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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Celso Eduardo Mendes Gonçalves

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Celso Eduardo Mendes Gonçalves

A vertente Vico

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia pela Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Antonio José Romera Valverde.

(2)

Banca Examinadora

________________________________

(3)
(4)

AGRADECIMENTOS

(5)

RESUMO

(6)

comportamento humano e o viver civil, que pode ser estendida até pensadores posteriores a Vico, cujas ideias permitem a identificação com aspectos destacados do pensamento viquiano; uma orientação filosófica que, identificada com a ênfase de Pico dela Miràndola sobre a dignidade do homem, pode representar a emancipação da humanidade.

(7)

ABSTRACT

(8)

privileges the practical life, the understanding of human behavior and civil life, which can be extended to thinkers who came after Vico, whose ideas allow the identification with outstanding aspects of his thought; a philosophical orientation which, identified with the emphasis Pico della Mirandola gave upon the Dignity of Man, can represent the emancipation of humanity.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………...…. 11

CAPÍTULO 1 – SITUANDO VICO E A SCIENZA NUOVA ...………. 17

1.1 VICO E AS QUESTÕES DA RACIONALIDADE MODERNA ... 17

1.2 CONTEXTUALIZANDO O HUMANISMO RENASCENTISTA E A AURORA DA CIÊNCIA MODERNA ... 24

1.2.1 O RENASCIMENTO E O HUMANISMO ... 25

1.2.2 A TRADIÇÃO HERMÉTICA ...28

1.2.3 A CIÊNCIA MODERNA ... 30

1.3 VICO ENTRE ANTIGOS E MODERNOS ... 33

1.4 VICO ENTRE A ORTODOXIA E A HETERODOXIA ... 36

CAPÍTULO 2 – O MUNDO SOCIAL E A HERMENÊUTICA DE VICO ... 39

2.1 A SCIENZA NUOVA E O MUNDO SOCIAL ………... 39

2.1 VERUM IPSUM FACTUM ... 41

2.2 A FILOLOGIA E A NOVA ARTE CRÍTICA: UMA HERMENÊUTICA PARA A PESQUISA DOS PRIN CÍPIOS DA VIDA SOCIAL ... 47

2.2.1 O ENGENHO ... 56

2.2.2 O SENSO COMUM ... 59

2.2.3 O MITO ... 61

CAPÍTULO 3 – A VERTENTE VICO HERMENÊUTICA DE VICO ... 65

(10)

3.2 CORSI E RICORSI – O DESENVOLVIMENTO

CÍCLICO HISTÓRICO ... 72

3.3 A VERTENTE VICO: UMA ALTERNATIVA À VERTENTE PREVALENTE E À BARBÁRIE DA REFLEXÃO ... 81

3.4 A PROPOSTA PEDAGÓGICA DA SCIENZA NUOVA ... 86

CONCLUSÃO ... 92

(11)

INTRODUÇÃO

Filósofo que sempre defendeu a integração das faculdades do

espírito humano para a produção do conhecimento e o diálogo promovido

pela retórica como fator norteador do bom desenvolvimento científico,

Giambattista Vico vem ganhando espaço nas discussões acadêmicas no Brasil, e em marcha resoluta.

Se tal interesse por Vico se deve, em parte, a um reflexo caudatário

do destaque verificado na Europa e América do Norte, por outro lado não se pode olvidar de um crescente interesse pelo pensamento viquiano

impulsionado por questões candentes que afligem a sociedade hodierna.

Com efeito, a grande discussão sobre os problemas sociais aponta

para o fato de as faculdades do espírito – a razão, os sentidos, a fantasia e o

engenho: as faculdades relativas aos planos da ética, da estética, da política,

da religiosidade, da linguagem, da teoria do conhecimento, do mito e da

imaginação – parecerem eclipsadas pelo individualismo e pelo controle

social, surgidos a reboque dos avanços ilimitados da tecnociência: um

padrão de produção científica totalmente direcionado à aplicabilidade

técnica.

O pensamento de Vico se mostra, assim, atual e oportuno ao

exercício filosófico, haja vista privilegiar, em sua Scienza nuova, as

humanidades, as faculdades do espírito, o senso comum, a cultura retórica e

(12)

científica hermética e afastada de sua função social enquanto fundada no

racionalismo cartesiano1, cuja filosofia monástica2 e valores individualistas,

deram azo ao tecnicismo exacerbado, à massificação alienante e às formas de

controle da sociedade.

Destacando pontos basilares do pensamento de Vico, como o

engenho – a faculdade de encontrar uma razão comum entre coisas distantes

e díspares – e o verum ipsum factum – o critério que só permite ao homem

garantir logicamente aquilo que é sua obra, e, pelo tanto, só à partir daquilo

que o homem faz é que se pode conceber a ciência, em stricto sensu – a

presente dissertação busca delinear o pensamento filosófico de Giambattista

Vico, cujo desenvolvimento deu-se próximo à definição dos paradigmas da ciência moderna3, embasado por pensadores clássicos e humanistas que vão

além dos “quatro autores” explicitados em sua Autobiografia (Platão, Tácito,

Grócio e Bacon), numa linha – ou vertente – que, embora preterida pelo

Iluminismo, manteve-se latente para patentear-se no pensamento de autores

posteriores como Marx, Lévi-Strauss, Freud e Jung, permitindo-se o traçado

de uma via posterior, a qual não será esmiuçada no presente trabalho, mas

deixada para retomada e aprofundamento em investigações futuras, onde se

ambiciona fazer a urdidura do pensamento de Vico com saberes posteriores

(Idealismo alemão, ciências sociais, psicanálise e psicologia analítica, só para

exemplificar), ressaltando a grande originalidade do autor Napolitano ao

empregar a retórica da invenção (inventio) na (re)constituição da história do

pensamento e na história da experiência humana, empregando-se uma

analogia entre ontogênese e filogênese no discurso viquiano.

1 Há que se destacar de plano, que o anticartesianismo de Vico se dirige à hereditariedade cartesiana, que

não soube atentar para os preceitos da atividade científica enumerados por Descartes na formulação do método para investigação da verdade, cf. Guido, H.Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004, p. 51.

2 Para Vico, as filosofias monásticas são aquelas que propugnam o individualismo racional, concorrendo 2 Para Vico, as filosofias monásticas são aquelas que propugnam o individualismo racional, concorrendo

em detrimento da coesão social e prenunciando a fase histórica que denomina de barbárie da reflexão:a fase histórica em que a razão busca desvincular-se totalmente da piedade, em flagrante prejuízo da sociabilidade, haja vista a religião, para Vico, constituir-se na gênese da sociedade.

