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CAPÍTULO 3 – A VERTENTE VICO

3.1 A SCIENZA NUOVA E UMA NOVA CONCEPÇÃO

O mundo civil da Scienza nuova de Vico desenvolve-se no âmbito metafisico, conforme o próprio Napolitano expressa na figura alegórica110

apresentada no frontispício da edição de 1744, substituindo a introdução das edições anteriores, e conforme o próprio autor explicita na “Spiegazione della dipintura proposta al frontispicio che serve per l’introduzione dell’opera”:

A mulher de têmporas aladas, que se sobrepõe ao globo mundano, ou seja, ao mundo da natureza, é a metafísica, como seu nome indica.111

E prossegue argumentando:

O triângulo luminoso que encerra um olho a observar, é o aspecto providencial de Deus,

pelo qual a metafisica, extasiada, o

contempla.112

110

É relevante ressaltar que essa imagem traz diversos elementos do conteúdo da Scienza nuova, estando, pois, muito longe de representar apenas uma modalidade expressiva com o fim em si mesma: ela remonta à memória e à fantasia, que em conjunto com os sentidos e o engenho constituem as faculdades sensíveis, além de de constituir-se num expediente mnemônico – oriundo da tradição retórica – visando a apreensão do conteúdo representado alegoricamente para o leitor. “A pintura se apresenta como uma sinopse que reúne o material distribuído nos cinco livros desta última edição da Scienza nuova, a fim de que o leitor conceba a ideia antes mesmo da leitura da obra e possa conservá-la depois, com o auxílio da fantasia”, cf. Lima, Lima, J.E.P., A estética entre saberes antigos e modernos na Scienza Nuova de Giambatista Vico, 2006, p. 299.

111

Vico, G. Principi di Scienza nuova, 1744, p. 1: “La donna con le tempie alate che sovrasta al globo imondano, o sia al mondo dela natura, è la metafisica, ché tanto suona il suo nome.”

112 Ibidem, p.1: “Il triangulo luminoso con ivi dentro un occhio veggente egli è Iddio con l’aspetto dela

Para Vico, a metafisica é uma vertente de estudos válida, mas equivocada quanto à direção para a qual está milenarmente voltada: os filósofos equivocam-se ao intentar subir aos céus para conhecer o que está na terra; é com o conhecimento das coisas humanas que se pode responder à questão característica de todas as épocas sobre o que é o homem.

Com efeito, pelo entendimento até então tradicionalmente aceito, os desígnios de Deus são vedados aos homens. Entendida por esse viés tradicional, a providência divina se constitui em incontornável obstáculo para o projeto viquiano.

Pelo tanto, a metafisica da Scienza nuova deixa de se ocupar com a contemplação e especulação sobre Deus, para trazer seu foco para a terra e buscar na história o que até então se buscava na mente divina, rompendo com a tradição metafisica, inalterada desde Aristóteles.

Na ilustração, a metafisica proposta pela Scienza nuova “alçando- se mais alto, contempla em Deus o mundo das mentes humanas, que é o mundo metafisico, para demonstrar a providência no mundo do ânimo

humano, que é o mundo civil, ou seja, o mundo das nações”113,

diferentemente da metafisica tradicional que contemplava Deus e sua providência na ordem do mundo natural.

O raio da divina providência, que ilumina a joia no peito da figura feminina que representa a metafisica, significando o coração puro e límpido que esta deve ter, não se detém nessa joia, “demonstrando que a cognição de Deus não termina na metafisica, mas a ilumina intelectualmente,

113 Ibidem, p.1: “Innalzandosi, contempla in Dio il mondo delle menti umane, ch’è’l mondo metafisico

per di mostrarne la provedenza nel mondo degli animi umani, ch’è’l mondo civile, o sia il mondo delle nazioni.”

permitindo-lhe regular suas questões morais”114, o que também é um

acréscimo da Scienza nuova `a tradicional concepção da divina providência.

Ao tratar desse tema, Guido115 destaca que, numa classificação

aparentemente conservadora, mas cujo “desdobramento é de estarrecer os conservadores da época”, Vico distingue a ciência humana de uma ciência divina, considerando a capacidade da mente humana em produzir coisas humanas e divinas a partir da consideração de que a mente humana é capaz de desenvolver, para si mesma, a cognição de Deus, e expressá-la com ideias sublimes, vale dizer, com ideias divinas.

