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A SAÚDE DO TRABALHADOR NA PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO

INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT): O TRABALHO DECENTE

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde sua criação em 1919 é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho através de convenções e recomendações, que uma vez ratificadas por decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico (OIT, 2012).

Um dos grandes marcos na história da OIT foi a Conferência Internacional do Trabalho em 1944 que teve como produto a Declaração de Filadélfia que constitui a carta de princípios e objetivos da OIT e serviu de referência para a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). A primeira reafirma o princípio de que a paz permanente só pode estar baseada na justiça social e estabelece quatro ideias fundamentais, que constituem valores e princípios básicos da OIT: o trabalho deve ser fonte de dignidade; o trabalho não é uma mercadoria; a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos e que todos os seres humanos tem o direito de perseguir o seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades (OIT, 2012).

A OIT desempenha um papel importante na definição das legislações trabalhistas e na elaboração de políticas econômicas, sociais e trabalhistas durante boa parte do século XX até os dias atuais, tendo como uma de suas metas a luta pela a saúde e segurança no trabalho (SCHMIDT, 2010).

Destaca-se que em 1998, a 87ª Conferência Internacional do Trabalho adota a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, definidos como o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a efetiva

abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação (OIT, 2012).

O Brasil que está entre os membros fundadores da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião, tem mantido representação do órgão desde a década de 1950, com programas e atividades que refletem os objetivos da Organização ao longo de sua história (OIT, 2012).

Além da promoção permanente das Normas Internacionais do Trabalho, do emprego, da melhoria das condições de trabalho e da ampliação da proteção social, a atuação da OIT no Brasil tem se caracterizado, no período recente, pelo apoio ao esforço nacional de promoção do trabalho decente em áreas tão importantes como o combate ao trabalho forçado, ao trabalho infantil e ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e comercial, à promoção da igualdade de oportunidades e tratamento de gênero e raça no trabalho e à promoção de trabalho decente para os jovens, entre outras (OIT, 2012).

Ao final da década de 1990, a OIT desenvolveu e passou a disseminar o conceito de trabalho decente como síntese do seu mandato histórico, lastreado em quatro pilares estratégicos: i) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); ii) promoção do emprego de qualidade; iii) extensão da proteção social e iv) diálogo social. Nesta perspectiva, trabalho decente é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que dele vivem (RIBEIRO; BERG, 2010).

A OIT formalizou o conceito de Trabalho Decente como uma síntese da sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas. Considerando-o como o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT, o trabalho decente é condição fundamental para a superação da pobreza, redução das desigualdades sociais, garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável (OIT, 2012).

Partindo desse entendimento, o Trabalho Decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do trabalho. A OIT além de propor medidas dirigidas à geração de emprego e renda, o enfrentamento do desemprego e do subemprego, propõe também a superação de

formas de trabalho cuja renda seja insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes. Afirma ainda a necessidade de que toda forma de trabalho ou emprego esteja também associado à proteção social e aos direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva (RIBEIRO; BERG, 2010).

As políticas de proteção social desempenham um papel fundamental na concretização do direito humano à segurança social para todos, reduzindo a pobreza e a desigualdade e apoiando o crescimento inclusivo – ao promover o capital humano e a produtividade, apoia a demanda doméstica e facilita a transformação estrutural das economias nacionais. No entanto, apesar do reconhecimento internacional de sua importância, apenas uma parcela de 27% da população global usufrui do acesso a sistemas de segurança social abrangente, enquanto 73% têm cobertura parcial ou nenhuma (OIT, 2014).

Ao longo da década de 1990, os elevados níveis de desemprego e de precarização do trabalho vivenciados proporcionaram severos impactos sobre a proteção social em toda a América Latina, levando a uma diminuição nos já limitados padrões de cobertura da população. A insuficiência de cobertura do sistema de proteção social, tanto em relação ao número de trabalhadores, quanto a gama de riscos cobertos e a baixa qualidade da proteção oferecida, estão entre os principais desafios enfrentados para a promoção do trabalho decente e o fortalecimento da coesão social na região (RIBEIRO; BERG, 2010).