3 A ciência moderna, tal como a conhecemos hoje, assume seu paradigma no meado do século XVII,

(13)

Dessarte, a vertente Vico é uma orientação filosófica que privilegia a

compreensão do comportamento humano, a vida prática e o viver civil, para

a qual se pode traçar uma linha de ideias, considerando desde a jurisprudência romana e autores clássicos, passando por pensadores

renascentistas que influenciaram a formação do discurso filosófico de

Giambattista Vico, e se prolongando para pensadores posteriores a Vico,

cujas ideias podem ser identificadas com aspectos destacados do

pensamento viquiano.

A presente dissertação, assim, sem embargo da grande

abrangência da obra de Vico nas diversas áreas do conhecimento – notadamente educação, filologia, filosofia, direito e história – e das miríades

de possibilidades de estudos que tal obra suscita, se atém na análise do

contexto histórico do desenvolvimento das ideias de Vico, em seus principais conceitos e como estes atuam na hermenêutica viquiana, para,

finalmente, destacando a metafísica e os ciclos históricos, analisar a barbárie

da reflexão na vertente prevalente, expondo o ideal pedagógico viquiano e sua

concepção de saber, como possibilidade de emancipação do homem.

Por conta dessa abordagem, ressalta-se que, em sintonia com os

novos rumos assumidos hoje pelos estudos da obra de Vico, o presente

trabalho considera a sua obra como uma resposta às questões da

racionalidade moderna, questões concretas da Nápoles de seu tempo,

permeadas pelos debates sobre a “cultura da Contra Reforma e da tradição

humanista, da cultura das poéticas barrocas, as conseqüências dos novos

métodos críticos-analíticos para a cultura da vida civil e para a formação dos jovens” (LIMA, 2006). Assim, Vico é considerado um pensador consoante as

(14)

Haja vista, nesse mesmo sentido, a própria pertinência do tema em

epígrafe – inspirado pelo traçado de uma linha de idéias que verte do

pensamento de autores clássicos e renascentistas na formação do discurso filosófico de Vico e em como esse discurso filosófico antecipou importantes

ideias em obras de outros destacados pensadores – não poder se coadunar

com as concepções de “precursor” e de “gênio isolado, fora do seu tempo”

que lhe foram tributadas pelo Romantismo do século XIX.

Seguindo essa linha de pesquisa, tornou-se oportuno à presente

dissertação situar Vico em relação às questões da racionalidade moderna,

apresentando, em seguida, uma contextura com o Humanismo como reflexo

do Renascimento, formando – juntamente com a exposição de uma breve

contextura com a aurora da ciência moderna – o primeiro capítulo deste

trabalho, configurando o ponto de partida para a exposição.

Na sequência, no segundo capítulo analisa-se como Vico aprimora

a teoria do verum ipsum factum, elevando-a à categoria de ciência: o

conhecimento de todas as criações humanas (direito, arte, sociedade, cultura, linguagem), postulando que o “homem só conhece verdadeiramente aquilo que

faz”4, e que, pelo tanto, a história, pelo prisma da filologia, é o campo delimitado da verdadeira ciência. Ainda no segundo capítulo, destaca-se como Vico desenvolve uma nova concepção da filologia, estendendo seu

sentido e associando-a à filosofia, proporcionando-lhe um caráter

hermenêutico – a sua nova arte crítica –, discorrendo-se, oportunamente,

sobre o conceito do engenho e sua aplicação na nova arte crítica, além de

ressaltar a mitologia e o senso comum como formas de conhecimento, com

vistas a delinear aspectos relevantes do pensamento filosófico do

4 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 331. Para a lavra da presente dissertação, foram utilizadas

(15)

Napolitano, que o levaram a situar o homem tanto como sujeito, quanto

como objeto do conhecimento.

Fechando a exposição, no terceiro capítulo destaca-se a metafísica “acima e sobre uma história das ideias humanas” e os ciclos históricos como

uma arte diagnóstica, que avalia o estágio de desenvolvimento das nações.

Faz-se, ainda, a exposição da vertente Vico como alternativa à vertente

prevalente e como a barbárie da reflexão está presente e foi percebida5 por

pensadores da Escola de Frankfurt na sociedade orientada sob o paradigma

da ciência moderna, dois séculos após a edição final da Scienza nuova.

Encerra-se esse derradeiro capítulo com a proposta de Vico para a

prevalência nos métodos de ensino – tanto quanto para o pensamento científico e filosófico – de uma razão abrangendo a integração de todas as

faculdades humanas (a razão, os sentidos, a fantasia e o engenho,)

igualmente importantes e valiosas, numa perspectiva praxista, apresentando-se as críticas de Vico ao método de ensino de seu tempo, e sua

exaltação, em contraposição a essas críticas, do valor do homem e de sua

história, destacando a prioridade de seu estudo integral, implicando no ideal

humanista de sabedoria e educação no mesmo sentido dos Studia

Humanitatis e no resgate da exaltação da liberdade, da criatividade e da

dignidade humanas; uma educação dotada do talante para a emancipação

do homem.

Concluindo a presente dissertação, destaca-se que, durante o

desenvolvimento da pesquisa que a ensejou, a troca de opiniões com professores, os dados coletados, as opiniões dos autores de literatura crítica

sobre Vico pesquisados e a interpretação amadurecida pelas seguidas

releituras para exegese dos textos do Napolitano, em especial do texto da

Scienza nuova, concorreram para que se formasse uma opinião bem

5

(16)

consolidada sobre a originalidade do pensamento filosófico de Giambattista

Vico e sua expectativa na perenidade da idade dos homens.

Destarte, a presente dissertação é o corolário do trabalho de pesquisa sobre o sistema filosófico de Giambattista Vico em seu contexto

Humanista, identificado a partir de raízes lançadas no período do

Renascimento, fortemente influenciado pelas ideias em voga na

consolidação do paradigma da ciência moderna, demonstrando tanto a

influência de filósofos renascentistas, quanto de filósofos modernos –

inclusive do próprio Descartes – para o desenvolvimento do pensamento

viquiano, numa linha de ideias – ou numa vertente – que pode ser

prolongada para sistemas filosóficos de outros pensadores, posteriores ao Napolitano. Destacando, ainda, aspectos relevantes da obra de Vico,

notadamente a teoria do verum ipsum factum e o conceito do engenho; a

abrangência da mitologia e do senso comum como formas de conhecimento; e a sua hermenêutica, que parte de sua teoria da história e da linguagem e

sabedoria poéticas, conciliadas à filosofia, o presente trabalho faz uma

urdidura com suas críticas ao ensino dos jovens de seu tempo, ressaltando o

pensamento viquiano como um pensamento, de fato, original, a partir do

qual é possível vislumbrar uma nova vertente, com um distinto modelo de

racionalidade; uma vertente que conjuga a razão e a historia; a teoria e a

práxis. Uma vertente perfeitamente viável nos tempos hodiernos, vez que

privilegia a sabedoria prática (frónesis) do sentido comum e o engenho, como as ferramentas básicas para a solução dos problemas e necessidades sociais.

