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2.1 Histórico da regulamentação multilateral dos subsídios no âmbito do GATT

2.1.4 A Rodada Tóquio e o Código de Subsídios e Medidas Compensatórias

A Rodada Tóquio estendeu-se de 1973 a 1979. Característica distintiva dessa Rodada em relação às anteriores foi a mudança de prioridade nas negociações: de reduções tarifárias para barreiras não-tarifárias (KENWOOD; LOUGHEED, 1994, p. 281; HENKIN, 2001, p. 1576). Isso não quer dizer que reduções tarifárias foram afastadas de sua pauta (BARRAL, 2000, p. 24; DAL RI JÚNIOR, 2004, p. 148). Pelo contrário, as negociações e reduções prosseguiram nesse sentido, sobretudo quanto a tarifas incidentes sobre produtos industrializados (GONÇALVES, 1998, p. 60). Porém, o contexto de crescimento acentuado do uso de barreiras não-tarifárias após a Rodada Kennedy (DAL RI JÚNIOR, 2004, p. 144-5), como indicado anteriormente, fez com que a questão tarifária fosse abordada em segundo plano (DAL RI JÚNIOR, 2004, p. 148).

Entre as barreiras não-tarifárias estão incluídas as medidas compensatórias93 (MARTONE; BRAGA, 1994, p. 69). Aliás, “[a]ções compensatórias [...] constituem um subconjunto de MNTs [Medidas Não-Tarifárias] eletivas que são frequentemente aplicadas contra as exportações brasileiras.” (GONÇALVES, 1994, p. 161) Como a aplicação de medidas compensatórias é uma resposta aos subsídios, a questão das barreiras não-tarifárias afeta a discussão sobre a regulamentação destes. No campo dessa regulamentação, o resultado relevante da Rodada Tóquio foi a elaboração do Código de Subsídios e Medidas Compensatórias (JACKSON, 2000, p. 288; BARRAL, 1998, p. 373). O Código, no entanto, era plurilateral, e não multilateral (TREBILCOCK; HOWSE, 1999, p. 193). O caráter de plurilateralidade implicou que nem todas as Partes Contratantes do GATT estivessem obrigadas pelo Código, mas apenas aquelas que o adotassem.

Isso porque, antes da Rodada Uruguai e da criação da Organização Mundial do Comércio, havia a “possibilidade de firmar apenas os acordos de interesse de cada Estado- membro [...], chamada de ‘GATT à la carte’.” (BÖHLKE, 2002, p. 223; cf. BARRAL, 2000, p. 25) Em outras palavras, “era possível que um conjunto de países chegasse a um acordo sobre um determinado tema, sem a participação de todos os signatários do GATT.”

93 “As barreiras não-tarifárias (BNTs) compreendem um vasto conjunto de medidas quantitativas e

administrativas para restringir importações” (MARTONE; BRAGA, 1994, p. 46). Há “diferenciação entre as tarifas e as barreiras não-tarifárias, no sentido de que as primeiras são normalmente estabelecidas por um processo político de mudança na legislação, ao passo que mediante a adoção de barreiras não-tarifárias o nível de proteção passa a ser definido via mecanismos administrativos. É o que se convencionou chamar de 'proteção administrada'.” (MARTONE; BRAGA, 1994, p. 98)

(GONÇALVES et al, 1998, p. 60) Como resultado prático de seu caráter plurilateral, o Código somente foi de fato adotado pelos países da OCDE e por um pequeno número dos países em desenvolvimento mais avançados (TREBILCOCK; HOWSE, 1999, p. 193), totalizando apenas 24 signatários94 (JACKSON, 2000, p. 290; BARRAL, 1998, p. 373).

