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3 CORPUS DISCURSIVO E METODOLOGIA

3.1.1 A revista O Cruzeiro

A primeira edição da revista O Cruzeiro data de 10 de novembro de 1928. Uma publicação dos Diários e Emissoras Associados, de propriedade do empresário e político Assis Chateaubriand, a revista apresenta-se ao leitor, em seu primeiro editorial, como “a mais moderna revista brasileira” (EDITORIAL, 1928). Inicialmente com o nome Cruzeiro, alterado dois anos mais tarde para O Cruzeiro, a publicação é considerada um marco no jornalismo brasileiro, segundo estudiosos da área de Comunicação, por antecipar-se às principais tendências que caracterizariam o jornalismo de revista entre as décadas de 1950 e 1960, como o uso de fotos e ilustrações coloridas e o investimento na produção de grandes reportagens17.

Produzida no Rio de Janeiro, a capital brasileira, a revista circula inicialmente nos principais estados brasileiros e, com a ampliação da tiragem inicial18, no país todo. Em seu dizer inicial de apresentação, já oferecia destaque a esta característica de circular em todo o Brasil, bem como ao seu alcance familiar, ao se apresentar como “a leitura da família”: “A revista circula desde o Amazonas ao Rio Grande do Sul, infiltra-se por todos os municipios, utilisa na sua expansão todos os meios de conducção terrestre, maritima, fluvial e aérea; entra e permanece nos lares; é a leitura da familia e da vizinhança”.

O nome da publicação, conforme explicação em seu primeiro editorial, faz remissão à constelação Cruzeiro do Sul, representada na bandeira brasileira e nos nomes atribuídos ao Brasil durante os primeiros anos de dominação portuguesa; e que nomearia a futura moeda brasileira, o cruzeiro, que entraria em circulação em novembro de 1942: “Seu nome é o da constelação que, ha milhões incontaveis de annos, scintila, aparentemente immovel, no céo austral, e o da nova moeda em que resuscitará a circulação do ouro”.

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Segundo Bahia (1990), duas características fazem de O Cruzeiro uma revista precursora no jornalismo brasileiro, uma ligada às questões de edição e outra aos métodos de sua produção industrial. Quanto à edição, a revista reúne jornalistas de reconhecido valor, que investem no desenvolvimento de grandes reportagens e fotos; no âmbito da produção industrial, os equipamentos gráficos modernos adquiridos pela empresa possibilitam a qualidade gráfica do material.

Sobre os conceitos de jornalismo em revista e grande reportagem, ver, respectivamente, Vilas Boas (1996) e Kotscho (1986).

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A tiragem inicial da revista O Cruzeiro, anunciada junto ao editorial de sua primeira edição, era de 50 mil exemplares. Durante o período analisado, no entanto, esta tiragem apresenta crescimento constante, chegando a 250 mil exemplares.

A publicação é anunciada como contemporânea às conquistas da modernidade, mas atrelada à história brasileira tal como narrada por Portugal, a partir de uma visão eurocentrista: “Cruzeiro encontra já, ao nascer, o arranha-céo, a radiotelephonia e o correio aéreo: o esboço de um mundo novo no Novo Mundo”. Esta relação permanente entre o passado histórico e o futuro promissor é uma marca do discurso da modernidade assumido pela publicação, presente não apenas na primeira apresentação feita pela revista aos seus leitores, mas em grande parte dos assuntos tratados nas reportagens elaboradas por seus jornalistas.

A sua relação com a busca pela modernidade, própria das condições de produção de seu discurso, associa a imagem da publicação aos equipamentos/inventos humanos que marcam o momento histórico de sua inauguração. Os elementos que apontam a presença da tecnologia, marcados no fio do discurso por “arranha-céo”, “radiotelephonia” e “correio aéreo”, posicionam a publicação como parte das tendências modernas que se anunciavam naquele momento histórico. A publicação de O Cruzeiro é significada como um marco histórico do desenvolvimento brasileiro; a revista, ela própria, é afirmada como um marco da mídia impressa no país, mais um elemento dentre os que promovem a inscrição do Brasil naquele momento histórico, em que se encontrava em vigor o discurso do desenvolvimento e da modernização.