Uma vertente, que consoante o projeto de conhecimento viquiano, é capaz de

(17)

CAPÍTULO I

SITUANDO VICO E A

CIÊNCIA NOVA

1.1 Vico e as Questões da Racionalidade Moderna

Pensador fecundo, Giambattista Vico apresenta em sua obra

maior, a Scienza nuova, um projeto para uma nova ciência, propondo

mudanças nos padrões intelectuais, éticos, artísticos e científicos de sua

época. “É um livro tão repleto de ideias que quase explode pelas costuras” (sic) 6

Berlin corrobora a riqueza de ideias do Napolitano, ao mesmo

tempo em que critica sua construção literária, quando ressalta que o

Napolitano, a partir da visão que pioneiramente desenvolve da humanidade

e da sua história condicionada à observância de uma lei de desenvolvimento social, procura conjugar na estrutura de sua Scienza nuova uma enorme gama

de novas ideias “excessivamente heterogêneas, ricas e autocontidas para enquadrarem-se no esquema que lhes era reservado; elas voam à parte e

seguem seus próprios caminhos” 7, resultando daí que a leitura de Vico não é

uma tarefa fácil.

6 Burke, P. Vico, 1997, p. 45 7

(18)

A despeito de qualquer alegada dificuldade, há que se destacar

como a Scienza Nuova é, ao mesmo tempo, uma obra que versa sobre

história, filosofia, poesia, teologia e direito, trazendo em seu bojo questões seminais de disciplinas e linhas teóricas que se desenvolveram

posteriormente, creditando a Vico “o direito à originalidade [que] pode

submeter-se a escrutínio, de qualquer ponto de vista vantajoso, sem o mínimo

receio”8.

Destarte, relevante situar Giambattista Vico em seu contexto

histórico, com as questões efervescentes de seu tempo; situá-lo com relação

aos ortodoxos e heterodoxos da religião cristã; entre antigos e modernos;

entre as questões da racionalidade moderna.

Nesse sentido, destaca-se, de plano, que a imagem romântica de

um pensador idealista, isolado de seu mundo e fora de seu tempo, que se

atribuía ao Napolitano até meados do século XX, é, conforme Guido9,

decorrente da visão extremamente idealista passada por seu mais célebre

interprete no meio acadêmico, Benedetto Croce10.

Com efeito, a ideia de gênio na ciência já foi combatida por Kant11,

que destacou que os cientistas aprendem suas teorias de seus mestres ou da

experiência, razão pela qual podem explicar cada passo da elaboração de

suas teorias, deixando a possibilidade da existência do gênio – aquele que

não aprendeu de ninguém e, pelo tanto, não pode explicar a elaboração de suas obras – exclusivamente à esfera da arte. Desse modo, a pesquisa em tela

afastou-se das concepções de Giambattista Vico como “precursor” ou “gênio

8Ibidem, p. 21.

9 Guido, Humberto. Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004.

10 A respeito das considerações de Croce sobre a genialidade e isolamento de Vico e, em especial, da sua

tese sobre estética viquiana, vide LIMA, J.E.P., 2006.

11

(19)

isolado, fora do seu tempo” que lhe foram tributadas pelo Romantismo do

século XIX.

Nada obstante, é oportuno esclarecer que, relativamente a Vico, a ideia de “gênio isolado” encontra amparo em sua própria autobiografia12,

cuja melhor interpretação requer o conhecimento de eventos que o

Napolitano não quis relatar, como o contato de Vico com a cultura científica

da época, através da sua participação nas academias napolitanas, o que lhe

propiciava a convivência com outros estudiosos de diversas áreas do saber,

permitindo-lhe integrar-se com as ideias que se desenvolviam nos outros

centros da Europa.

Corroborando a interpretação que desfaz a imagem de isolamento

de Vico, Guido destaca:

“A participação de Vico em diversas

academias e salões literários, além da vida universitária, fazem deste homem um cidadão ativo em sua sociedade, conhecido e muito requisitado para diversos encargos

sociais, tais como: orações fúnebres,

discursos laudatórios para núpcias de

casais nobres, recepções de autoridades reais e religiosas, entre tantos outros

trabalhos literários que lhe eram

encomendados. Portanto, Vico não foi um personagem menor da sua cidade, só foi notável porque viveu o seu tempo.”13

E ainda no mesmo sentido, Rossi14 situa a Scienza nuova como obra

influenciada pelos debates sobre linguagem, história dos povos antigos,

teoria do conhecimento e métodos da ciência, travados entre filósofos e

eruditos do século XVII.

12

Vico, G. Vita di Giambattista Vico, 1728.

13 Guido, H. op.cit ., p. 12.

14

(20)

De fato, há que se considerar o diálogo crítico entre teorias,

tradições científicas e imagens da ciência que “foi sempre (tal como continua

sendo) contínuo e insistente” como ressaltado por Rossi15, razão pela qual, em sintonia com os novos rumos assumidos hoje pelos estudos do

pensamento filosófico de Vico, o presente trabalho considera a sua obra

como uma resposta às questões candentes de seu tempo.

Assim procedendo, a presente pesquisa leva em consideração,

ainda, que Vico bebe na fonte humanista para inspirar-se, opondo-se ao

horizonte comum de certas áreas, opondo-se à excessiva importância dada

às ciências naturais, opondo-se, especialmente, ao cartesianismo.

Sem embargo, tal oposição está muito longe de significar uma

negação do valor epistemológico da ciência. Como bem destaca Guido16, Vico, em seus primeiros escritos, valoriza as descobertas científicas dos

modernos e, sempre primando pela importância da tradição humanista para

a continuidade dos progressos da cultura moderna, concebe, em seu projeto

filosófico, uma reforma do racionalismo do século XVII, com vistas à

aplicação para a pesquisa da verdade das coisas humanas. “Vico deu início à

formulação de um projeto para ciências humanas, em tudo diverso do projeto que

surgiria mais tarde com o positivismo de Augusto Comte (1798-1857)”17.

Pensador de temas retóricos da reflexão acerca da vida social, Vico

é herdeiro da cultura retórica humanista, e essa herança o conduz à crítica da vida civil, entendida como a arte da convivência e vida política, em oposição

às concepções cartesianas do pensamento analítico em busca da verdade

15

Idem. O nascimento da ciência moderna na Europa, 2001, p 20.

16 Guido, H.op.cit. 17

(21)

primeira sob o império da Mathesis Universalis, cuja imposição se verifica em

detrimento da integralidade antropológica do homem.

Por conseguinte, o Napolitano segue uma orientação filosófica que privilegia a vida prática; que privilegia a compreensão do comportamento

humano e o viver civil, deixados de lado pela tendência moderna

direcionada à dedicação exclusiva às ciências naturais. Vico pretende uma

reflexão filosófica e uma concepção científica que reconstituam um ideal de

integralidade humana, propondo um humanismo cívico e retórico para o

vivere civile.

