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A Igreja, enquanto comunidade visível transcende àquilo que simplesmente sua realidade aparente demonstra. Por trás dela manifesta-se algo mais do que simples e superficialmente se visualiza à primeira vista. Por trás do sinal aparente esconde-se um significado mais profundo.

A perspectiva sacramental vai além de um conceito ao lado dos outros, pois afirma o próprio ser da Igreja. Assim a compreensão da Igreja como sacramento no Vaticano II está,

Em chave relacional sobre sua própria ‘ontologia’ [...] Desta afirmação explica-se a relação constitutiva que existe entre vários aspectos parciais da Igreja, sobretudo entre uma realidade espiritual, mistérica e sua realidade histórica, humana e sociológica.336

A palavra “sacramentalidade” expressa que na realidade interior e mais profunda o Deus transcendente se serve da realidade exterior como mediação para manifestar-se à pessoa humana. “A sacramentalidade é, pois, a forma que Deus assume para aproximar-se da pessoa como graça, e é a forma pela qual ele pode ser encontrado [...] É o lugar onde se afronta o problema da relação entre Igreja visível e a salvação invisível”.337 Este conceito compreende a Igreja como instrumento e sinal, ou seja, como mediação entre sua manifestação histórica e seu mistério.

A sacramentalidade da Igreja significa que ela “... é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano...”338 evitando um espiritualismo fundamentalista como um materialismo juridicista. Percebe-se, assim, que a Igreja compreendida como “sacramento” foi recuperado no Vaticano II. Portanto,

336

MADRIGAL, Santiago. Op. cit., p. 191. 337

HACKMANN, Geraldo L. B. Igreja que dizes de ti mesma? E as eclesiologias. In: SANTOS, Manoel.

Concílio Vaticano II: quarenta anos da “Lumen Gentium”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 99.

338 LG 1.

105 é de capital importância verificar a compreensão teológica da Igreja como sacramento e as suas formulações deixadas pelo Concílio.

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Para Justo Collantes “uma das idéias mais felizes do Vaticano II é a conceituação de Igreja como sacramento: o que não é certamente uma novidade, mas, sim, a primeira vez em que aparece definitivamente consagrada num texto conciliar”.339

Na tradição da teologia a expressão “sacramento” se apresenta, a partir do Concílio de Trento para os sacramentos litúrgicos, como “a forma visível da graça invisível”340; a partir do Concílio Vaticano II o uso da expressão “sacramento” é utilizado, não para descrever uma celebração litúrgica, mas sim para autocompreensão da Igreja com “o termo explícito

sacramentum e com a densa fórmula gestis verbisque”.341 Esta perspectiva tem qualificado a estrutura própria da revelação cristã transmitida pela Igreja em chave precisamente sacramental.

A teologia recente aplicou a Jesus Cristo a expressão “sacramento originário”342 do qual deriva a sacramentalidade da Igreja e de seus sacramentos concretos:

Desta forma, a sacramentalidade, se manifesta como a categoria teológica- hermenêutica por excelência para expressar a economia reveladora centrada em Jesus Cristo (sacramento originário), por meio da Igreja (sacramento fundamental), e de cada um dos sacramentos concretos (realizações que atualizam o sacramento fundamental). 343 339 FC, p. 917. 340 DH 1639. 341

LG 1.9.48.59; SC 5.26; GS 42.45; AG 1.5; DV 2.4.14.17.19 (cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Op. cit., p.175). 342

“Não quer isto dizer que, além dos sete sacramentos, haja um oitavo, que seria a própria Igreja. Não! O que se quer dizer com a definição de sacramento, no sentido católico, é que Cristo é o sacramento original, porque Nele se faz visível o Deus invisível e a natureza humana de Cristo cumpre perfeitamente o que diz o Concílio de Trento sobre a natureza dos sacramentos, porque contém a graça santificante. Analogamente a Igreja é sacramento original, porque Corpo de Cristo, templo do Espírito Santo, caminho para a salvação, de que Jesus se serve para fazer chegar aos homens os frutos da Redenção” (FC, p. 918).

343

106 A Igreja é referida no Vaticano II através de três formulações: “sacramento de Cristo”, “sacramento de unidade” e “sacramento universal de salvação da humanidade e do mundo”, as quais manifestam a realidade sacramental da Igreja.

3.2.1.1 A Igreja como “sacramento de Cristo”

É na Constituição Sacrosanctum Concilium, que pela primeira vez aparece esta formulação: “pois do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja”.344

A Igreja, portanto, é portadora do mistério de Cristo e dela Ele se serve como sinal e instrumento visível, para ser “sacramento de salvação”345 e “sacramento de unidade do mundo e da humanidade”346.