O discurso da modernidade, que marca o surgimento da revista O Cruzeiro, é uma característica do grupo Diários e Emissoras Associados, primeira cadeia de comunicação a reunir impressos, emissoras de rádio e, posteriormente, de televisão no Brasil19. Ainda em seu primeiro editorial, o conselho editorial reforça o aspecto moderno da publicação, relacionando-a a um país que se insere em uma perspectiva de desenvolvimento: “Porque é a mais nova, Cruzeiro é a mais moderna das revistas. É este o título que, entre todos, se empenhará por merecer e conservar: ser sempre a mais moderna num paiz que cada dia se renova...”.

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A cadeia de comunicação Diários e Emissoras Associados é fundada seguindo os moldes das empresas de comunicação Hearst, nos Estados Unidos, de propriedade de William Handolph Hearst. Em seu auge, a cadeia Diários e Emissoras Associados chegou a contar com 31 jornais de circulação diária, três revistas, sendo O

Cruzeiro a principal, 23 emissoras de rádio, 13 emissoras de televisão e uma agência de notícias. Sobre as

cadeias de comunicação no Brasil e a constituição dos Diários e Emissoras Associados, ver Bahia (1990) e Moraes (1994).

Apesar do olhar para o futuro, próprio das condições históricas do país, a relação com o passado, no entanto, é sustentada pelo nome das principais publicações da cadeia de comunicação, como O Cruzeiro, e mesmo de emissoras, como o rádio e a televisão Tupi. Embora as cadeias de comunicação permitam a associação com a modernidade, as origens indígenas ou portuguesas, via colonização, são mantidas simbolicamente, por meio da nomeação das publicações e emissoras; e assim permanecem produzindo sentidos. É o caso da nomeação Tupi, que traz a memória do idioma indígeno, ou de O Cruzeiro, que destaca a constelação vista no céu brasileiro e permite a associação à natureza.

Este discurso da modernidade aliado à tradição, que estabelece uma espécie de ponte entre passado e futuro, será uma das características fundamentais de funcionamento do discurso sobre a televisão na revista O Cruzeiro, uma das primeiras publicações brasileiras a dedicar espaço ao dizer sobre a televisão, junto aos demais impressos da cadeia Associada. A partir de 1948, quando teriam sido fechados os acordos pelo proprietário do grupo, Assis Chateaubriand, para a instalação das emissoras de TV no país, a publicação realiza uma verdadeira campanha pró-TV que participa da constituição de uma imagem para a televisão no Brasil.

Antes disso, desde 1945, o assunto televisão passa a dividir espaço na revista com questões de interesse geral, relacionadas à política, aos esportes, à vida social e cultural, e a se destacar em colunas especializadas em cinema, teatro e rádio, presentes na publicação. A televisão também ocupa páginas de propaganda, seja para venda de receptores por lojas de departamento, para a oferta de cursos para a formação de profissionais especializados no conserto destes aparelhos, ou ainda para a venda de espaços publicitários na nova mídia.

O pertencimento da revista à chamada imprensa de referência brasileira à época também se sustenta pela expressividade de sua tiragem no decorrer de sua história. A tiragem inicial da publicação, de 50 mil exemplares, permanece em ascensão ao longo dos anos, e culmina com uma média semanal de 720 mil exemplares, entre 1954 e 1955 (BAHIA, 1990), número que somente seria superado pela revista semanal Veja, uma publicação da Editora Abril, no ano de 1985.

O Cruzeiro encontra uma concorrente no mercado brasileiro de revistas

semanais apenas em 1952, com o lançamento da revista Manchete, também de circulação nacional e voltada à apresentação de assuntos considerados de interesse geral. A revista O

Cruzeiro mantém sua circulação até 15 de novembro de 1982, mas neste estudo serão

consideradas as suas edições publicadas entre os anos de 1945 e 1952, recorte estabelecido com base no conceito de trajeto temático, especificado mais adiante.