Destarte, a Scienza nuova de Giambattista Vico, assentada sobre três pressupostos básicos18: 1) Que há Providência Divina; 2) Que nossas almas

são imortais; e 3) Que há que se respeitar o senso comum dos homens,

busca fundamentar uma ciência para a compreensão de como nasce e de como se desenvolve a civilidade humana; uma ciência que contemple a

possibilidade de conhecimento dos universos ético, político e humano e a

sua interação, a sua unificação numa mesma ciência.

Para tanto, propõe19 uma nova arte crítica, visando conciliar o

sentido filosófico da reflexão inata da natureza humana, nos seus sucessivos

estágios de desenvolvimento cognitivo, com a investigação das fontes que

evidenciam o surgimento da vida em sociedade e atestam a natureza sociável dos homens. Propõe, igualmente, uma arte diagnóstica, que avalie o

Estado civil, o grau de civilidade das nações e os riscos a que estão submetidas.

18 Conforme exposto por LIMA, J.E.P., em palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, em 26 de maio de 2009.

(22)

Intentando, desse modo, a investigação de como nasce e como se

desenvolve a civilidade humana no curso da história, não objetivou o

Napolitano, a criação de uma nova ciência, mas tão somente valer-se da sabedoria humana representada pela retórica, pelo direito, pela filosofia,

para renovar a ciência demonstrando a possibilidade de desenvolvimento

científico livre do império exclusivo da Mathesis Universalis.

Para Vico, a filosofia cartesiana, ao relegar como ultrapassadas as

disciplinas tópicas, distanciou a filosofia da vida prática, levando-o a afirmar

que a filosofia de seu tempo “considera o homem tal como ele deve ser”20,

em detrimento da consideração sobre as reais condições da existência humana, dificultando o aprendizado das virtudes morais.

Essa preocupação com a dimensão prática do saber, leva Vico a defender um ideal pedagógico próprio, o qual, assim como a sua concepção

de saber, abarca a retórica e outros saberes dos studia humanitatis, preteridos

da filosofia cartesiana, que os considerou destituídos de uma justificação

científica, excluídos, portanto, do âmbito de um conhecimento verdadeiro.

Contudo, nada obstante suas críticas ao cartesianismo, há que se

examinar com atenção a postura de Vico, que não é, absolutamente, a de um

ferrenho adversário de Descartes. Pelo contrário, o Napolitano teve forte influência cartesiana que se evidencia no reconhecimento de que a ciência é

a sabedoria humana e, pelo tanto, não há como se dedicar a uma ciência em detrimento das demais; ou no reconhecimento de que o conhecimento

científico deve ser certo e evidente.

20

(23)

Efetivamente, Vico adota uma via racionalista21. A Scienza nuova

visa constantemente demonstrar que a razão humana foi se desenvolvendo

ao longo da história e que seu estágio mais avançado é uma meta a ser alcançada.

Na exposição dos princípios da Scienza Nuova em sua edição de

1744, Vico reafirma que somente o pensamento torna possível o contato

entre o civilizado e o bárbaro; que o pensamento é a matéria e o instrumento

da pesquisa social:

Mas em tal densa noite de trevas onde está

encoberta e muito distante de nós a

primeira antiguidade, aparece esta luz

eterna, que não se põe, desta verdade, a qual não se pode de modo algum colocar em

dúvida: este mundo civil, ele foi

certamente feito pelos homens, nos quais se pode porque se deve encontrar os princípios nas modificações da nossa própria mente humana.22

Assim, o acesso ao primeiro pensamento só é possível graças à

certeza que a filosofia racionalista deposita no pensamento humano, o que

implica na assunção de que o pensamento é próprio da natureza humana,

pressuposto da base do racionalismo.

Ademais, a hermenêutica23 de Vico, fundada na nova arte crítica, ao

conciliar filosofia e filologia, está longe de ser uma simples coleta de dados,

pois se baseia na interpretação de dados fundamentada em uma teoria que é, a um só tempo, guia e controle24. Corroborando essa assertiva, Rossi25

21 A respeito da via racionalista adotada por Vico, cf. Guido, op.cit., p.40 e 62-63. 22 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744

., § 331.

23

Sobre a hermenêutica de Vico, vide Capítulo II da presente dissertação.

24 Vale dizer: conforme o método experimental. 25

(24)

aponta a influência do empirismo e do racionalismo na obra de Vico,

destacando, ainda, o recurso à demonstração do tipo geométrica e a

configuração sistemática da obra viquiana, além da aplicação do

racionalismo como orientação filosófica para a formulação dos enunciados científicos a partir da análise do verossímil, como características tributáveis à

Descartes.

1.2Contextualizando o Humanismo Renascentista

e a Aurora da Ciência Moderna

A compreensão do pensamento filosófico de Vico, a exegese de sua

produção literária, não pode prescindir da contextualização do período singular em que o Napolitano desenvolveu suas ideias.

Vivendo numa época polêmica, entre o ocaso do Humanismo e a

recém consolidação da ciência moderna em sua vertente prevalente, na qual

pululavam controvérsias entre conservadores convictos, partidários da

tradição humanista e inovadores entusiastas do desenvolvimento científico,

Vico deparou-se também com a autoridade da religião cristã, grande

obstáculo epistemológico para a consolidação das novas verdades sobre o homem, a natureza e a vida.

A presente pesquisa, portanto, se ocupa nas próximas páginas com

a contextualização do Renascimento e do prelúdio do Iluminismo, para, nos

itens seguintes, situar Giambattista Vico entre antigos e modernos, e entre

(25)

1.2.1 O Renascimento e o Humanismo

Obscurecido em decorrência das “luzes” do Iluminismo, o

Renascimento foi o processo social que lançou todas as bases para a

sociedade tal como a conhecemos hoje. Sua importância, entretanto, só começou a ser reconhecida a partir de meados do século XIX, pelo trabalho

de Stendhal, Jules Michelet, Jacob Burckhardt, Engels e Nietzsche. Há ainda,

portanto, muito por entender e desenvolver sobre a filosofia desse processo

tão abrangente, designado como uma Revolução por Engels.

De fato, o Renascimento deve ser entendido como um completo

processo social no qual toda a estrutura da sociedade se viu afetada e

modificada econômica, social e culturalmente; com reflexos profundos no

viver religioso, no desenvolvimento das artes e da ciência. Um processo tão

amplo, que promoveu mudanças no quotidiano, nas práticas morais e nos

ideais éticos.

Verificado – como processo de mudança da estrutura social – na

Itália, França, Inglaterra e parte da Holanda, teve seu reflexo substanciado

no Humanismo, abrangendo toda a Europa26.