Em seu conteúdo, o Código de Subsídios e Medidas Compensatórias, no que tange especificamente o tratamento dado aos subsídios e deixando-se à parte a questão das medidas compensatórias – em atenção ao objeto delimitado para o presente estudo –, passou a diferenciar subsídios voltados à exportação (artigos 9 e 10), de um lado, daqueles voltados à produção interna, de outro (artigo 11), e que John Jackson denomina “subsídios domésticos” (JACKSON, 2000, p. 288)95. Esses últimos seriam permitidos, mas sob a possibilidade de

averiguar-se, mediante consultas, se seriam prejudiciais à produção de outra Parte Contratante (CHEREM, 2002, p. 114). Nessas circunstâncias, mesmo subsídios domésticos seriam proibidos (GATT, Código de Subsídios e Medidas Compensatórias, 1979, artigo 11.2). Isso é justificável pelo fato de que, como em políticas de substituição de importações, subsídios podem ser utilizados (e não só barreiras tarifárias) com o objetivo de evitar importações de produtos estrangeiros concorrentes. Esse objetivo pode ser atingido pela diminuição dos preços dos produtos nacionais, que o subsídio (doméstico) possibilita. Dessa forma, mesmo que não voltados à exportação, subsídios podem prejudicar Partes Contratantes cujos produtores percam condições de competição em face da diferenciação de preços (entre produtos nacionais e estrangeiros) artificialmente provocada pelo governo que subsidia (TREBILCOCK; HOWSE, 1999, p. 191).

No que diz respeito aos subsídios à exportação, o Código da Rodada Tóquio manteve dois aspectos da regulamentação anterior, acrescentados pela emenda de 1955: (1) a diferenciação de tratamento para produtos primários e não-primários – condenação a subsídios a estes, mas tratamento leniente àqueles –, e (2) o critério de parte eqüitativa do mercado mundial como limite além do qual subsídios a produtos primários seriam proibidos (JACKSON, 2002, p. 288; CHEREM, 2002, p. 114). Como John Jackson observa, no entanto, o critério de binivelamento de preços, que também havia sido acrescentado pela emenda de 1955, foi eliminado (JACKSON, 2002, p. 289). Assim, não mais importava, para

94 O termo signatários é utilizado, aqui, por força do próprio Código de Subsídios e Medidas Compensatórias

da Rodada Tóquio, cuja primeira nota de rodapé explica: “The term ‘signatories’ is hereinafter used to mean Parties to this Agreement.” Em oposição a isso, a prática comum é utilizar-se a expressão Partes

Contratantes para fazer referência a membros do GATT (BARRAL, 2000, p. 24). 95 No original: “domestic subsidies”.

fins de incidência de proibição, se a concessão de subsídios à exportação resultava ou não em preço menor para o mercado externo do que o praticado internamente.

Embora ao Código de Subsídios e Medidas Compensatórias da Rodada Tóquio possa ser atribuído o mérito a regular subsídios de maneira mais específica do que as regulamentações anteriores, dois aspectos podem ser apontados como falhas. Primeiramente, a Rodada Tóquio repetiu a negligência conceitual das rodadas anteriores, no sentido de que, mais uma vez, deixou-se de lançar uma definição do que subsídio viria a ser (JACKSON, 2002, p. 288). O efeito prático da ausência do conceito é a dificuldade na caracterização dos subsídios em casos concretos, o que dificulta o controle sobre a aplicação de medidas compensatórias.

O segundo aspecto foi o da larga inaplicabilidade do Código (BARRAL, 1998, p. 373). Seu caráter era plurilateral, o que poderia não ter sido problemático em caso de ampla adesão pelas Partes Contratantes do GATT. Porém, sua aceitação – como apontado anteriormente – foi baixa, e, além disso, o Código foi posteriormente “abandonado pela maioria dos Estados firmatários.” (DAL RI JÚNIOR, 2004, p. 146) Nesse contexto, Bo Södersten e Geoffrey Reed chegam a afirmar, ao fazer balanço das negociações, que “a principal conquista da Rodada Tóquio [foi] a continuação da liberalização do comércio por reduções tarifárias”96 (SÖDERSTEN; REED, 1994, p. 364) – ainda que as barreiras não- tarifárias tivessem sido o escopo principal da Rodada.

2.2 A regulamentação dos subsídios na Rodada Uruguai: o Acordo de Subsídios e