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Trajetória histórica do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e a preocupação

1 DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS SOCIAIS: POSSÍVEIS RELAÇÕES

3.1. Trajetória histórica do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e a preocupação

Não é objeto desta tese uma reconstrução histórica exaustiva da região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, até mesmo porque já existem estudos277 nesse sentido e que o fazem com muita qualidade acadêmica. Interessa compreender as diferentes propostas de desenvolvimento ou os diferentes “modelos” de organização social que foram implantados em seu percurso histórico e como estes foram deixando “marcas” nas formações sociais locais, muitas delas, presentes até hoje.

Ao recuperar essa trajetória torna-se possível entender também como os atores locais se organizaram e mobilizaram nos diferentes momentos para dar conta dos seus problemas e “moldar” suas relações, instituições, soluções e o próprio processo histórico. Também é possível perceber como foram emergindo as diferentes manifestações da questão social, como elas foram compreendidas e como se propunha equacioná-las, especialmente através das políticas sociais. Com isso, busca-se perceber a articulação entre as diferentes propostas de desenvolvimento e o papel atribuído, em cada uma delas, às políticas sociais.

A região Noroeste faz parte da última área a ser incorporada a então província de São Pedro, atual Rio Grande do Sul. Pelo Tratado de Tordesilhas278, o território português estendia-se até Laguna, ficando toda a área de terras abaixo desse ponto pertencente à Espanha. Mesmo com o Tratado em vigor, a região permaneceu palco de conflitos entre Portugal e Espanha até o início do século XIX, quando foi, definitivamente, incorporada ao território português.

277 Tais como LAZZAROTTO, 1977; DACANAL, 1980; SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981;

FRANTZ, 1982; PESAVENTO, 1997; ZARTH, 1997 e 2002; ROTTA, 1999; CHRISTENSEN, 2001; CAVALARI, 2004; entre outros.

278

Tratado assinado (com a mediação do Papa Alexandre VI) entre Portugal e Espanha, em 1494, pelo qual dividiam entre si o “mundo descoberto ou por descobrir” (NADAI e NEVES, 1989).

Permanecendo por mais de um século à margem279 dos interesses de Portugal e Espanha, a região começou a sofrer as influências do processo de colonização a partir da crise das relações entre os “encomiendeiros”280 paraguaios e os padres da Companhia de Jesus (jesuítas) em relação ao tratamento dado aos nativos (SANTOS, 1993). Os jesuítas, provenientes das Missões do Paraguai, passaram a estender seu projeto para a região fundando reduções281 com o objetivo de desenvolver a agricultura e a pecuária (PESAVENTO, 1997). Essa primeira experiência reducional não resistiu à ação dos bandeirantes paulistas que saquearam os povoados em busca de gado e de índios para serem vendidos como escravos nas lavouras açucareiras. As constantes investidas dos bandeirantes fizeram com que a experiência fosse abandonada a partir de 1640 e os sobreviventes buscassem refúgio na banda oriental do rio Uruguai, vindo ao território rio-grandense, esporadicamente, para arrebanhar o gado missioneiro disperso pelos campos (CHRISTENSEN, 2001).

A partir de 1682 os jesuítas espanhóis retomaram a experiência reducional no território rio-grandense dando início à formação dos “Sete Povos das Missões”282, consolidada em 1706, com a fundação do último deles, Santo Ângelo Custódio. Essa nova experiência inseria-se no conjunto dos “Trinta Povos Guaranis” (LUGON, 1977). A experiência missioneira que se desenvolveu na região gerou um modelo de organização socioeconômica que se diferenciava em muito daquele gestado pela ocupação portuguesa no restante do território gaúcho com base nas estâncias (SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981; ZARTH, 1997).

279 Isso não quer dizer que as duas potências não conhecessem o território e não tivessem feito expedições

exploratórias, mas sim que a região estava desvinculada dos processos colonizatórios desenvolvidos por Portugal (com base na extração do pau-Brasil e depois com a cana-de-açúcar) e Espanha (com base na extração da prata de Potosi e no regime das encomiendas).

280 O encomiendeiro era o colono encarregado pelo governo espanhol para realizar o processo de colonização. A

Encomienda foi uma instituição criada pela coroa espanhola pela qual ela cedia ao colono, denominado encomiendeiro, o trabalho que o índio deveria executar como forma de pagamento de tributos à coroa. Em troca, o encomiendeiro daria ao índio proteção, sustento e educação cristã. Porém, as relações foram logo derivando para um processo semelhante à escravização, o que gerou desentendimentos com os padres jesuítas que passaram a criar aldeamentos de índios para protegê-los do sistema de encomienda.