Sob o Humanismo, o homem é recolocado em relação ao universo; a

ação humana se torna o valor maior da humanidade e a fortuna, antes

ditadora dos destinos humanos, passa a ser pensada como uma entidade

26 Com efeito, o Humanismo é um (ou vários) dos reflexos ideológicos do Renascimento, sob uma forma

ética e acadêmica, separável da estrutura social e das realidades da vida quotidiana e, portanto, capaz de possuir uma relativa vida própria e de se desenvolver em países onde o Renascimento, enquanto fenômeno social total, nunca existiu. Mas nesses países manteve-se necessariamente desenraizada, apenas ganhando aderentes nas camadas superiores da vida social (pelo menos entre aristocracia política e intelectual) e isolando-se rapidamente. Foi assim que na Alemanha, por exemplo, a Reforma substituiu o

(26)

exterior, que pode encarnar-se nas forças cegas da natureza, mas que não nos pode

obrigar a abandonar os nossos projetos de transformação do mundo

(MIRANDOLA, 2001)

Assim, contrariamente à visão agostiniana de que o homem no

mundo era coisa sem importância quando comparado com sua condição na

“Cidade de Deus”, para os humanistas o homem torna-se o centro do

Universo.

Numa linguagem figurativa, o espírito humanista é representado

pelo “Homem Vitruviano”27, aquele de braços estendidos, cuja imagem

se inscreve tanto no círculo, como no quadrado, o qual se acha no célebre Livro de Horas do Duque de Berry, em que materializa, ao mesmo tempo, a

relação simbólica e mágica do homem individual com o universo.

Leonardo da Vinci faz uso dessa representação para ilustrar “a base que deu à estética, na qual as proporções do corpo humano refletem a ordem universal,

noção esta, que é aceita como evidente em todo o período da Renascença”28.

Com a recolocação do homem em relação ao universo, o eixo da

vida se desloca da ordem divina para a ordem temporal e humana, numa

mudança que não implicou, contudo, no abandono dos valores cristãos, os

quais foram incorporados a um novo modo de vida, que exigia, de todos, a

participação nos negócios públicos, resultando que o modelo de homem bom deixou de ser o santo para ser o cidadão.

27 Marcos Vitruvio Pollio, engenheiro militar e arquiteto da Roma antiga, contemporâneo do Imperador

Augusto. Escreveu Os dez livros da arquitetura, redescobertos no final do século XV pelos renascentistas italianos, que estabelece, no capítulo I, do livro III, intitulado “De acordo com qual modelo se edificam os templos”, o princípio da existência de uma relação harmoniosa entre as proporções arquitetônicas e o homem de “boa conformação” (bene figuratus), definindo um cânone de beleza para o desenho de corpos no Ocidente, desde o Renascimento até fins do século XIX. (Panofsky, E. L’évolution d’um schème structural. L’histoire de La théorie des proportions humaines, conçue comme um miroir d l’histoire des styles. In L’ouvre d’art et ses significations. Essai sur les “arts visuels”, Paris: Galimard, 1969)

(27)

Nesse novo contexto, uma preocupação da antiguidade é

retomada: qual é a verdadeira vida virtuosa: a vida ativa, ou a vida

contemplativa?

Durante a idade média, a prevalência do pensamento agostiniano

e tomista atribuía dignidade apenas à contemplação; a vida considerada

digna para o sábio era a vida contemplativa, haja vista a teologia, em

essência, tratar-se de um conhecimento – Deus – que não pode ser

apropriado pelo homem.

Ao retomar essa antiga discussão, os humanistas se voltam às origens do pensamento ocidental, aos gregos e, em especial, a Aristóteles,

que traduzido por entusiastas do humanismo como Leonardo Bruni, volta a

conduzir as preocupações desta dignidade à vida cívica29.

Bruni concentra-se na vida ativa. A vida contemplativa,

argumenta, é para os religiosos. Por isso, o cidadão é ator da sua própria

história. A vida ativa é a função da política.

A retórica passa, então, a ser fonte da vida política, como elemento

que liga a cultura clássica à ação republicana, e busca-se a formação de uma sociedade sadia, composta de homens virtuosos, que se faz a partir dos

studia humanitatis30

29

Bem ao modo característico do humanismo, cf. definição de Bignotto: Assim, de maneira ampla, podemos dizer que humanismo descreve a relação que estudiosos dos mais variados matizes entretiveram com o passado Greco-romano e com a interpretação e atualização do conteúdo dos textos dos grandes autores do mundo antigo. In: BIGNOTTO, Newton. As Origens do Republicanismo Moderno, 2001, p. 18.

30

(28)

A retórica romana, então, revivida a partir de Petrarca e a sua

“descoberta” de textos de Cícero, é o que irá atribuir dignidade à vida

pública, tornando-se, a vida nas cidades, tema recorrente nas discussões humanistas.

Garin traduz muito bem a importância da palavra para o espírito

humanista:

Posto que, num de seus aspectos mais válidos, o Humanismo foi justamente esta exigência de que cada termo encarnasse todo o espírito e o revelasse até os seus refolhos, para que entre o espírito e a palavra, entre a alma e o corpo, não houvesse mais desvio algum, e que, no fim, todo o corpo verdadeiramente iluminado pela alma não parecesse ser o esconderijo ou a prisão em que esta se encerra, mas sim luminosa descoberta e total revelação.31

A dignidade da vida ativa, a consequente preocupação com as leis

e a valorização da retórica, são temas fundamentais no pensamento

filosófico de Vico, destacados mais adiante na presente dissertação.

1.2.2 A tradição hermética

Dentre os movimentos verificados no Renascimento, é oportuno

destacar o neoplatonismo, entendido originalmente como um ressurgimento vagamente místico e cristianizado do idealismo platônico, que passou a ser

31

(29)

entendido de forma diversa, mais aprofundada, com os novos estudos que

ligam o redescobrimento dos textos de Platão à simultaneidade, no

Renascimento, do surgimento de textos místicos, atribuídos, pretensamente,

a sábios prestigiosos, como Orpheu, Zoroastro e – especialmente – Hermes Trimegisto, conforme esclarece Frances Yates32.

De fato, o neoplatonismo renascentista foi um movimento que

apresentava um núcleo hermético (ou mágico), desenvolvido no

Renascimento italiano a partir de Marsílio Ficino, que supunha o universo

vivo: um vasto sistema de correspondências, unindo o mundo dos

elementais ao mundo das estrelas e, mais além, ao mundo dos seres

espirituais.

O livro de Cornélio Agripa, De occulta philosophia, incorpora as

ideias neoplatônicas de Marsilio Ficino e os princípios cabalistas de Pico

della Mirandolla, descrevendo as técnicas a serem usadas nos mundos

elemental, celestial e supra celestial, evidenciando a ciência mágica como poder e o homem como mago e dominador que opera a natureza, mostrando

a visão de mundo do mago renascentista.

