fracassou, apesar de isso não ter sido percebido durante muitos anos pelos refugiados políticos que deslocaram o centro de gravidade das revoluções sociais dos países “avançados” do mundo capitalista para “as regiões marginais e atrasadas” da periferia (HOBSBAWM, 2001, p. 20-1).

O fracasso das revoluções sociais e a retomada do crescimento econômico no período pós 1850 provocaram um refluxo na organização dos trabalhadores. As associações voluntárias para a melhoria e a defesa social (Sociedades de Ajuda Mútua, Ordens Fraternas de Beneficência, Coros, Clubes de Esporte e Ginástica, Associações Religiosas Voluntárias) foram apresentadas pelos liberais como a fórmula mágica de resolver os problemas daqueles que não conseguiam, por seu próprio esforço, conquistar um espaço na nova sociedade (HOBSBAWM, 2001).

Na esteira desse pensamento liberal, um conjunto de reformadores franceses propõe uma política social que não fosse de responsabilidade do governo, mas dos “cidadãos esclarecidos” que deveriam assumir voluntariamente o exercício da proteção das classes populares. Eles apresentaram três formas básicas de proteção: a assistência aos indigentes através dos visitadores sociais, o desenvolvimento de instituições de poupança e previdência voluntária (caixas e sociedades de socorros mútuos) e as instituições de proteção patronal. Estas últimas propuseram uma organização racional do trabalho, onde os donos das empresas organizaram um sistema de proteção com a sua contribuição e a contribuição dos operários, até mesmo para fornecer habitação aos trabalhadores (CASTEL, 1998).

42 Essa expressão é usada por Hobsbawm para referir-se a um conjunto de acontecimentos que têm seu ápice em

1848: manifestação de Alexis de Tocquevile na Câmara dos Deputados da França, alertando para o “vento das revoluções” e a “tempestade que está no horizonte”; a publicação do Manifesto do Partido Comunista, por Karl Marx e Friederich Engels; a proclamação da República na França; a expansão da revolução para a Alemanha, para a Áustria, para a Hungria e para a Itália; a expansão dos ideais revolucionários para outros continentes (insurreição pernambucana de 1848, no Brasil). Esses movimentos todos “possuíam um estilo e sentimento comum, uma curiosa atmosfera romântico-utópica e uma retórica similar” (HOBSBAWM, 2001, p. 32-33).

Por mais que o ambiente não fosse favorável e que o empresariado organizasse ações que buscassem cooptar os trabalhadores, as organizações de trabalhadores se mantinham ativas, especialmente em nível local e dos espaços de trabalho (indústrias).

Na medida em que a nova onda43 de crescimento econômico arrefecia (final da década de 1860) e as promessas de solução das diferentes manifestações da questão social não se concretizavam, as organizações dos trabalhadores retomaram sua força. Neste novo momento é expressiva a contribuição dada pelos sindicatos, cooperativas, associações operárias e partidos de esquerda44 que constituíram o “movimento” pelo qual “as classes trabalhadoras” fundiram-se na “classe operária”, através da ideologia e da ação coletiva estruturada (HOBSBAWM, 2002). A legalização dos sindicatos e a organização partidária deram à classe operária poder de mobilização e força de pressão e negociação para a conquista de direitos. O que os mantinha unidos e mobilizados era a crença de que todos os melhoramentos que podiam ser feitos na sociedade (quer via revolução ou conquista gradual), provinham da ação e da organização deles próprios como classe (HOBSBAWM, 2002).

A organização dos trabalhadores, nessa fase, foi profundamente marcada pelo ideário socialista. Nos períodos anteriores, a influência já era sentida, especialmente a partir dos socialistas utópicos45, mas ela intensifica-se com as reflexões de Karl Marx. Hobsbawm (2002) afirma que essa influência mais expressiva de Marx, do que de qualquer outro teórico de esquerda, esteja associada a três aspectos de seus ensinamentos:

Que nenhum melhoramento previsível, dentro do atual sistema, mudaria a situação básica dos trabalhadores como tais (a sua “exploração”); que a natureza do desenvolvimento capitalista, que ele longamente analisara, tornava a derrubada da presente sociedade e sua substituição por outra, nova e melhor, bastante incerta; e que a classe operária, organizada em partidos de classe, seria a criadora e a herdeira de um glorioso futuro. Desse modo, Marx fornecia aos operários uma certeza análoga àquela anteriormente oferecida pela religião, de que a ciência demonstrava