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As reduções eram aldeamentos de índios com o objetivo de estabelecer um processo de colonização diverso da forma praticada nas encomiendas. Os jesuítas recebiam autorização do rei de Espanha para aldear os nativos e estabelecer uma forma de ocupação do território com uma forma de organização produtiva e social, desde que cumprissem os compromissos de obediência e de pagamento de tributos à Coroa Espanhola. Nessa primeira fase, foram fundadas, no território gaúcho, 18 reduções. No caso da região noroeste é de destacar a Redução de San

Nicolas (São Nicolau), a de San Miguel (São Miguel), a de Asunción (Assunção do Ijuí), a de Todos los Santos

(Caaró) e a de São Carlos Del Caapi e a de Apostoles Del Caaçapa-guaçu (nas cabeceiras do Rio Ijuí Grande e nas margens do Ijuizinho). Maiores detalhes podem ser encontrados em CAVALARI, 2004.

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San Francisco de Borja (1682), San Nicolas (1687), San Miguel Arcángel (1687), San Lorenzo (1690), San

Nas reduções, os jesuítas procuraram respeitar as bases da organização tribal e, aos poucos, foram introduzindo noções da religião cristã, novas técnicas de trabalho e de organização do processo produtivo, novas relações de poder e uma nova cultura (NADAI e NEVES, 1989). Criaram, com isso, uma nova forma de organização social, que, para além das variadas denominações283 recebidas, apresentava algumas características básicas: estrutura de produção fundada no uso comum da propriedade e dos meios de produção; uma forma de divisão do trabalho que respeitava as habilidades individuais, o sexo e a idade, mas que não levava a um processo de diferenciação social, pois todos eram considerados importantes para a garantia da “prosperidade comum”; a ausência da apropriação e acumulação individual permitia que todos tivessem o suficiente, sem que houvesse discriminação, e ainda deixava margem ao armazenamento e comercialização dos excedentes produzidos e não consumidos; uma convivência até certo ponto harmônica com a natureza, porém sem deixar de exercer um processo racional de exploração dos recursos que ela proporcionava; uma profunda integração entre as várias dimensões da vida, de certa forma, unidas e significadas pela dimensão religiosa (SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981; NADAI e NEVES, 1989; CHRISTENSEN, 2001).

A experiência missioneira trouxe para a região a compreensão dominante na Igreja Católica da época a respeito da forma de tratar o social, isto é, pelo viés social-assistencial284. Os critérios da incapacidade física ou mental e do pertencimento à comunidade serviam para definir os beneficiados. A gestão da assistência estava integrada ao sistema de gestão da redução, geralmente confiado a autoridades civis recrutadas entre os próprios índios de mais “merecimento e prestígio” junto ao grupo (SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981). Tem-se claro que a definição dos pressupostos ideológicos da assistência estavam confiados, em última instância, à autoridade religiosa exercida pelo missionário jesuíta.

Em pouco mais de meio século, os Sete Povos das Missões “tornaram-se importantes centros econômicos, onde, além de erva-mate e criação de gado, realizavam-se trabalhos de fiação, tecelagem, metalurgia, ofícios vários e trabalhos artísticos com destaque na arquitetura e escultura” (PESAVENTO, 1997, p. 12). A prosperidade da experiência missioneira atraiu a

283 “Comunitarismo cristão”, “República Cristã dos guaranis”, “comunismo cristão”, “império teocrático dos

jesuítas”, entre outras.

atenção das Coroas espanhola e portuguesa que passaram a articular sua desagregação para que o modelo social lá implantado não se difundisse para o restante de suas colônias e temendo que os jesuítas passassem a constituir “um Estado dentro do Estado” (PESAVENTO, 1997).