Esse entendimento da tradição hermética renascentista se faz

importante para o entendimento do quão tênues eram as fronteiras entre a

ciência e o hermetismo, chave para entendimento da passagem do

Renascimento ao pensamento do século XVII (época de Vico), bem como

para a compreensão, por exemplo, de como John Dee, filósofo, destacado

matemático, inventor de instrumentos de navegação e notabilizado como

autor do prefácio à tradução inglesa de Euclides33, pode conciliar sua

reputação de homem de ciência com a de “conjurador” de espíritos34.

32

Yates, F.A. Ensayos reunidos III: ideas e ideales del renacimiento en el norte de europa, 1993.

33

(30)

1.2.3 A Ciência Moderna

O que hoje denominamos Ciência Moderna, ainda que não possa

ser precisado o momento ou o local de seu nascimento na Europa35, pode ser

identificado como um rompimento com a tradição científica medieval,

consequência de um processo iniciado no Renascimento, processo este, do qual é possível destacar alguns marcos – dentre tantos outros – como o

tratado De revolutionibus (1543) de Copérnico, e bem assim, as ideias de

Francis Bacon (1561-1626), o desenvolvimento dos estudos astronômicos, o

aprimoramento do telescópio e os estudos sobre o movimento dos astros de

Galileu Galilei (1564-1642), os Principia (1687) e a Optica (1704) de Newton,

destacando, ainda, como corolário desse processo de nascimento da ciência

moderna, a assimilação36 do pensamento de Descartes (1596-1650), o qual se

apresentou à cultura europeia como um sistema, consumando a revolução

científica a partir do meado do século XVII.

De fato, o desenvolvimento da astronomia sobrepujando a

astrologia, a valorização da técnica e o uso de equipamentos para observação, como o telescópio e o microscópio, as grandes conquistas do

cálculo, as experiências sobre a circulação do sangue e sobre o vazio, a

rejeição do saber hermético, a consideração do tempo na análise dos fatos

naturais, assim como a nova imagem de Deus como engenheiro ou

relojoeiro, são fatos que marcaram a revolução científica a partir da segunda

34 Dee é o autor de “Diários Espirituais”, obra onde descreve a invocação de anjos através de conjuros

cabalísticos.

35 Personagens associados ao “nascimento” da ciência moderna são provenientes de variados países

europeus, e suas ideias estavam ligadas ao pensamento um do outro, “dentro de uma realidade artificial ou ideal, livre de fronteiras e em uma República da Ciência que a duras penas foi construindo para si um espaço em situações sociais e políticas sempre difíceis, muitas vezes dramáticas e, por vezes, trágicas.” Conforme Rossi, P. O nascimento da ciência moderna na Europa, 2001.

36 A filosofia e a física de Descartes prevaleceram no centro da cultura europeia durante toda a segunda

(31)

metade do século XVII, quando surgem vários títulos de obras científicas

marcados pelo termo “novo”, como a Nova de universis philosophia de

Francisco Patrizzi, a New Attractive de Robert Norman, o Novum Organum

de Bacon, a Astronomia Nova de Kepler e os Discorsi intorno a due nuove

scienze de Galilei.

Nada obstante, nessa época ainda conviviam no mundo europeu

pressupostos, crenças e ideias que parecem – aos olhos hodiernos –

completamente inconciliáveis entre si, provenientes do Renascimento, e que mantinham, ainda, muito tênue a fronteira entre a ciência e a magia

(conforme tópico “da tradição hermética”, supra), como fica evidente ao se

destacar a grande proliferação de obras alquímicas e o desenvolvimento

matemático37 verificados durante o século XVII.

É, então, que a ciência começa a definir o caminho (ou a vertente)

que a conduz, tal como é, até os dias de hoje:

Naqueles anos toma vida e alcança

rapidamente a plena maturidade uma forma de

saber que revela características

estruturalmente diferentes das outras

formas de cultura, conseguindo a duras penas criar suas próprias instituições e suas próprias linguagens específicas. Tal

saber exige “experiências sensatas” e

“determinadas demonstrações” e, ao

contrário do que acontecera na tradição, requer que estas duas coisas complicadas

andem juntas e estejam indissoluvelmente ligadas uma à outra. Qualquer afirmação deve ser “publicada”, isto é, ligada ao controle por parte de outros, deve ser

apresentada e demonstrada a outros,

discutida e submetida a eventuais

contestações.38

37

Newton é um bom exemplo dessa conciliação: considerado o pai da física mecânica e reconhecido como um dos principais criadores do cálculo infinitesimal, foi, ao mesmo tempo, autor de diversos manuscritos de alquimia.

38

(32)

E a opção por essa vertente – como em toda escolha -- implicou no

abandono de alternativas. De fato, Rossi39 ressalta que postulados e noções

que hoje se nos apresentam como óbvios e naturais, constituíram-se de

escolhas, opções e contrastes; que alternativas então preteridas, eram, antes, opções reais e não imaginárias. Cada decisão, cada escolha, implicou em

dificuldades e descartes, por vezes, dramáticos:

mediante a pesquisa histórica jamais, no

passado, são descobertos estudos

monoparadgmáticos ou épocas caracteri-zadas, como as pessoas, por um único rosto; [...] a ciência do século XVII, junto e ao mesmo tempo, foi paracelsiana, cartesiana, baconiana e leibniziana;40

Na sequência do desenvolvimento da vertente prevalente dos

modernos, o entendimento do que a ciência é e do que a ciência deve ser, foi

cunhado com base no mecanicismo de Newton e no racionalismo de

Descartes, firmado no Iluminismo do século XVIII e sacramentado no

positivismo do século XIX, definindo, frequentemente, os limites, os critérios

e os caminhos que a ciência deve seguir.

A era moderna aflorou, assim, caracterizada pelas novas

descobertas da ciência, que conduziram ao otimismo do progresso, com a

expectativa de que o esclarecimento livraria os homens do medo,

permitindo-lhes fazer a própria história e afirmarem-se superiores diante da

natureza.

39Ibidem.

40

(33)

1.3 Vico entre Antigos e Modernos

Durante o período que precede à definição da vertente prevalente

para o entendimento do que a ciência é e de como a ciência deve ser,

polarizou-se a discussão entre os antigos, partidários do culto à tradição

renascentista, e os modernos – que prevaleceram – partidários do

mecanicismo newtoniano e do racionalismo cartesiano, cuja posição se

corrobora pelo progresso representado pelas novas descobertas.41

Vico se preocupa com a tendência da ciência de seu tempo, que

privilegia exclusivamente o método crítico, o qual, nada obstante provar a

sua utilidade ante o dogmatismo escolástico, ao descobrir verdades lógica e

racionalmente evidentes, impõe critérios e princípios lógicos à experiência, que limitam saberes que ultrapassam os limites do procedimento

dedutivista do Cogito cartesiano, como é o caso dos saberes do mundo

social.