3.2.1.2 A Igreja como “sacramento de unidade”

Segundo a constituição Lumen Gentium a Igreja é princípio de unidade: “Deus convocou e constituiu a Igreja [...] a fim de que ela seja para todos e para cada um o sacramento visível de unidade”. 347

A referência a São Cipriano põe em relevo que a Igreja é comunhão, cuja realidade significada consiste na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Com efeito, é através dos sacramentos que a Igreja se atualiza; neste sentido a eucaristia “fonte e ápice da comunidade cristã”348 mostra de maneira concreta a comunhão do Povo de Deus, povo que comporta uma catolicidade universal e ecumênica.349

344

SC 5 (com citação de S. Agostinho, Enarr. In Ps. 138, 2: Corpus Christianorum, XL, Turnholt 1956, p. 1991 e a oração depois da 2ª leitura do sábado Santo, no Missal Romano, antes da reforma da semana Santa). 345

SMULDERS, Pieter. A Igreja como sacramento de salvação. In: BARAÙNA, Guilherme. Op. cit., p. 396- 419.

346

WITTE, Jan L. A Igreja sacramentum unitatis do cosmo e do gênero humano. In: BARAÙNA, Guilherme.

Op. cit., p. 526-556.

347

LG 9 (cf. S. Cipriano, Epist. 69,6: PL 3, 1142 B; Hartel 3B, p. 754: “inseparabile unitatis sacramentum”). 348

LG 11. 349

107 3.2.1.3 A Igreja como “sacramento de salvação”

O adjetivo “de salvação” aparece cinco vezes nos documentos do Vaticano II. 350 A compreensão do Concílio tem como ponto de partida a dimensão cristológica: Jesus Cristo é o sacramento de Deus voltado para a salvação da humanidade. Cristo como sacramento de Deus, contém a graça que significa ao mesmo tempo em que a confere. Nele a graça de Deus assume forma visível. Mas o sacramento da redenção não é completo em Jesus como um só indivíduo. Para se tornar aquele sinal que deve ser, deve aparecer como sinal do amor redentor de Deus, extensivo a toda humanidade e da resposta de todo gênero humano a esse amor de redenção. Neste sentido a Igreja é em primeira instância um sinal.

Ela deve significar, de uma forma historicamente tangível, a graça redentora de Cristo e, conseqüentemente, portadora de salvação ao mundo e a todo o gênero humano: “a tríplice repetição do adjetivo ‘universal’ põe em relevo o caráter único desta sacramentalidade que se oferece não só aos crentes, como também a toda a humanidade”. 351 Ora, a compreensão da Igreja como “sacramento universal”, significa também que ela está a serviço da solidariedade humana. Logo, esta tarefa pressupõe que a sacramentalidade seja uma expressão relacional entre a comunidade (Povo de Deus) e o seu mistério de comunhão.

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A perspectiva da Igreja sacramento comporta a possibilidade de uma eclesiologia relacional das eclesiologias comunhão e Povo de Deus, a qual quer evitar uma visão unilateral da Igreja, pois o simbolismo e o realismo precisam constituir uma realidade única conservando suas particularidades para uma aplicação pastoral.

Conforme Pié-Ninot, a eclesiologia relacional “se trata de um conceito que se une à compreensão conciliar da eclesiologia de comunhão concebida em forma de círculos concêntricos e processuais tal como aparece em LG 13-16 e UR 3-4...”.352

350

LG 48; 59; AG 1; AG 5; GS 45. 351

PIÉ-NINOT, Salvador. Op. cit., p. 183. 352

108 A passagem de uma eclesiologia jurídica e de sociedade perfeita prevalente antes do Vaticano II – a uma eclesiologia de comunhão e de Povo de Deus comporta a dimensão relacional de sua realidade de povo peregrino rumo a sua plena realização na história. Assim o Vaticano II aponta para a compreensão do mistério que de alguma forma se revela e se manifesta visivelmente. “De fato, o Vaticano II com a visão sacramental da Igreja não pretende uma sublimação ideológica da Igreja, senão ao contrário superar as estreitezas e unilateralidades do conceito de sociedade perfeita”.353 Então o conceito da Igreja sacramento remete a uma nova relação entre a Igreja e o mundo salvaguardando a autonomia de ambos.

A Lumen Gentium vem afirmar que “a Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, pelo poder de Deus cresce visivelmente no mundo”.354 Este Reino é co-extensivo à humanidade e “por isso a Igreja [...] recebeu a missão de anunciar o reino de Cristo e de Deus, de estabelecê-lo em todos os povos e deste Reino constitui na terra o germe e o início”.355

Finalmente, um desenvolvimento sistemático da sacramentalidade como expressão relacional das eclesiologias em estudo pode oferecer elementos para uma teologia pastoral. A perspectiva final tem como intento oferecer incidências pastorais da Igreja como comunhão, que necessita de uma linguagem simbólica. Esta, por sua vez, se dá numa comunidade contextualizada, a qual transmite o mistério num determinado espaço geográfico e num determinado tempo histórico, ou seja, na Igreja como Povo de Deus.