Essa concepção de ideias divinas que se expressam na mente humana, implica que, além da intervenção sobrenatural por intermédio da graça divina – que é matéria dos teólogos, pois se trata de objeto da fé –, Deus também ampara e auxilia o homem caído e débil de uma forma natural, através da providência divina, esta sim, um caminho que os filósofos devem percorrer para alcançar a cognição perfeita das coisas divinas e humanas produzidas pela mente do homem, que é partícipe da mente divina.

Nas palavras de Vico, a Scienza nuova:

...deve ser uma demonstração, por assim dizer, de fato histórico da providência, porque deve ser uma história das ordens que ela, sem nenhum discernimento ou conselho, e frequentemente contra esses propósitos dos homens, deu esta grande cidade do gênero humano, porque se bem que este mundo tenha sido criado em tempo e particular, porém as ordens que aí ela pôs são universais e eternas.116

114

Ibidem, p. 5: “dinota che la cognizione di Dio non termim in essolei, perch’ella privatamente s’illumini dell’intellettuali, equindi regoli le sue sole morale cose.”

115 Guido, H. Giambattista Vico – A filosofia e a educação da humanidade, p.53 116

Com esse entendimento, Vico associou a metafisica à história, consoante a metafisica “é feita acima e sobre uma história das ideias humanas, a partir do momento em que os homens começaram a pensar humanamente”117. A esse respeito, Guido118 destaca a atualidade e realismo

do projeto de Vico para as ciências humanas, mesmo três séculos passados da publicação de sua obra. De fato, é válido ainda perguntar em que o conhecimento dos princípios e fins últimos da criação divina podem contribuir para o aperfeiçoamento das instituições humanas, mormente se considerarmos que tal conhecimento extrapola a capacidade do entendimento humano. Por conseguinte, resta claro que Vico considerou despropositadas as indagações sobre as origens e o destino do universo, haja vista a infinitude e eternidade de Deus frente as limitações da mente humana.

Para o Napolitano, a metafisica deve voltar-se, portanto, à cognição do mundo das mentes humanas, ao mundo das nações, ao mundo civil. Uma vez atingido tal objetivo, a bondade divina que permitiu a existência temporal dos ânimos humanos, compartilhando com o mundo natural o espaço infinito da mente livre e absoluta da natureza, restará plenamente demonstrada.119

A providência divina é o auxílio natural prestado por Deus aos homens, constituindo-se na própria ordem do mundo desde os propósitos mais primitivos dos primeiros homens; tanto, que sem a centelha do fogo divino na mente humana, a humanidade não teria logrado superar o tempo arcaico dos indivíduos solitários, fadados ao desaparecimento em face do ambiente hostil em que viviam, mas que foram capazes de superar o isolamento e as condições ambientais adversas através da constituição de famílias, da associação com outros pais e núcleos familiares, na formação de

117 Vico, G. idem, § 6. 118 Guido, op.cit., p. 61. 119

clãs para, em seguida, fundarem as primeiras cidades, as repúblicas, as nações, a humanidade.

A aceitação, assim, da existência de uma providência que atua no interior do homem, impulsionando-o, preservando-o, torna-se precípua para a concepção viquiana de um mundo civil feito pelo homem, sem a intervenção sobrenatural divina. E será para o estudo metafisico a partir da história das ideias divinas na mente humana, que Vico conceberá a sua nova arte crítica da sinergia da crítica filosófica e investigação filológica, permitindo que a filosofia conheça a origem da vida humana sociável, consoante o preceito de Espinosa expressado na Scienza nuova, dando conta que “as doutrina devem começar tão logo começam as matérias de que elas tratam”120 (1744, § 314).

Verene121 destaca os parágrafos 35 e 145 da Scienza nuova de 1744,

nos quais Vico expressa o conceito de um vocabulário mental, observando que já na segunda edição da obra magna viquiana (de 1725) esse conceito (de “vocabolario” ou “dizionario mentale”) é conectado com a noção de um senso comum da raça humana em geral para demonstrar a providência divina atuante na mente dos homens, e que na Scienza nuova de 1744 é explicitado no axioma XII (já mencionado no capítulo II da presente dissertação), onde o senso comum é definido como um “julgamento sem reflexão” que é “comum a toda uma classe, todo um povo, uma nação inteira, ou toda a raça humana”122 e no axioma seguinte, literalmente:

Ideias uniformes originadas em povos

inteiramente desconhecidos entre si devem ter uma base comum de verdade.

