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3 EUDAIMONIA ARISTOTÉLICA

3.2 A EUDAIMONIA COMO BEM SUPREMO

3.3.3 A Riqueza

A riqueza, a princípio, tem por função a satisfação das necessidades do homem, o que a constitui como simples meio para que a eudaimonia se consolide e torne possível uma vida boa e bela na pólis.

Ao contrário do prazer, a busca pela riqueza não possui seu fim em si mesma, o que a torna um simples meio para a obtenção de outras coisas. Porém, em razão de ser indispensável à satisfação das necessidades materiais humanas, relaciona-se com a eudaimonia e “abrange um horizonte ético”, pois a aquisição de riquezas deve se pautar em princípios gerados, capazes de constituírem uma determinada prática racional dentro do campo da economia. Apesar de diferentes entre si, tanto o prazer como a riqueza são capazes de contribuir com a felicidade preconizada por Aristóteles, seja ela conquistada através da vida ativa ou da vida contemplativa232 (PICHILER, 2004, p. 56; 138).

Aristóteles, em sua obra intitulada Política, divide e estabelece três formas de se adquirir riquezas. A primeira, a que chama de natural, busca os bens necessários à subsistência humana dentro da própria natureza, ou seja, mediante ações como caça, pastoreio e cultivo; a segunda, fugindo do processo plenamente natural, estabelece o suprimento das necessidades do homem através da “troca dos bens

232 Aristóteles trata de uma felicidade que não nega os prazeres, nem as paixões. O Filósofo,

simplesmente as admite e busca a maneira correta de o homem lidar com suas sensações, pois, em sua opinião, até mesmo a felicidade contemplativa necessita que o homem busque satisfazer as necessidades que lhes são próprias, desde que o faça com o comedimento conveniente ao homem sábio.

com bens equivalentes [escambo]” (REALE, 1994, p. 436); já a terceira, chamada de ‘crematística’, visa à aquisição de riquezas de forma contrária à natureza, quando efetiva a troca de bens por dinheiro, de maneira que os limites para a obtenção de riquezas não são naturais nem pré-fixados. Esse tipo de ‘comércio’ é criticado por Aristóteles, pois o homem passa a buscar a sua prosperidade de forma ilimitada, desvirtuando a função da riqueza que passa a ser vista não mais como o meio para algo, mas como o próprio fim a ser perseguido (REALE, 1994, p. 437). Isso porque existem os que pensam que a função da economia é a de simplesmente acumular bens, aos quais buscam aumentar indefinidamente, visto imaginarem que, assim como o desejo de viver é ilimitado, os meios de satisfazê-lo também o sejam, aspecto esse que os levam a colocar “todas as suas faculdades em uso em desacordo com a natureza”. Dessa maneira, para Aristóteles, a vida dedicada à função de adquirir riquezas leva o homem a empreender seus esforços na busca das coisas que a tornam possível, sem, no entanto,preocupar-se com o “bem viver” (POL, I, 2, 1258a 10-15; III, 1257b 40 - 1258a 5), o que torna esse tipo de vida incapaz de tornar o homem eudaimon, portador da eudaimonia.

Analisados, ainda que sumariamente, os tipos de vida considerados como as mais felizes pela maior parte dos homens, concluímos, com Aristóteles, que os bens exteriores, ou bens da fortuna, tornam o homem apenas aparentemente feliz, pois que se constituem em meros meios para a felicidade. Assim, para o filósofo, a eudaimonia buscada por todos os homens pode ser atingida, apenas, através dos bens da alma, “já que na alma se atualiza o verdadeiro ser do homem” (PICHLER, 2004, p. 58).

Aristóteles concorda com o fato de a eudaimonia, para ser alcançada, necessitar de bens exteriores, pois, em sua opinião, “é impossível, ou pelo menos não é fácil, realizar atos nobres sem os devidos meios”, já que “em muitas ações utilizamos como instrumentos os amigos, a riqueza e o poder político; e há muitas coisas cuja ausência empana a felicidade, como a nobreza de nascimento, uma boa descendência, a beleza”. Essa noção é reiterada no Livro X, quando considera ser necessária ao homem a prosperidade exterior, pois “nosso corpo também precisa de gozar saúde, de ser alimentado e cuidado” (EN, I, 8, 1099a 30 - 1099b 5; X, 8, 1179a 30-35).

makariótes233, e considera possível que a felicidade seja interrompida pela falta de

bens exteriores necessários que, em sua falta, nunca permitirá que o homem seja, ou deixe de ser feliz. A esse respeito, porém, Aristóteles adverte que não são esses os bens que tornarão o homem feliz, pois que estes se constituem em simples acréscimos à felicidade, enquanto as atividades de acordo, ou não, com a excelência, são as responsáveis pela eudaimonia, ou seu contrário (EN, I, 10, 1100b 10-15). Apesar dessas afirmações, o próprio Aristóteles constata que “sem os objetos de primeira necessidade, os homens não saberiam viver, e, o que é mais, viver felizes” (POL, II, 1253b 25-30). Apesar de admitir a constância como característica da felicidade, Aristóteles reconhece que no percurso de uma vida boa “os pequenos incidentes, felizes ou infelizes não pesam muito na balança, mas uma multidão de grandes acontecimentos” poderá tornar mais venturosa a vida ou “poderão esmagar ou mutilar a felicidade”, pois estes, além da dor que trazem consigo, podem impedir muitas ações (EN, I, 10, 1100b 25-30). Tal afirmação parte do fato de que a pessoa feliz não é variável e facilmente transformada, nem perderá facilmente sua eudaimonía por algumas adversidades que lhe atravanquem o caminho, pois somente os grandes e numerosos infortúnios serão capazes de desviá-la de sua finalidade. Ainda, caso o homem seja vitimado por tais adversidades, ele dificilmente se tornará novamente eudaímon234, o que só será possível diante de um “tempo longo e completo, em que houver alcançado muitos e esplêndidos sucessos” (EN, I, 1, 1101a 10-15).

Aristóteles acredita que a pessoa realmente boa suportará seu destino com dignidade e sempre fará o melhor possível diante das circunstâncias nas quais se vê envolvida, aceitando “com resignação muitos grandes infortúnios, não por insensibilidade à dor, mas por nobreza e grandeza de alma” (EN, I, 1, 1100b 30-35). Estas são possíveis de serem conquistadas através de um direcionamento que deverá ser-lhe incutido por meio da educação, desde a mais tenra infância.

No mundo grego de então, a Paideia era amplamente valorizada, pois que era através dela que se formariam cidadãos coesos, capazes de compartilhar a pólis

233 De acordo com Martha Nussbaum, a diferença entre eudaimon e o makariótes consiste no fato de

o primeiro ser capaz de agir de acordo com a excelência, enquanto o segundo, além de proceder a esse tipo de ação, pode ser considerado como bem-aventurado, por ter sua vida acrescida “dos favores da fortuna” (Cf. NUSSBAUM, 2009, p. 287).

234 Aristóteles acredita que se as circunstâncias forem por demais adversas, elas serão capazes de

influenciar não apenas a ação, mas o próprio modo de ser do homem que, assim, dificilmente voltará a ser feliz (EN, I, 10, 1101b 10-15).

que os abrigava. Por esse motivo, empreenderemos, a partir de agora, um estudo sobre o assunto, haja vista a importância que lhe era conferida por Aristóteles, principalmente no que trata da educação dos jovens e que tinha por fim proporcionar-lhes a conquista da eudaimonia.