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1.2 A PASSAGEM DA ECLESIOLOGIA JURÍDICA À ECLESIOLOGIA DE CO-

1.2.5.2 O florescimento da tendência comunial

A. Acerbi interpretando os textos do magistério nas vésperas do Vaticano II, percebe a profunda mudança que se daria na compreensão da Igreja, pois os textos deixam transparecer não mais a fixação de normas doutrinais ou legislativas, mas sim a afirmação da finalidade pastoral do Concílio: “a finalidade do Concílio não deveria exaurir na repetição de afirmações

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AADE, p. 147. 86

37 teológicas tradicionais, mas numa nova formulação de doutrina, nas formas e proporções de um magistério com caráter prevalentemente pastoral”.87

Em algumas declarações de João XXIII, por exemplo, na radio mensagem do dia 11 de setembro de 1962 e no Discurso de abertura da Sessão Conciliar em 11 de outubro de 1962, o papa precisou a intenção que queria dar ao Concílio. Estes pronunciamentos do papa vão alargar o horizonte do Concílio: deveria ser um Concílio com fim “pastoral”.88 Assim para

Acerbi “os dois discursos propõem de um lado a visão interna da Igreja como mistério e de outro sua atração externa como serviço ao mundo...”89

O Concílio devia assumir a tarefa de apresentar a Igreja como “luz das nações”; a sua razão de ser era a adesão ao mandato missionário de Jesus Cristo, de modo que a Igreja pudesse aparecer e ser procurada, seja ad intra, seja ad extra, como verdadeiramente é, o mistério da vida e da ação de Cristo no meio da humanidade.

Segundo Acerbi, duas intervenções no início do Concílio, foram de suma importância para apresentá-lo conforme as locuções do papa João XXIII:

Do cardeal Suenens relembrando a radiomensagem do papa de 11 de setembro, propõe que o Concílio, procurando as vias para a atualização da missão da Igreja no mundo de hoje, assumisse o tema da Igreja lumen gentium como central e fosse a orientação de todos os trabalhos. Se deveria, então, em primeiro procurar expor a consciência que a Igreja tem do seu mistério, respondendo a pergunta do mundo: ‘ o que dizes de ti mesma?’; em seguida abrir o diálogo com o mundo sobre os seus problemas graves e urgentes [...] Em seguida o cardeal Montini fazia própria a proposta do cardeal Suenens acerca da finalidade e da ordem dos trabalhos conciliares. Segundo o Arcebispo de Milão todas as questões podiam focalizar-se em torno de dois pontos: “que coisa é” e “que coisa faz” a Igreja: antecipando uma prospectiva que ele desenvolveu em seguida na abertura da segunda sessão do Concílio, ele acrescenta que na exposição do mistério da Igreja se deveria dar mais destaque a Cristo: na realidade a Igreja nada pode por si mesma; ela não é somente uma sociedade fundada por Cristo e o instrumento através do qual age e salva hoje o mundo.90

As intervenções durante o primeiro período conciliar: 11 de outubro a 8 de dezembro de 1962, no Esquema De ecclesia, demonstram que vários padres conciliares reprovaram o

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AADE, p. 151. 88

“Uma coisa é a substância do Depositum fidei, isto é as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral” (JOÃO XXIII. Discurso solene na abertura do Concílio Vaticano II. In: COSTA, Lourenço [Org.]. Documentos do Concílio Vaticano II: 1962-1965. São Paulo: Paulus, 2004, p. 28).

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AADE, p. 152. 90

38 caráter unilateral, apologético, jurídico, escolástico, não ecumênico, enfim não pastoral da sua exposição.

O bispo Emile De Smedt caracterizou o esquema preliminar em três termos que a partir de então se tornaram famosos: clericalismo, juridicismo e triunfalismo.91 Clericalista, porque vê o clero, como fonte de todo poder e iniciativa; juridicista, porque entende a autoridade na Igreja estritamente demais segundo os padrões de jurisdição no estado secular e amplia grandemente o lugar da lei e das penalidades; triunfalista, porque, dramatiza a Igreja como um exército em ordem de batalha contra satanás e as potências do mal.92

A partir das discussões realizadas na sessão conciliar – fundamentadas na Acta

Synodalia93 - Acerbi apresenta as principais críticas dos padres conciliares sobre o esquema. Destes pronunciamentos começa emergir a tendência da eclesiologia de comunhão:

Deveria ser colocado à luz o lado místico da Igreja ao invés do lado institucional; uma síntese, na qual a Igreja apareça como mistério e sacramento de Cristo glorificado que rege, opera e vivifica a Igreja, seja mediante os carismas como mediante os ministérios; deverá aparecer claramente que na Igreja o aparato institucional é subordinado ao anúncio do evangelho e a comunhão de vida em Cristo, para que ela apareça verdadeiramente como a do mistério de Cristo.94

O anseio dos padres era de que o texto pudesse oferecer um tom menos jurídico no esquema, além do mais, esperava-se o desenvolvimento de duas dimensões operantes na comunidade cristã: a dimensão pneumatológica e a dimensão escatológica da Igreja.

A concepção da Igreja contida no esquema apresentava-a quase que unicamente como resguardo da hierarquia. Além disto, havia a necessidade de colocar a idéia de “Povo de Deus”.

No final da primeira sessão os padres conciliares propõem várias mudanças em diversas áreas de relevância, tanto internas como externas da Igreja. Tinham como fundo a idéia de “comunhão”.

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Cf. Acta Syn. II, I, p. 142-144. 92

Cf. DULLES, Avery. A Igreja e seus modelos, p. 39. 93

As intervenções orais e escritas dos padres conciliares durante a primeira sessão conciliar encontram-se publicados na Acta synodalia, I, IV, p. 126-601.

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39 Assim é também a compreensão de G. Philips: “os padres conciliares indicam por sua parte, em suas intervenções, outros elementos, os quais, sem dúvida, no fundo, são bem mais variações do tema principal, aplicação da idéia de comunhão a diferentes campos”.95