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Aparentemente, o ensino dessa relação nos cursos de Comunicação pode le- var ao entendimento de que se trata de aplicar as ferramentas ao processo de produção de informação, explorando suas vantagens em termos de tempo (aceleração), espaço (sem limites) e interação (contato com o público). Ou seja, não se questiona a pertinência de tais ferramentas, o que acaba por re- produzir uma crença no potencial técnico sem que isso seja acompanhado de uma reflexão sobre a comunicação, o que seria então tarefa para as chamadas disciplinas técnicas ou laboratoriais.

O importante, ao contrário, é situar historicamente o papel das tecnologias Jornalismo e convergência,135-145

na concepção de comunicação e o que esse fascínio diz sobre nossa própria cultura. Isso implica pensar teoricamente a relação comunicação e tecnologia. Wolton (2003) defende a idéia de uma teoria da comunicação que reconheça a importância da problemática nas discussões sobre a sociedade contemporâ- nea. O autor afirma que é necessário separar questões fundamentais de falsos problemas – como a crença de que a internet isoladamente faria surgir uma nova sociedade, por exemplo – e não reduzir a comunicação a um aconteci- mento técnico. Os desafios teóricos consistem em restabelecer a ligação entre a teoria da comunicação e a teoria da sociedade (incluindo o estatuto do re- ceptor e sua capacidade de não ser manipulado) e reconhecer a comunicação como grande questão teórica da democracia.

Aparentemente também, a oferta de informação na internet poderia repre- sentar a realização do antigo ideal moderno da liberdade de imprensa, em que todos teriam acesso à informação e poderiam se habilitar para o debate pú- blico racional, em favor da constituição de uma opinião pública, agora com dimensões transnacionais. Há nessa crença uma confusão, como frisa Wol- ton (2001) entre a globalização da informação e a formação de uma opinião pública mundial.

Mas o limite da performance técnica se evidencia no fato de que o acesso à informação não substitui a competência prévia para saber qual informação procurar e que uso fazer dela (Wolton, 2003, p. 87). A oferta supera e pre- cede a demanda. Informações como notícias, serviços, conhecimento, lazer, possuem estatutos diferentes e não basta que sejam acessíveis pelos mesmos terminais para criar uma unidade teórica.

Essa perspectiva difere de muita coisa que já se falou sobre internet, por exemplo. Algumas análises supervalorizam o ambiente para a democratização da comunicação. Moraes (20021) entende que a possibilidade de transmitir as

reivindicações se dá sem “os filtros ideológicos e as políticas editoriais da chamada grande mídia” e também permite

driblar o monopólio de divulgação, permitindo que forças con- tra-hegemônicas se expressem... “No ciberespaço, as contradi- ções não precisam ser silenciadas, porque é da essência mesma do virtual a veiculação simultânea e indefinida de conteúdos,

Comunicação e novas tecnologias no curso de Comunicação social... 137 pouco importando as suas procedências, os seus alinhamentos ideológicos, as suas armas de confrontação e fascínio.

Na mesma direção, Lévy (1996, p. 203) afirma que

o ciberespaço é justamente uma alternativa para as mídias de massa clássicas. [...] encoraja uma troca recíproca e comuni- tária enquanto as mídias clássicas praticam uma comunicação unidirecional na qual os receptores estão isolados uns dos ou- tros.

Considerar que os filtros ideológicos, as formas de poder e de silencia- mento das contradições não acontecem no ciberespaço é conceber que os atores sociais, pelo fato de se relacionarem com um ambiente tecnológico, despem-se de suas posições e não entram no ciberespaço também para compe- tir definições – igualmente ideológicas – de realidade. Mais uma vez, trata-se de outro ponto de vista, não de uma outra comunicação, uma vez que também censura, destaca e oculta fatos que não são de interesse dos sujeitos envol- vidos na enunciação, mesmo considerando que o espaço de veiculação de mensagens na internet seja menos restritivo que o da mídia convencional.

Posturas mais cautelosas apontam para o perigo do determinismo e, ao mesmo tempo em que reconhecem que as tecnologias da informação e comu- nicação facilitam o armazenamento e circulação, agilizam as buscas, afirmam que elas não determinam o procedimento de interação comunicativa nem ga- rantem a reflexão críticoracional (Maia, 2002). Portanto, se haverá ou não o debate, é algo que não pode ser decidido a priori, pois ele é mais que uma pluralidade de vozes. De qualquer forma, a internet abre a possibilidade para uma interatividade não observada nos outros veículos de comunicação. Só que ela precisa ser problematizada e analisada em contextos empíricos, e não simplesmente dada como certa.