A proteção social é um elemento fundamental para a promoção do desenvolvimento humano, da estabilidade política e do crescimento inclusivo. Em relação aos trabalhadores, os tipos de proteção social estão relacionados às mulheres e aos homens em idade ativa, estabilizando os seus rendimentos em caso de desemprego, acidente do trabalho, incapacidade, doença e maternidade e garantindo que tenham, pelo menos, a segurança de uma renda básica (OIT, 2014).

Enquanto o emprego serve de fonte primária de renda durante a vida ativa, a proteção social tem uma importante função de proteger a renda e a demanda agregada, facilitando desta forma a mudança estrutural no seio das economias. Dessa forma, os regimes de proteção em caso de desemprego têm uma função importante ao proporcionar segurança de renda aos trabalhadores e respectivas famílias, na eventualidade de desemprego temporário, contribuindo assim para prevenir a pobreza, apoiar a mudança estrutural da economia, proporcionar salvaguardas contra a informalização e, em caso de crise, estabilizar a demanda agregada, ajudando uma recuperação mais rápida da economia (OIT, 2014).

De acordo com as legislações em vigor, apenas 28% dos trabalhadores de todo o mundo encontram-se em situação de proteção social no caso de ficarem desempregados. Neste quadro geral, há ainda consideráveis diferenças regionais: 80% dos trabalhadores são abrangidos na Europa, 38% na América Latina, 21% no Oriente Médio, 17% na região Ásia- Pacífico e 8% na África. Em todo o mundo, apenas 12% dos trabalhadores desempregados recebem, de fato, benefícios por desemprego e, mais uma vez, com enormes disparidades regionais, com uma cobertura efetiva que varia desde 64% dos desempregados na Europa Ocidental até 7% na região Ásia-Pacífico, 5% na América Latina e no Caribe e menos de 3% no Médio Oriente e na África (OIT, 2014).

Conforme a OIT (2014), apenas 33,9 % da força de trabalho mundial estão abrangidas pela legislação relativa aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, por meio de regimes obrigatórios de seguro social. Mesmo que se inclua a cobertura voluntária por seguros sociais e as disposições jurídicas sobre a responsabilidade de empregadores, apenas 39,4% da força de trabalho está coberta pela lei. Na prática, o acesso efetivo à proteção em caso de acidentes do trabalho é ainda mais baixo, em grande parte devido à deficiente aplicação da lei em muitos países.

Assim, o modelo neoliberal alavancado pelo já instituído modo de produção capitalista estabelece novas formas de relação de trabalho que enfraquecem o poder de reivindicação e participação coletiva dos trabalhadores e reduz o papel do Estado nas relações de trabalho, o que diminui a regulação e, consequentemente, restringe também a proteção social (ANDRADE; MARTINS; MACHADO, 2012; IM et al, 2012).

A virada do século é marcada por grandes mudanças no mundo do trabalho, decorrentes do processo de reestruturação produtiva, com a perda da centralidade do trabalho industrial, crescimento do setor de serviços e incremento do desemprego estrutural e dos índices de informalidade. Destaca-se a adoção na gestão do trabalho de estratégias como a terceirização e a flexibilização dos contratos de trabalho resultando na precarização das condições de trabalho e de saúde dos trabalhadores (NOBRE, 2010; IM et al, 2012).

No contexto da reestruturação produtiva no Brasil a reboque da globalização e da disseminação do modelo neoliberal, o processo de mudanças no mundo do trabalho foi se desenvolvendo gradualmente e a precarização apresenta-se nos espaços produtivos do emprego, da informalidade e do desemprego, produzindo a violência moral, ética, política, física e psíquica do trabalhador, tornando-se uma das marcas do modelo de acumulação flexível. A condição para a sua materialização é dada pela instabilidade, insegurança, intensificação dos ritmos, extensão da jornada de trabalho, fragmentação de classe e a

concorrência entre os próprios trabalhadores, que somada a desproteção social, tem fortes impactos sobre a saúde dos trabalhadores e a sua reprodução (FERREIRA; AMARAL, 2014; IM et al, 2012).

Estudos evidenciam que alguns riscos tradicionais têm diminuído em virtude de melhorias na segurança, dos avanços tecnológicos e de uma melhor regulamentação de normas de Saúde e Segurança no Trabalho, especialmente nos países desenvolvidos; entretanto os mesmos continuam a provocar danos inaceitáveis na saúde dos trabalhadores em países em desenvolvimento. Paralelamente, riscos emergentes e doenças relacionadas ao trabalho estão surgindo por ocasião das novas tecnologias e formas de organização do processo de trabalho que suscitam perigos novos e desconhecidos no local de trabalho sem que se implementem medidas adequadas de prevenção, proteção e controle, tais como as deficientes condições ergonômicas, a exposição à radiação eletromagnética e aos riscos psicossociais (OIT, 2013).