Este axioma é um grande princípio, que estabelece o senso comum do gênero humano, o qual foi o critério passado às nações pela

120 Vico, G. idem ,§ 314.

121 Verene, D.P. Vico’s Science of imagination, 1991, p.176-177. 122

providência divina para definir o certo sobre o direito natural dos povos, do qual [direito] as nações se certificaram em entender as unidades substanciais com as

quais, com varias modificações, todas

concordam. De que resulta o dicionário mental para dar origem às diversas línguas articuladas, com o que foi concebida a

história ideal eterna que oferece as

histórias de todas as nações no tempo. [...]

123

Vico percebeu que há um senso comum por detrás de toda atividade humana, que não varia de nação para nação ou de povo para povo, e toma essa percepção como base para a nova arte critica que fundamenta sua Scienza nuova. Esta nova arte critica, que foi concebida, como vimos acima, para o estudo metafísico a partir da história das ideias divinas na mente humana, e que foi tema desenvolvido como a hermenêutica viquiana no capítulo antecedente, é a chave que permitiu alcançar uma ciência da mitologia à partir da junção da filologia com a filosofia, considerando-se, tal como Vico faz expressamente, “que a primeira ciência a ser aprendida é a mitologia, ou seja, a interpretação das fábulas (porque, como se verá, todas as histórias gentílicas tiveram princípios fabulosos) e que as fábulas foram as primeiras histórias das nações gentílicas”124

A partir do estudo da mitologia, aprende-se que a origem de todas as nações é idêntica, independente de cronologia ou geografia: embora o conteúdo da mitologia possa variar e os deuses possam ter nomes distintos, eles tornam-se deuses por uma motivação comum do pensamento, do senso comum, de toda a humanidade; porque todo pensamento começa na

123

Vico, G. idem, §§ 144-145: “Idee uniformi nate appo intieri populi tra essoloro non conoscinti, debbon’avere un motivo comune di vero.

Questa Degnità è un gran principio, che stabilisce il senso comune del gener’umano ch’è il criterio infegnato alle nazioni dalla provvedenza divina, per definirei l certo d’intorno al diritto natural dele gente; del quale le nazioni si accertano con intendere l’unità sostanziali di cotal Diritto, nelle quali con diverse modificazioni tutte convengono: ond’esce il dizionario mentale da dar l’origini a tutte le lingue articolate diverse; col qual esta conceputa la storia ideal’eterna, che le dia le storie in tempo di tutte le nazioni. [...]”

124

fantasia e toda comunicação fundamental humana depende de um contato direto com a língua mental comum da humanidade, conforme enfatiza Verene.125

Língua mental comum, senso comum, origem comum dos povos: a exteriorização da providência divina atuante no interior do homem se dá mais claramente na regularidade do curso histórico, em que povos e nações, completamente estranhos entre si, obedecem a cursos de desenvolvimento semelhantes. Vico, então, postula um modelo de desenvolvimento comum a qualquer sociedade humana, independente do lugar de sua formação, que, dividido em ciclos sucessivos das civilizações, constitui os corsi e ricorsi.

3.2 Corsi e Ricorsi – O desenvolvimento cíclico histórico

Motivo pelo qual esta Ciência descreve uma história ideal e eterna, decorrida no tempo por todas as nações, contemplando ascensão, progresso, decadência e queda. (Vico, 1744, § 349)

A “história ideal eterna“ a qual Vico alude, é o modelo de desenvolvimento que todas as sociedades estão compelidas a cumprir, contemplando ascensão e queda.

Esse desenvolvimento das sociedades segue três estágios bem definidos – a idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens – e em ordem inalterável, haja vista cada um deles se constituir em

consequência das necessidades criadas pelo esgotamento das

potencialidades do estágio predecessor, conforme observa Berlin126.

