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CAPÍTULO IV CRÍTICAS, REVISÕES E NOVOS CAMINHOS

4.1 Críticas à defesa do livre-arbítrio

4.1.2. A revisão H & O

H & O admitem o amplo reconhecimento que a defesa do livre-arbítrio tem recebido por parte dos filósofos quanto a demonstrar a compatibilidade entre Deus e o

mal. No entanto, para eles tal celebração é precipitada. Isto porque a defesa do livre-arbítrio falha em argumentar a favor da depravação transmundana. Como Otte, H

& O se propõem não apenas detectar a falha do raciocínio de Plantinga mas também sugerir uma revisão a fim de que a versão do livre-arbítrio de Plantinga escape da crítica. Em suas palavras:

Para que não sejamos mal interpretados, temos que nos apressar para acrescentar que os nossos objetivos não são, em última instância, hostis; na verdade, por entender porque a defesa de Plantinga falha, pode-se ver o que ele deveria ter dito, que na nossa visão é tão decisivo como sua defesa foi pensada ser.10 ( H & O, 1999, p 1).

Plantinga propõe mostrar que Deus e o mal são consistentes num sentido amplamente lógico por encontrar uma proposição que apresente a justificativa para Deus permitir o mal. H & O querem mostrar que, ao contrário do que de fato pretende, a defesa de Plantinga não se trata de uma demonstração amplamente lógica (envolvendo possibilidade e necessidade) mas sim de uma tarefa epistemológica. Aqui reside a base da crítica deles. A proposta de Plantinga é bem sucedida se é possível mostrar que a proposição que justifique Deus permitir o mal seja razoavelmente crível. Alguém só demonstra que um Deus onisciente, onipotente e onibenevolente é compatível com a existência do mal “ … por empregar uma defesa no estilo da de Plantinga somente se não é razoável deixar de crer naquelas reivindicações que a constituem”11 ( H & O, 1999, p 2). Em contrapartida a defesa de Plantinga falha se é razoável deixar de crer que a razão para a permissão do mal seja possível. O aspecto básico da objeção dos autores é mostrar que é razoável deixar de crer nesta proposição. A proposição R de Plantinga é: Deus criou um mundo contendo bem moral, no entanto, não estava dentro de seu poder criar um mundo contendo bem moral, sem criar um contendo o mal moral.

A premissa deste argumento é que é possível que cada essência sofra de depravação transmundana. A partir desta pressuposição da proposição de Plantinga para

10“Lest we be misunderstood, we hasten to add that our aims are not ultimately unfriendly; indeed, by

understanding why Plantinga’s defense fails, one can see what he should have said, which by our lights is every bit as decisive as his defense has been thought to be.”

11“… by deploying a Plantinga-style defense only if it is not reasonable to refrain from believing those

a permissão do mal, H & O argumentam que

Se alguém acredita que D [R] é possível somente com base em um argumento particular e é razoável deixar de acreditar em pelo menos uma premissa desse argumento, então é razoável deixar de acreditar que D [R] é possível12( H & O, 1999, p. 4).

Assim, se é razoável deixar de crer que a depravação transmundana é possível (premissa do argumento de Plantinga), então é razoável deixar de crer que não está dentro do poder de Deus criar um mundo contendo bem moral sem criar um contendo mal moral. Desta forma os autores se propõem a argumentar que “… é razoável deixar de acreditar que DT [depravação transmundana] é possível”13 (H & O, 1999, p. 5) A estratégia de H & O é demonstrar a inviabilidade da depravação transmundana a partir da irrazoabilidade do conceito de santidade transmundana. Segue a definição de santidade transmundana:

Uma essência E é abençoada com santidade transmundana se e somente se para todo mundo M tal que E que contém as propriedades é significativamente livre em M e sempre faz o que é certo em M, pois nenhuma ação A e nenhum segmento mundo maximal S é tal que

(1) S inclui E está sendo instanciado e a instanciação de E ser livre em relação a A ser moralmente significativa para a instanciação de E, e

(2) S está incluído na M, mas não inclui nem a instanciação de E realizando A nem a instanciação de E nem refreando-se de A, é o caso que

(3) se S fosse atual, então a instanciação de E teria dado errado com relação a A14

Com este conceito passamos a ter a proposição: TS: Necessariamente alguma essência ou outra é abençoada com santidade transmundana. O próximo passo da

12“If one believes that D[R] is possible solely on the basis of a particular argument and it is reasonable to

refrain from believing at least one premise of that argument, then it is reasonable to refrain from believing that D[R] is possible.”

13“… it is reasonable to refrain from believing that TD is possible.”

14 “An essence E is blessed with transworld sanctity if and only if for every world W such that E contains

the properties is significantly free in W and always does what is right in W, for no action A and for no maximal world segment S such that

(1) S includes E's being instantiated and E's instantiation being free with respect to A and A's being morally significant for E's instantiation, and

(2) S is included in W but includes neither E's instantiation's performing A nor E's instantiation's refraining from A,

it is the case that”

argumentação de H & O é demonstrar a incompossibilidade entre santidade transmundana e depravação transmundana.

