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A rotação das esferas celestes, a causa eficiente

Capítulo 1 – Uma apresentação à Meteorológica

1.2 As causas dos fenômenos meteorológicos

1.2.2 A rotação das esferas celestes, a causa eficiente

Como apontamos na seção anterior, a causa eficiente das exalações é o calor do Sol. Assim, os fenômenos meteorológicos variam sazonalmente à medida que mudanças na posição do Sol alteram o regime das exalações, como aponta o autor:

A causa eficiente e regente e o primeiro princípio é o círculo no qual o sol se move. Pois o Sol, à medida que se aproxima ou se afasta, obviamente causa rarefação e condensação e, então, produz a geração e a destruição. Agora a Terra permanece, mas a umidade que a envolve é transformada em vapor pelos raios do Sol e o outro calor acima e sobre [...]. Então, temos um processo circular que segue o curso do Sol. Pois de acordo com o movimento do Sol para esse ou aquele lado, a umidade nesse processo sobe ou se precipita (346b20-347a1).

Antes de mais nada, cumpre destacar que o vapor é produzido pelo calor dos ‘raios de Sol e o outro calor’, ou seja, embora o Sol seja, de longe, o corpo predominante é plausível imaginar que as outras estrelas tenham alguma influência sobre o calor que incide sobre a Terra, assim, o autor afirma, por exemplo, que as exalações que formam aquilo que chamamos de Via- Láctea são produzidas pelo calor das estrelas fixas. Contudo, algumas questões persistem; primeiro como o Sol produz calor sem ser ele mesmo quente (314a16), já que é feito de éter? Ou ainda, o que o autor quer dizer ao afirmar que o movimento do Sol é ‘rápido’? Considerando seus movimentos diários em torno da Terra, poderíamos, na verdade dizer que todos os orbes celestes se movem com incrível velocidade, inclusive que, angularmente, tanto o Sol como as estrelas fixas têm a mesma velocidade, pois, numa perspectiva geocêntrica, ambos completam uma volta completa em torno da Terra a cada dia. A solução dada na Meteorológica ao primeiro problema, é considerar que o calor não é produzido pelo Sol em si, mas pela rotação da esfera em que está incrustrado, diz:

Vemos que o movimento é capaz de dissolver e inflamar o ar; corpos em movimento são, de fato, vistos derreter. Também o movimento do Sol sozinho é suficiente para dar origem ao mormaço e ao calor. Pois, um movimento que tem esse efeito deve ser rápido e próximo, e aquele das estrelas é rápido, mas distante, enquanto o da Lua é próximo, mas lento, ao passo que o movimento do Sol combina as duas condições em grau suficiente. Que mais calor é produzido quando o Sol está presente é fácil de entender se considerarmos a analogia dos fenômenos terrestres; pois, aqui também, o ar que está mais próximo a uma coisa em rápido movimento é o que mais se esquenta. Isso é exatamente o que devemos esperar, já que o ar mais próximo é dissolvido pelo movimento de um corpo sólido. (341a19-28)