De uma região periférica no inicio do processo de colonização, a região missioneira transformou-se numa área estratégica e numa “ameaça política à segurança das monarquias ibéricas” a tal ponto de constituir-se em pauta das disposições do Tratado de Madri assinado entre Portugal e Espanha em 1750. Por esse tratado acertava-se a troca do território missioneiro pela Colônia de Sacramento285 e decretava-se a imediata retirada dos índios e dos jesuítas da região das missões para que Portugal pudesse implantar um novo processo de colonização na região. Como os índios não aceitaram os termos (saída imediata sem direito a levar nada e sem qualquer indenização) do acordo, iniciou-se o conflito armado, conhecido como a “guerra guaranítica”286 que acabou por decretar o fim da experiência missioneira. Entre os poucos índios missioneiros que conseguiram se salvar, alguns fugiram em direção à margem direita do rio Uruguai, outros se refugiaram na mata densa da própria região, vivendo de forma dispersa; outros, ainda, transformaram-se em peões de estância, mão-de-obra barata para o latifúndio pastoril (SANTOS, 1993).

A desagregação das reduções gerou um claro processo de exclusão que acabou por produzir a desagregação das comunidades nativas e sua dispersão pela região. Ao buscar emprego como peões de estância, nas expedições de coleta de erva mate, ou ainda ao levar uma vida nômade vivendo dos recursos que a natureza lhes proporcionava, os indígenas foram perdendo seus referenciais culturais e de organização da sociedade. Para sobreviver, muitas vezes, foram levados a um processo de miscigenação que intensificou a perda das referências sócio-culturais. Os dominadores pouco ou nada fizeram para dar conta dessa manifestação da questão social. Apenas em meados do século XX foram criadas algumas reservas indígenas (a mais expressiva é a reserva da Guarita, que abrange área dos municípios de Tenente Portela, Miraguaí e Redentora) para tentar reagrupar esses povos dispersos. Porém, o processo de exclusão já estava configurado e a solução não respondia aos imensos

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Uma Colônia fortificada, criada por Portugal em 1680, na margem esquerda do Rio da Prata para preservar os interesses portugueses na região que representava o principal porto de entrada e saída dos produtos produzidos pelas colônias da América Espanhola. Pelo Tratado de Madri, Portugal cedia definitivamente o território da Colônia de Sacramento em troca da posse definitiva do território missioneiro.

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Uma guerra que uniu os exércitos de Portugal e Espanha contra a resistência organizada pelos índios guaranis e por alguns padres jesuítas que não aceitaram os termos acordados na Cláusula XVI do Tratado de Madri.

desafios que ela representava. Ainda hoje, é comum na região encontrar remanescentes destes povos vivendo nas beiras de estradas ou vagando pelas cidades, tentando vender seus produtos de casa em casa (ROTTA, 2005).

A consolidação do domínio português sobre as Missões, efetivada em 1801, deu início à estruturação de um modelo de sociedade que “rompeu radicalmente com a estrutura agrária e social do período jesuítico” (ZARTH, 1997, p. 20). Por ser uma região de fronteira e dotada de recursos naturais que facilitavam a atividade pastoril e extrativa (especialmente a erva- mate), ela foi alvo da disputa entre os caudilhos uruguaios e rio-grandenses até a década de 1820; centro de atração de novos estancieiros que recebiam terras das autoridades locais (na maioria militares) ou as compravam por preços irrisórios; alvo das preocupações dos estrategistas oficiais do governo brasileiro com a defesa do território; local de refúgio para índios missioneiros ou aqueles que resistiam aos aldeamentos; espaço dos tropeiros que conduziam o gado (vacum e muar) até as feiras de São Paulo (especialmente Sorocaba) e ainda espaço onde se desenvolveu a atividade extrativa acompanhada de uma agricultura de subsistência (ZARTH, 1997).

Essa nova realidade vai fazer com que a região das missões seja “reocupada” por uma população muito diversa: índios missioneiros dispersos, outros povos indígenas não reduzidos, escravos287, caboclos288 itinerantes que trabalhavam nas expedições de coleta da erva-mate, tropeiros (que, além do comércio de muares para a região de São Paulo, faziam também a rota dos ervais), descendentes de açorianos, levas sucessivas de paulistas e os militares-estancieiros289 (MARTINI, 1993).

Nesse processo de “reocupação”, a Coroa Portuguesa vai fortalecer a atuação dos estancieiros distribuindo grandes levas de terras (sesmarias) para que garantissem a posse e a ocupação produtiva do território. Com isso, o modelo das estâncias estende sua influência

287 A presença de escravos nessa região não foi tão intensa como na região da campanha gaúcha, mas era comum

em muitas propriedades, como relata CAVALARI, 2004.