Em um mundo M1 cada essência sofre de depravação transmundana.

Se uma essência Em (chamada “Maria”) fosse instanciada em um EPM (E Mundo perfeito), onde em EmPM houvesse um segmento S então

em M’, para qualquer EmPM, há algum segmento neutro S tal que se S fosse atual,

Maria iria errar com respeito a alguma ação A.

Em seguida imagine um mundo M2 no qual o que é verdadeiro é a santidade transmundana, então

Em M’’, necessariamente, alguma essência ou outra é abençoada com santidade transmundana.

A conclusão neste caso é que, uma vez que uma proposição sendo necessariamente verdadeira em um mundo é verdadeira em cada mundo, em M1 alguma essência ou outra é abençoada com santidade transmundana. Daí haverá em M1 uma essência que tanto será abençoada com santidade transmundana como também será amaldiçoada com depravação transmundana. Considere que Em seja esta essência. Temos então uma contradição pois

em M', para qualquer EmPM, há algum segmento S neutro tal que, se S fosse atual, Maria iria errar no que diz respeito a alguma ação A, e em M', para qualquer EmPM, não existe segmento S neutro tal que se S fosse real Maria iria errar com relação a alguma ação A.15(H & O, 1999, p. 7)

Logo, se depravação transmundana é possível, então santidade transmundana é

15 “ … at W', for any EmPW, there is some neutral segment S such that if S were actual, Mary would go

wrong with respect to some action A, and at W', for any EmPW, there is no neutral segment S such that if S were actual, Mary would go wrong with respect to some action A.”

impossível. Neste caso se é razoável crer que há mundo no qual alguma essência não sofre de santidade transmundana então não há mundo no qual necessariamente alguma essência ou outra seja santificada transmundialmente. Se santidade transmundana não goza da condição de necessidade e passa a condição de possibilidade, o mesmo se dá com depravação transmundana.

Ora, uma vez que é razoável deixar de crer que cada essência possivelmente sofra de depravação transmundana é razoável deixar de crer que é possível que não está dentro do poder de Deus criar um mundo contendo bem moral sem mal uma vez que esta última proposição depende da primeira. A defesa de Plantinga falha em mostrar que Deus e mal são compatíveis.

O que fazer? H & O apresentam várias saídas que poderiam ser tentadas e que viabilizam a aceitação racional da depravação transmundana. Alguém pode argumentar que é “autoevidente que há um mundo no qual cada essência é depravada transmundialmente”( H & O, 1999 p. 9). H & O respondem que tal sugestão é falsa. Outra possibilidade seria de que há proposições que são apropriadamente aceitas sem que encontremos argumentos convincentes para elas. “ … nós estamos dentro de nossos direitos de crer nela sem argumento”16 ( H & O, 1999, p. 9). O problema com esta abordagem é que “claramente, não toda proposição para a qual não temos nenhum argumento, mas que a achamos convincente por meio de reflexão é aquela que estamos no nosso direito de acreditar”17 ( H & O, 1999, p. 9). A saída que H & O propõem é o que eles chamam de plenitude de essências. Vejamos essa formulação:

A ideia é esta: Pegue qualquer perfil disposicional que é coerente e, de acordo com esta metafísica, alguma essência em cada mundo tem esse perfil. Suponha-se, então, que alguma essência E1 tem um perfil disposicional que inclui dar errado com relação a alguma ação A em alguma situação de escolha C, fosse essa essência instanciada no segmento de mundo maximal S. De acordo com a metafísica em questão, em todos os casos possíveis deste tipo, há outra essência E2 que é como E1, exceto que fosse E2 instanciada S, E2 iria agir corretamente com relação a A em C. Tal é a plenitude das essências. Com efeito, as essências diferem nas relações de distância que levam a vários mundos nos quais são instanciados: para E2, o mundo de S,

16 “we are within our rights to believe it without argument.”

17“… clearly, not every proposition for which we have no argument but which we find compelling on

que inclui fazer o certo em relação a A em C está mais perto do que o mundo de S, que inclui dar errado em relação a A em C, enquanto que para E1, o mundo de S, que inclui fazer o certo em relação a A em C está mais longe do que o mundo de S, que inclui dar errado com relação a A em C. Se assumirmos a plenitude que essa metafísica postula, o pensamento que cada essência possível que sofre de depravação transmundana tem um complemento (por assim dizer) que é abençoado com santidade transmundana torna-se muito atraente18( H & O, 1999, p. 11).

H & O admitem que não há um bom argumento que justifique esta metafísica. No entanto também não há nenhum bom argumento que seja contrário a ela. Como não há razões para rejeitá-la então não há igualmente razões para rejeitar o seu corolário, ou seja, que alguma essência ou outra seja abençoada com santidade transmundana.

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