125

Verene, D.P. op. cit., p. 177-178: ”sempre que articulamos palavras numa linguagem atual para nos comunicarmos, a nossa capacidade de alcançar o significado estará baseada na linguagem mental comum, que contém, em si, os lugares-comuns da mentalidade humana e que é alcançada por nossa fantasia.”

126

Vale destacar que as mudanças cíclicas não se fazem de forma peremptória, mas “como um rio de grande correnteza conserva por longo trecho no mar a impressão do curso e a doçura das águas”127, podendo,

portanto persistir a característica de um determinado ciclo em pleno desenvolvimento do ciclo posterior.

Além disso, os ciclos podem ser interrompidos, como, por exemplo, no caso de invasão ou de tragédia natural, causando o colapso prematuro de uma sociedade.

Sobre os três ciclos (ou idades), os homens da idade dos deuses são cruéis e ferinos, vivem na barbárie, mas são muito religiosos (de uma forma idolátrica)128 e formam associações, organizando-se em famílias e clãs.

A fantasia prevalece, de modo que esses homens são espontaneamente poéticos.

Na idade heroica, os homens formam as cidades e as repúblicas aristocráticas, surgindo as instituições e a estrutura baseada nas leis divinas. É a fase das repúblicas aristocráticas, comandadas pela classe dos guerreiros. A natureza desses homens é severa e poética. A fantasia ainda prevalece, reforçada pela memória.

A idade dos homens é o ciclo racional. Observa-se a equidade, as leis escritas e o principio de igualdade entre os homens. A poesia, contudo, passa a ser artificial em decorrência da mente racional e da linguagem abstrata, perdendo qualidade em relação à poesia dos ciclos antecedentes,

127

Vico, G. idem, § 629.

128

“Os homens primitivos estavam submetidos a regras mais rígidas que as das sociedades avançadas, e somente podiam avançar se elas não lhes parecessem ter sido feitas por eles mesmos, mas fossem objetivas e absolutas, e estivessem dotadas da autoridade de alguma vasta sanção externa: a natureza, Deus ou algo excessivamente misterioso e terrível para ser mencionado”, cf. Berlin, op. cit., p. 66.

em cujas mentes dos homens prevaleciam a força da sensação e da imaginação.

Berlin129 faz uma descrição notável desse desenvolvimento cíclico

da sociedade à partir da Scienza nuova, notadamente do conteúdo da Conclusão da Obra130, que vale a pena trazer à colação:

Eles [os homens primitivos] anseiam ter leis

e, assim, inventam entidades objetivas

chamadas direito, justiça e vontade divina, para manter e preservar sua forma de vida. Embora inconscientemente, são criados ritos que inspiram terror, a fim de proteger a tribo contra perigos e inimigos internos e externos.[...]

Na idade dos deuses, com o desenvolvimento da agricultura e a adoção do sedentarismo, surgem as primeiras propriedades rurais, cujos donos estavam sujeitos aos ataques dos homens “naturais”, ainda sem lei. Para resistirem a esses ataques, juntam-se uns aos outros e formam os primeiros grupos organizados, que darão origem aos primeiros povoados. Alguns nômades buscam, então, proteção no interior dessas primeiras paliçadas131, surgindo, deste modo, a primeira classe de escravos e servos.

E Berlin prossegue:

As instituições da idade heroica, que formam

a estrutura das imprescritíveis leis

“divinas” – cruel disciplina imposta, dentro dela, pelos governantes aos governados – dominaram a segunda fase da evolução social. [...] No devido tempo, os plebeus ficaram

insatisfeitos com seu status inferior,

baseado na suposição metafísica da

desigualdade inerente das suas naturezas, que os provava dos direitos iguais aos dos seus donos, tais como o direito à herança, à