288 O caboclo era fruto do processo de miscigenação entre índios, negros, portugueses e espanhóis, que ocorreu

constantemente no processo de ocupação da região. Maiores detalhes sobre a formação do caboclo, seu modo de vida e sua importância para a região podem ser encontrados em GEHLEN, 1991 e 1998; MARTINI, 1993; entre outros.

289 Assim denominados, pois possuíam capangas armados que defendiam suas posses e serviam também para a

defesa do território. Muitos também eram antigos servidores da Coroa que recebiam terras por serviços prestados e tinham a missão de ocupá-las produtivamente e defendê-las. Essa prática teve continuidade com a Independência e o governo Imperial continuou concedendo áreas de terras em troca de favores prestados na defesa do território, na guarda nacional e no processo de povoamento.

para a região das missões aproveitando-se da abundância do gado remanescente das reduções. Era um modelo fundado na grande propriedade da terra, na exploração do trabalho de peões e escravos, numa baixa qualidade técnica e na produção de poucos produtos (gado em pé, couro e muares) que se destinavam aos mercados da região da campanha gaúcha, de São Paulo e dos países platinos. A atividade era lucrativa em função do baixo custo de produção, uma vez que as pastagens eram abundantes, os próprios peões e escravos garantiam seu sustento através da agricultura de subsistência e da criação de pequenos animais e a terra era obtida por concessão gratuita ou expropriada dos posseiros pela força (ZARTH, 1997). Apoiados pela Coroa e depois pelo governo Imperial, os estancieiros controlavam o poder político local, tornando-se referência de autoridade e ocupando os principais cargos na criação dos dois primeiros municípios da região, Cruz Alta (1833), Santo Ângelo (1873), Palmeira das Missões (1874) e São Luís Gonzaga (1880) (FÉLIX, 1996; FINOKIET, 2003).

Outra atividade econômica que se desenvolveu nas missões após a desagregação das reduções foi o extrativismo da erva-mate. A atividade extrativa era controlada pelas câmaras municipais que concediam o direito de exploração dos ervais (nativos ou remanescentes das reduções, na maioria declarados de domínio público, pois estavam situadas na faixa290 de terra pública) a pessoas que tivessem posses291 para organizar uma “expedição” de coleta. O trabalho nos ervais era realizado durante os meses de inverno, com base no assalariamento temporário de peões que conheciam a região e sabiam lidar com a erva. Muitos desses peões eram posseiros que permaneciam na região durante o verão e se dedicavam ao cultivo de produtos de subsistência (milho, mandioca, feijão, abóbora e batata).

Apesar do “baixíssimo nível tecnológico” da atividade, que manteve o carijo como processo dominante de preparo da erva sendo substituído pelo barbaquá apenas no final do século XIX, e das constantes falsificações, o extrativismo da erva-mate representava a maior fonte de arrecadação tributária dos municípios da região (FÉLIX, 1996; ZARTH, 1997). A erva tinha um mercado garantido na região da campanha e nos países platinos.

290 Existia uma legislação que definia uma extensa faixa de fronteira declarada de domínio público. Em alguns

momentos ela chegava a ser da distância de 150 Km da fronteira. Depois ela vai diminuindo conforme avança o processo de colonização.

291

As expedições de coleta de erva exigiam capital para a compra dos equipamentos de trabalho, de transporte, alimentação e mão-de-obra. Com isso, era uma atividade dominada por estancieiros ou mercadores paulistas.

Esses dois modelos diferenciados de organização da produção e da própria sociedade, o das estâncias e o da atividade extrativa, que se formaram nas missões após a consolidação do domínio português, por vezes complementavam-se, outras tensionavam-se, outras ainda, estavam em oposição frontal (ZARTH, 1997). O domínio das estâncias, mesmo que a extração de erva-mate representasse a maior292 fonte de arrecadação para os municípios e ocupasse maiores contingentes populacionais, traduzia-se no controle político das municipalidades por parte dos estancieiros-militares que buscavam preservar seus interesses e aumentar suas posses em detrimento de uma grande parcela de peões, escravos, posseiros e coletores de erva que foram sendo, aos poucos, excluídos do acesso à terra como condição de sua própria sobrevivência.

Com todo esse controle político e institucional das elites locais, as terras devolutas e os ervais públicos perderam espaço gradativamente para a privatização. Formou-se, desse modo, uma legião de homens despossuídos em meio à imensidão de terras, numa região de baixíssima densidade demográfica, à época (ZARTH, 1997, p. 69).