Assim, o Sol estaria em especiais condições em relação aos outros astros, seu movimento tanto é rápido quanto próximo, o que permite que seu calor nos atinja. A questão que surge, é o que o autor quer dizer ao afirmar que o movimento do Sol é ‘rápido’? todos os orbes celestes completam uma volta diária em torno da Terra carregados pela esfera das estrelas fixas e, portanto, com a mesma velocidade. Logo a revolução diária não parece ser o critério a partir do qual possa se determinar, por exemplo, que o Sol se mova mais rapidamente que a Lua. Então talvez devêssemos pensar no período necessário para completar um ciclo completo em torno da Terra, no caso do Sol temos que esse tempo é de 1 ano. No caso dos demais corpos se usarmos o período sinódico como referência, ou seja, o período aparente observado da Terra, temos, no caso de Saturno, 378,1 dias, bastante parecido aos 365,3 dias do Sol. Todavia, não se nota um efeito término produzido por Saturno minimamente semelhante ao do Sol. Nesse caso pode-se argumentar que o problema seja a distância, ainda que Saturno gere algum efeito térmico, está muito mais distante que o Sol, logo seu calor é quase imperceptível. Por outro lado, o período da Lua em torno da Terra é quase de 1 mês, ou, seja, muito menor que o período de 1 ano do Sol e está muito mais próxima, ainda assim, não produz nenhum efeito térmico, inclusive o autor afirma que seu movimento é ‘lento’. Logo, esse também não parece ser o critério usado no texto, pois o autor afirma que o movimento da Lua, embora aconteça mais próximo à Terra, é mais lento que o do Sol. Parece, a meu ver, portanto, que o autor considera a 'rapidez' do movimento como dependendo de alguma forma do raio. Embora o Sol e a Lua completem uma volta diária em torno da Terra, o Sol, por estar mais longe percorre um trecho de circunferência muito maior que a Lua, parece, então, que seja por isso que o autor afirme que seu movimento é mais rápido. Isso está de acordo com a ideia que também encontramos na Meteorológica de que a esfera das estrelas fixas se move com uma velocidade muitíssimo maior que a do Sol, de fato estando muito mais distante da Terra, percorre um trecho de circunferência muito maior que o Sol no mesmo intervalo de tempo. Uma ideia semelhante é encontrada no pseudo- Aristóteles “Mecânica” (cf. 849a4-23), em cujo texto se baseia a figura 1.

Assim, o calor do Sol é causado por seu movimento, não por possuir alguma constituição ígnea, como se poderia inicialmente supor. Além do Sol, há uma fonte de calor também nas partes mais altas da região terrestre: a combustão da exalação seca. Evidentemente,

Figura 1 – No mesmo intervalo

de tempo, enquanto um corpo percorre o arco ML outro corpo percorre um arco BF>ML, logo, o segundo pode ser dito mais rápido que o primeiro, (apud PICCOLOMINI, 1547, p. XIII).

muito menos intensa que o calor do Sol, essa combustão é causada pela revolução da esfera da Lua que carrega consigo a parte inferior que lhe é contígua. Ou, usando uma nomenclatura mais ao estilo da Meteorológica, a esfera da Lua arrasta consigo a hupekkauma e esta leva consigo a parte de ar contínua a ela. Considera o autor:

Esse mundo necessariamente tem uma certa continuidade com os movimentos superiores; consequentemente, todas suas potencialidades são derivadas desses movimentos. (Pois o princípio que dá origem a todo movimento deve ser tomado como a causa primeira. Além disso, aquele elemento é eterno e seu movimento não tem limite no espaço, contudo, é sempre completo; enquanto todos esses corpos possuem regiões separadas e que limitam umas às outras). Então, devemos tomar fogo e terra e todos os elementos como esses como a causa material dos eventos nesse mundo (significando por ‘material’ aquilo que é o sujeito e é afetado), mas devemos considerar como princípio que origina o movimento os corpos que se movem eternamente. (339a20-33)

Isso também faz com que essa região se esquente. O curioso, como mostro na próxima seção, é que os fumos que compõem a região, que poderíamos chamar do fogo, não são em si mesmos quentes, mas se esquentam na medida em que são perturbados pela revolução da Lua e entram em combustão. Além disso, toda a região do ar que se move em círculo num movimento conjunto aos dos fumos, também esquenta. Não todo o ar, mas apenas aquele acima da região delimitada pelos cumes das montanhas mais altas, pois é somente esse que é carregado e que está em constante movimento. A combustão dos fumos está diretamente ligada a fenômenos como os cometas e os meteoros, os quais se formam pela solidificação das exalações e a subsequente combustão desse corpo sólido. Considera o autor:

Assim, a causa material de todos esses fenômenos são os fumos, a causa eficiente é, algumas vezes também, o movimento da região superior, algumas vezes a contração e solidificação do ar. Mais ainda, todas essas coisas acontecem abaixo da Lua. Isso é perceptível por sua velocidade aparente, que é igual a de coisas lançadas por nós; pois é porque estão próximos a nós que parecem exceder a velocidade das estrelas, do Sol e da Lua. (342a28-33)

Grosso modo solidificação, condensação ou liquefação são transformações qualitativas, cuja discussão mais detalhada é apresentada na Meteorológica IV.6.

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