129 Ibidem, p. 66 – 67.

130 Vico, G. idem ,§§ 1097 e seguintes. 131

propriedade de terras, ao matrimônio e sucessão legais, e outros parecidos. Deu-se

então novamente um aumento da pressão

social, que deu ocasionalmente lugar a violentas batalhas pelos direitos civis e religiosos. A plutocracia e as recompensas ao mérito sucederam à oligarquia, e isso, por sua

vez, sucumbiu ante as exigências de

soberania popular, mantidas pela maioria dos

desprivilegiados. Os ricos cresceram

excessivamente seguros, e foram derrotados pelo populacho. A lei da justiça democrática

começou a funcionar, com o seu

acompanhamento de discussões livres,

argumentos legais, prosa, racionalismo e

ciência. A liberdade de palavra levou

inevitavelmente consigo o questionamento irrestrito dos valores aceitados, isto é, a filosofia e a crítica e, no fim, terminou socavando a estrutura admitida da sociedade. O individualismo cresceu excessivamente e dissolveu os laços de união da massa popular, já não mais formando um bloco unido pelo terror inspirado pelas leis inexoráveis e sobrenaturais. Isso levou ao ceticismo e à

destruição da religiosidade e da fé

unificadora, e à desintegração do laço apertado do Estado “orgânico”. Todo esse processo resultou na anarquia ou (Vico era um pensador profundamente antidemocrático)na “liberdade incontrolada do povo, que é a pior das tiranias”[§ 1102]. A virtude cívica desapareceu e foi substituída pela anomia e pela violência arbitrária. Essa doença originou seu próprio e drástico remédio, representado, seja por um indivíduo forte, que dominou uma sociedade e restaurou a ordem e a moralidade (como Augustus fez em Roma), ou pela dominação de uma sociedade mais jovem e vigorosa, em estágio menos

avançado e mais primitivo de

desenvolvimento.

E o ciclo se completa com o advento da “barbárie da reflexão” e o colapso da idade dos homens:

Mas, algumas vezes, a raiz do mal já tinha aprofundado excessivamente, e os membros da sociedade em decadência colapsaram em uma espécie de segundo barbarismo, mas não “barbarismo” da juventude ou “dos sentidos”,

senão no da “reflexão” – um tipo de senilidade e impotência, onde cada homem vive em seu mundo egoísta e dominado pela ansiedade, incapaz de comunicar-se ou de cooperar com seus semelhantes. Esta é a

situação na qual os homens, embora

“fisicamente continuem juntos, vivem como animais selvagens, em uma profunda solidão do espírito e da vontade, sendo escassamente capazes de concordar cada dois deles, visto que todos obedecem sua própria satisfação ou

capricho”[§ 1106]. Os seres humanos

desumanizados pelo que, em uma frase

notável, ele chama esse “segundo barbarismo da reflexão” (la barbárie della reflexione)

– “basicamente selvagens vivendo sob

aparências amáveis” [§ 1106] – terminaram

sucumbindo, vítimas de sua própria

debilidade e corrupção. A sociedade caiu aos pedaços, seus membros foram destruídos em

guerras terríveis contra os inimigos

internos e externos, a civilização colapsou, os homens se espalharam, as cidades caíram, e sobre suas ruínas cresceu novamente a floresta. Desse modo, um ciclo se completou a si mesmo e deu-se o início de outro novo.

Findo o ciclo, ou terminado o “corso”, vem o “ricorso”, ou o início de um novo ciclo: com a queda de Roma, cidades são perdidas para as florestas, volta a brutalidade do tempo arcaico e a religião retoma sua função de grande força de coesão da sociedade, uma vez que “os homens voltaram a ser novamente religiosos, fieis e sinceros”132. É o tempo dos primeiros

senhores a organizarem os feudos, erigindo fortalezas primitivas para a defesa contra os nômades bárbaros. É um novo ciclo da idade dos deuses.

Em seguida, passa-se ao segundo ciclo, ou à nova idade dos heróis, no medievo dominado pelos sacerdotes, com os santos católicos fazendo as vezes dos deuses do Olimpo e marcado pelo simbolismo característico desse ciclo, os emblemas heráldicos ostentados nos escudos e pavilhões de armas.

132

E chega-se, então, ao terceiro ciclo, com o fim das oligarquias e observando os processos da idade dos homens até a alta civilização dos tempos hodiernos.

A sequência, sabe-se, é o declínio e a queda, com novo “ricorso” para o início de um novo ciclo.

Pelo tanto, num exame menos acurado, o modelo de desenvolvimento social de Vico, a sua “história ideal eterna“, pode ser tomado como um “círculo vicioso” do qual a humanidade não pode escapar, pois os acontecimentos não resultam da vontade deliberada do homem. Tal juízo pode, ainda, ser reforçado pelas palavras do próprio Vico,

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