Trata-se de um segundo processo de exclusão que foi “empurrando” essa população desalojada do acesso à terra para as últimas reservas de terras públicas ou para as matas de difícil acesso e que, nesse momento, não interessavam aos militares-estancieiros. Com a “Lei de Terras”, de 1850, essa situação se agravou, uma vez que o governo Imperial exigiu que as terras fossem registradas e que se pagasse o custo de registro. A partir daí criou-se um “mercado de terras” na região, que atraiu negociantes especializados que tinham sua atuação facilitada pela nova política oficial de colonização293 que incentivava a vinda de colonos de descendência européia não-ibérica para estabelecer um novo modelo de organização sócio- econômica em todo o norte do estado do Rio Grande do Sul (ROCHE, 1969; ZARTH, 1997). Esses negociantes compravam grandes áreas de terras dos estancieiros ou até mesmo do Estado e as revendiam para os colonos com enormes lucros após realizarem um trabalho mínimo de infra-estrutura. Não raras vezes, esses negociantes eram estrangeiros que

292 Nos primeiros orçamentos da vila de Cruz Alta, a erva mate representava em torno de 50% da arrecadação

total (ROCHA, 1964).

293 “Após a independência, D. Pedro I – que não confiava por completo nos caudilhos gaúchos que mantinham

atuação política e econômica de ambos os lados da fronteira e cultivavam uma proximidade com as idéias republicanas da Argentina, recentemente tornada independente – procurou fortificar a zona limítrofe mediante o uso de uma estratégia que a imperatriz Leopoldina conhecia de sua pátria, a Áustria. Para defender sua fronteira sul de ataques vindos do Império otomano, a Coroa austríaca havia colonizado, a partir de 1650, a região da Croácia com agricultores familiares leais ao imperador, que podiam ser rapidamente mobilizados como soldados em caso de guerra” (BROSE, 2005, p. 238-9).

dispunham de capital para investir e encontravam na região um espaço para aumentar seus lucros (SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981; ZARTH, 1997).

Para estender o novo processo de colonização para o norte do Rio Grande do Sul e integrá-lo à economia do estado e do resto do país, o governo provincial planejou o estabelecimento de uma malha ferroviária que interligava as principais regiões produtivas e dava condições de manter os fluxos econômicos e sociais indispensáveis à consolidação das atividades produtivas (BROSE, 2005). A via férrea chegou a Cruz Alta em 1894 interligando a região com o Porto de Rio Grande, através de Santa Maria. Com isso, abriu-se uma “frente pioneira” (ZARTH, 1997) capaz de atrair imigrantes e possibilitar o “repovoamento” da região a partir de novas bases produtivas e sociais.

Durante o período de desagregação das reduções, marcado pela “convivência/tensão” entre o modelo do extrativismo e das estâncias, rompeu-se com a forma “social-assistencial” de tratar os “problemas sociais” e não foram construídas formas alternativas para pôr em seu lugar. Com isso tem-se um verdadeiro descaso em relação àqueles que necessitassem de qualquer assistência, sendo suas manifestações relegadas à esfera familiar.

A criação de um conjunto de colônias294 oficiais e particulares entre o final do século XIX e o início do século XX representou a afirmação do projeto de colonização com a introdução de imigrantes europeus não-ibéricos295 ou seus descendentes, nesse último caso, provenientes das Colônias Velhas que já começavam a enfrentar o problema da escassez de terras. De acordo com Kliemann (1986), elas representaram a consolidação dos interesses do Partido Republicano Rio-Grandense, que assumiu o poder no estado a partir da Proclamação da República. De acordo com os ideais positivistas296, a busca da paz social, fundamental para alcançar o progresso econômico através do trabalho produtivo, só seria alcançada pela integração étnica e cultural e pela intervenção de um Estado forte. Nesse sentido, o governo

294 Entre as principais destacam-se as oficiais de Ijuí (1890), Guarani (1891), Panambi (1899) e Santa Rosa

(1914) e as particulares de Cerro Azul (1902), Ijuí Grande (1892), Vitória (1900), Buriti (1908), Timbaúva (1912) e Steglich (1914) (SCHALLENBERGER e HARTMANN, 1981; ROTTA, 1999).

295 Referindo-se aos descendentes de europeus não provenientes dos países da Península Ibérica (Portugal e