Há que se observar, ainda, que mesmo sendo reconhecidamente

um defensor das tradições humanistas, tanto que Grassi o vê como o “último

grande humanista”42, Vico valoriza, ao mesmo tempo, as descobertas

científicas dos modernos, conforme se expôs em páginas precedentes desta

mesma dissertação.

Dessa forma, conforme destaca Lima43, Vico busca conciliar as vantagens do método dos modernos com as vantagens do método dos

antigos, sem pretender “um conflito com a ciência em si mesma, mas

41 A disputa entre antigos e modernos não foi restrita à imagem da ciência: ela envolveu também a

filosofia, a literatura e a religião.

42 Grassi, E. Humanismo y marxismo: crítica de la independización de la ciência., 1977, p.221 43

(34)

combater um determinado paradigma de saber adotado pelos cartesianos

em Nápoles.”:

E se comparássemos os nossos tempos com os

antigos, e pesássemos vantagens e

desvantagens de uma e de outra parte para os estudos. Poderíamos definir um método tal qual o dos antigos. Descobrimos muitas

coisas desconhecidas pelos antigos, ao

passo que os antigos sabiam muitas coisas que não conhecemos. Temos faculdades para o êxito em determinados estudos; eles, outras faculdades, para êxito em outros campos.44

Essa tensão característica de sua época entre o velho e o novo, e a

tentativa de conciliação entre esses saberes, é bem ilustrada pela analogia –

apropriada por Vico à Descartes – entre o conhecimento e o método, e uma

edificação, conforme bem ressaltado por Guido:

Tomando a analogia do edifício do saber

empregado por Descartes nas primeiras

partes do Discurso do método, Vico queria promover uma reforma que ampliasse o espaço desse edifício. Para tanto, não seria necessário demolir tudo até os alicerces, como pretendeu Descartes. O alicerce continuaria sendo a metafísica. Novos cômodos deveriam ser construídos, sem que a base arquitetônica perdesse a

sua harmonia. Com este projeto, os

moradores do edifício da ciência não precisariam ser desalojados e recolhidos em uma moradia provisória. Os transtornos

provocados pela ampliação do velho

edifício são passageiros, de maneira que os seus moradores tenham a oportunidade de acompanhar e participar da sua reforma. A vontade de por abaixo todo o edifício para construir outro, tal como foi o objetivo de Descartes, pode causar um hábito pernicioso, de se querer, de quando em quando, demolir novamente tudo o quanto já foi construído, para acompanhar os modismos do tempo, de tal maneira que

44

(35)

ninguém se sinta seguro quanto à estabilidade da sua moradia.45

O comentário acima remete à leitura de Vico, que conclui a

analogia da reforma do edifício do saber da seguinte maneira:

Portanto, os físicos modernos se parecem com aqueles que tendo herdado casas, que quanto à magnificência e a comodidade não deixam nada a desejar, tanto que eles não tem outra coisa a fazer do que mudar de

lugar o suntuoso mobiliário, ou

introduzir, com pouco esforço, pequenos

ornamentos para adaptá-lo à moda do

tempo.46

Considerando a querela entre antigos e modernos, Garin aponta os

arcaísmos de Vico, observando, não obstante, que o Napolitano compartilha

ideias iluministas, tanto da consciência histórica, quanto da educação do

homem, destacando, especialmente, a definição viquiana da polêmica sobre

Homero, a qual, analisada independentemente, propiciaria a convicção de

tratar-se, Vico, o mais revolucionário dos modernos47.

Essa aparente ambiguidade, resultado da constante tentativa de

conciliação entre a tradição humanista e a ciência moderna, que despontava,

é o que conduz Vico – conforme Guido48 – à investigação do mundo da cultura, que por ser exclusivamente dependente da vontade humana, é mais

apropriado ao conhecimento humano do que o mundo natural, de criação

divina e, pelo tanto, passível da ciência experimental só fornecer as leis que

explicam o fenômeno em sua exterioridade.

45 Guido, H.

op. cit., p. 32.

46

Vico, G. De nostri temporis studiorum ratione, 1709, p. 183.

47 Garin, E. L’Educazione in Europa, p. 291. 48 Guido, H.

(36)

1.4 Vico entre a Ortodoxia e a Heterodoxia

Por defender e buscar conciliar suas ideias com a doutrina da

religião cristã, não superando esse obstáculo epistemológico para o

desenvolvimento de novas teorias para a origem da vida e do homem, Vico

se mostra um conservador.

Por outro lado, a grande admiração pela ciência experimental

sempre nutrida por Vico, sua via racionalista49 e a tese da barbárie primitiva

constante na Ciência Nova, que alonga a história e contradiz a rapidez do processo civilizatório defendido pelos ortodoxos, coloca o Napolitano em

posição ambígua, como expressa Rossi:

Declarar as origens fabulosas, insistir no caráter rude e primitivo das épocas mais remotas, na imaginação e na irraciona-lidade, no assombro e na ferocidade dos primeiros habitantes da Terra, impelia Vico para uma doutrina decerto não menos

sacrílega e perigosa do que a dos

defensores das teses pré-adâmicas e

deístas: aquela que para explicar as

origens da história humana fora

apresentada, na idade antiga, por Lucrécio e, no mundo moderno, por Hobbes.50

No mesmo sentido, Guido ressalta a definição de infância dada por Vico na Scienza nuova, como barbárie dos intelectos51, em que a barbárie

seria a privação do comportamento social e a ausência de raciocínios

49 Cf. exposto na presente pesquisa, sob o item Vico e as questões da racionalidade moderna. 50

Rossi, P. Os sinais do tempo, p. 139

51 Numa antecipação das abordagens psicanalíticas do século XX. In: Guido, H. o

(37)

abstratos, a qual daria lugar à humanidade através da educação. Assim,

somente ao superar o estado de natureza é que o homem confere

intencionalidade à sua vontade, em contraste com todas as outras criaturas.