A busca do indivíduo pela informação na internet está relacionada a um conhecimento prévio que este possui e que organiza sua leitura. Sem isso, a informação simplesmente não tem valor. Dessa forma, se é possível entender a internet como um espaço em que todos podem falar, não é verdade que todos são ouvidos. Como frisa Maia (2002), as informações disponíveis na mídia devem ser consideradas, entre outras formas de conhecimento, como recursos preliminares a serem processados.

Rodrigues (1999) propõe pensar as TICs como dispositivos de linguagem, em vez de suportes ou instrumentos. Elas exploram as estruturas lógicas da linguagem e, dessa maneira, fazem acompanhá-las novas modalidades discur- sivas destinadas a legitimá-las. Não se limitam, entretanto, a uma interferência nas diferentes dimensões lingüísticas e discursivas, mas são especifica e dire- tamente tecnologias da linguagem. Estabelecem novas fronteiras sociais, para além das geográficas, agora informativas.

A internet, com todos os recursos que disponibiliza, não tem ainda seus modos de linguagem totalmente conhecidos ou assimilados. O que se apre- senta são experiências de relacionamento com esse dispositivo (se aceitamos a proposta de Rodrigues) que merecem atenção. Porque, se Castells (1999) está certo, ela muda o caráter da comunicação, que por sua vez molda a cultura. “Nós não vemos a realidade como ela é, mas como são nossas linguagens. E nossas linguagens são nossas mídias. Nossas mídias são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura” (Postman, 1985, p. 15)2.

A facilidade de disponibilizar material informativo na internet confunde os estudantes sobre o caráter da comunicação na sociedade contemporânea. Sem a experiência pré-internet, eles não vêem pertinência numa discussão mais aprofundada sobre tecnologia. Daí cresce a importância da insistência nessa perspectiva teórica, para que não se tornem meros operadores técnicos. A teoria das mediações desenvolvida por autores latinoamericanos parece ser um caminho interessante para superar a dicotomia técnica-teoria. A partir de Orozco Gómez (2006), essa perspectiva é sociocêntrica – privilegia uma compreensão da comunicação a partir das apropriações operadas pelos atores sociais, sempre situadas e culturalmente contextualizadas, contrária à perspec- tiva tecnocêntrica, que entende a tecnologia como motor das transformações sociais.

Com a exuberância tecnológica contemporânea, mais que a am- pliação concomitante do poder de produzir e difundir conheci- mentos – o que, para alguns, seria uma democracia cibernética, e certamente, para todos, poderia ser um grande objetivo a se al- cançar –, pareceme que hoje assistimos a um crescente despoder

2Postman, Neil. Amusing ourselves to death: public discourse in the age of show business.

Comunicação e novas tecnologias no curso de Comunicação social... 139 social que aumenta geometricamente em sociedades como as la- tinoamericanas, justamente por meio ou através das tecnologias de informação. Um despoder particularmente comunicacional, que desafia as tentativas de fortalecer as cidadanias e tornar pos- sível o desenvolvimento da democracia (Orozco Gómez, 2006, p. 82).

O autor afirma com Martin-Barbero e Rey (2000) que, mais que em uma época de grandes mudanças, vivemos numa grande mudança de época. Em especial na América Latina, importa pensar o que os autores de língua espa- nhola chamam de “destempos”, a superposição de temporalidades modernas, pré-modernas e pósmodernas que coexistem e supõem ajustes e processos de aprendizagem sempre inconclusos. Ou seja, o conceito de mediações se for- talece e frisa a descentralização da comunicação das mídias.

Isso afeta certas autoridades, em especial a da escola como lugar do co- nhecimento. Num campo específico aos estudos de comunicação, como o jor- nalismo, por exemplo, podemos falar de um abalo da perícia jornalística com o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação. Como espaço onde, a princípio, todos podem falar, a oferta de informação so- bre os contextos distantes da experiência direta passa ao largo das instituições jornalísticas. Os mais entusiasmados com as inovações tecnológicas chegam a afirmar que já não há necessidade da mediação operada pelo jornalismo, uma vez que a informação pode ser acessada “diretamente”3.

Não se trata, portanto, de “ensinar” novas tecnologias aos alunos de Co- municação, mas de problematizálas como fenômenos sociais e históricos, arti- culados a questões mais específicas das profissões, de modo que não se tornem meros agentes reprodutores, mas críticos de seu tempo.