Assim, o mundo do trabalho atual trouxe, por um lado, aspectos positivos como os relacionados aos avanços em matéria de novas tecnologias dos processos produtivos e da mudança de paradigmas de trabalho (mudanças organizacionais) e, por outro, novos riscos emergiram desse processo com destaque para as novas formas de organização, as condições e as relações de trabalho (SCHMIDT, 2010; OIT, 2013; SUBIRÁN, 2014).

A relação trabalho/saúde/doença passa a ter como expressão as diversas formas de violência que desencadeiam o adoecimento/acidentes no trabalho: a violência da manutenção de condições precárias de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho; a violência decorrente de relações de trabalho degradantes, como o trabalho análogo ao de escravo; o trabalho infantil; a violência ligada às discriminações de gênero, raça/cor da pele, etnia, orientação sexual, religiosa ou geracional; o assédio sexual e as práticas de assédio moral (NOBRE, 2010).

Assim, os determinantes da saúde dos trabalhadores não compreendem apenas fatores de risco ocupacionais como físicos, químicos, biológicos, de acidentes e ergonômicos, mas também estão relacionados ao conjunto de condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis por contextos e situações de vulnerabilidades, fragilidades, nocividades e riscos presentes no ambiente e no processo de trabalho que possam comprometer a saúde e a vida dos trabalhadores.

Nesse contexto, as mudanças no mundo do trabalho e as novas evidências científicas no que se refere aos determinantes e condicionantes da morbidade e mortalidade dos trabalhadores, provocaram revisões contínuas na lista de doenças relacionadas ao trabalho

proposta pela OIT ao longo dos anos. Essa lista de doenças profissionais estabelecidas no ordenamento jurídico nacional e internacional tem desempenhado um papel importante na prevenção das doenças relacionadas ao trabalho no mundo e subsidia as convenções e recomendações propostas pela OIT (KIM; KANG, 2014; SUBIRÁN, 2014).

É importante destacar que no Brasil o processo da industrialização ocorreu de forma tardia e acelerada, permitindo a existência de ambientes e condições de trabalho que variam

desde os cenários mais “tecnologizados” às condições laborais mais rudimentares, inclusive

com a existência de trabalho escravo e infantil. Todo esse processo modificou, de forma significativa, o ambiente, as condições e a organização do trabalho, interferindo no processo saúde/doença dos trabalhadores com consequências advindas das contínuas transformações que se operam no mundo ocidental geradas desde a revolução industrial à globalização da economia e à entrada no mercado de novas tecnologias altamente sofisticadas (BRASIL, 2011).

Partindo do entendimento que, por um lado o trabalho representa uma dimensão fundamental na estruturação do homem (individual e coletivo), no que se refere ao desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, psicológicas, espiritual, como também, em relação à garantia das condições materiais de sobrevivência, por outro, ele tem sido, ao longo dos tempos, causador de sofrimentos, adoecimentos e morte. Ou seja, os trabalhadores adoecem e morrem por causas relacionadas ao trabalho, como consequência direta das atividades profissionais que exercem ou pelas condições adversas em que seu trabalho é ou foi realizado. Dessa forma, o trabalho impacta sobre o perfil de morbimortalidade dos trabalhadores, contribuindo de forma direta – os acidentes de trabalho e as chamadas doenças profissionais e, de forma indireta, nas chamadas doenças relacionadas com o trabalho (BRASIL, 2011).

Assim, as mudanças no perfil da morbimortalidade dos trabalhadores brasileiros acompanharam todas essas modificações e têm sido motivo de preocupação e alerta para a gravidade do problema. Observa-se com isso um aumento nos acidentes do trabalho, na prevalência das doenças relacionadas ao trabalho, no número de afastamentos, nas aposentadorias por invalidez, no absenteísmo, nos sofrimentos mentais e psicológicos – quer sejam diretamente nos trabalhadores, quer nas suas relações sociais e familiares.

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