Esse raciocínio revela um Vico muito mais próximo do humanismo

do que da ortodoxia. Na abertura do ano letivo de 1701, o Napolitano, em

sua oração inaugural, discorreu aos estudantes universitários com este

argumento:

Eu creio firmemente que todo esse universo, que nós chamamos o infinito, se fosse dotado de sensibilidade, vendo que todas as criaturas obedecem à lei da natureza, teria notado que o homem é, ao contrário, o patrão e o árbitro do seu destino, porque

teria certamente reconhecido que ele,

graças à sua liberdade natural, é, se não senhor, quase o senhor do criado.52

Assim, no pensamento filosófico de Vico é possível encontrar tanto

elementos arcaicos como inovadores, cuja convergência suscita

interpretações, por vezes, diametralmente opostas, conforme exemplificado

por Rossi, pelo o fato de que Vico poderia ser ora considerado um ardoroso

defensor da fé cristã, ora radicalmente criticado pela promoção da destruição da fé. 53

Essa aparente ambiguidade que permite que se considere o

Napolitano ora ortodoxo, ora heterodoxo, assim como seu esforço em

conciliar antigos e modernos, pode, enfim, ser definida como uma

característica que é produto de sua época, resultando que, com relação a

Vico, é emblemática a definição dada por Risério54: “Giambattista Vico é um

52

Vico, G. Le orazioni inaugurali I – VI apud Guido, H., op.cit., p. 87-88.

53 Rossi, P. Os sinais do tempo, p. 11. 54

(38)

monstro bifronte, eruditamente enraizado no passado, ousadamente apontado

(39)

CAPÍTULO II

O MUNDO SOCIAL E

A HERMENÊUTICA DE VICO

2.1 A Scienza nuova e o Mundo Social.

Conforme já exposto, a Scienza nuova de Giambattista Vico busca

fundamentar uma ciência que contemple a possibilidade de conhecimento

dos universos ético, político e humano e a sua interação, a sua unificação,

numa mesma ciência; uma ciência para a compreensão de como nasce e de como se desenvolve a civilidade humana no curso da história para prevenir

a crise da civilização no mundo moderno, caracterizado pela predominância

da razão abstrata, a qual, muito desenvolvida em detrimento de outras faculdades humanas, navega ao vazio pelo distanciamento de seu

fundamento – o extraordinário da imaginação. Daí a decadência intelectual e

moral de uma civilização que se individualiza, perdendo o vínculo do senso

comum55.

Ao mesmo tempo em que critica a unilateralidade da Mathesis

Universalis, a Scienza nuova estende o conceito de ciência à função poética do

espírito humano, conquistando espaço para as Ciências do Espírito, antecipando, assim, a construção epistemológica de W. Dilthey.

55 Conforme LIMA, J.E.P., em palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em

(40)

Com efeito, sobre o fundamento de uma história e um diagnóstico

do senso comum do gênero humano, Vico propõe em sua Scienza Nuova uma

nova arte crítica, que busque o sentido filosófico e se ocupe da investigação da tradição, e uma arte diagnóstica, que avalie o Estado civil, o grau de

civilidade das nações e os riscos a que estão submetidas, conforme

expressou o Napolitano no Livro IV de sua obra maior.

Observando que a compreensão do comportamento humano e o

viver civil foram deixados de lado pelos filósofos modernos, que se

dedicaram exclusivamente às ciências naturais, o filósofo Napolitano

pretende uma orientação filosófica que considere a vida prática e que reconstitua o ideal de integralidade humana, propondo um humanismo

cívico e retórico, primando pela conciliação dos saberes antigos da tradição

humanista com o pensamento consoante a ciência moderna.

Uma nuova scienza capaz de compreender a dimensão da verdade a

respeito dos criadores das nações é, como sintetiza56 Lima, a intenção

fundamental do Napolitano, que se esforça em sucessivas redações,

correções e acréscimos para a redação final de sua grande obra editada em

1744, sempre incrementando a pesquisa dos princípios da vida social e,

consequentemente, do nascimento da sociedade civil.

Dentre os temas retomados de textos anteriores para a versão final

da Scienza nuova, destacam-se a crítica à racionalidade cartesiana; a elevação

à categoria de ciência do conhecimento das criações humanas nas áreas do

direito, das artes, da cultura e linguagem, dentre outras; e a expressão de

uma retórica pedagógica. No desenvolvimento desses temas destacados,

56

A partir da expressão do próprio Vico na primeira redação da Scienza Nuova, de 1725, e reiterada em sua Autobiografia. In: Lima, J.E.P., A estética entre saberes antigos e modernos na Scienza Nuova de Giambatista Vico, 2006.

(41)

Vico aprimora a teoria do verum ipsum factum e desenvolve uma nova

concepção da filologia, que associada à filosofia, adquire um caráter

hermenêutico. O aludido critério do verum ipsum factum e a hermenêutica de

Vico, é o que se propõe discutir no presente capítulo.

2.1.Verum ipsum factum

O princípio do verum ipsum factum, que numa tradução sintética

pode ser expresso como “o verdadeiro é o feito”, tem, em Berlin, uma

definição muito objetiva: “o que Deus fez através dos homens já é nosso; o

que Ele fez sem o nosso concurso é impenetrável para nós.”57

No mesmo sentido e, ainda, ressaltando sobre o quão problemático

é reduzir o princípio viquiano do verum–factum a uma “simples formulação

gnosiológica”, Lima58 destaca que Vico articula visão metafísica e composição epistêmica, considerando, ademais, a distinção que o

cristianismo estabelece entre o generato e o factum para conceber que

“somente em Deus o verdadeiro é completo. Devemos declarar

absolutamente verdadeiro o que Deus nos revelou; e não procurar o gênero

e o modo pelo qual é verdadeiro, dado que nos é absolutamente impossível

compreendê-lo”59.

Berlin aprofunda sua análise sobre o principio do verum-factum do

Napolitano aludindo a Paci e destacando que:

57

Berlin, I. Vico e Herder, 1982, p. 115.

58 Lima, J.E.P.,

op.cit., p. 207.

59

(42)

no âmago do pensamento de Vico se encontra o contraste entre dois mundos: o mundo

exterior recalcitrante, que podemos

manipular, mas apenas dentro dos limites estabelecidos pela Providência, e o mundo

dos homens, ‘feito’ pelo seu espírito

criativo, com suas imagens, símbolos e mistérios recorrentes, que perseguem sua

consciência coletiva, isto é, o mundo

criado pelos homens, do qual nós somos

verdadeiros cidadãos; a corrente da

história, apenas na qual nos achamos à vontade. 60

A relação entre a verdade e o fazer humano, que constitui o

princípio do verum ipsum factum trata-se, com efeito, de um dos princípios

basilares do pensamento viquiano, que na Scienza Nuova elevou à categoria

de ciência o conhecimento de todas as criações humanas: direito, arte,

sociedade, cultura, linguagem. Foi apresentada por Vico primeiramente em

A antiqüíssima sabedoria dos italianos, de 1710, conforme destacado por

Guido61, que na mesma oportunidade, chama a atenção para a associação

entre a teoria verum-factum dos antigos com a clareza e distinção das ideias,

características do pensamento moderno.62

Na apresentação desse princípio relacionando verdade e fazer humano, Vico, na aludida obra de 1710, afirma que o único conhecimento

possível é aquele produzido pelo próprio individuo, ilustrando sua assertiva

com a certeza e evidência matemáticas, que são produtos da mente humana,

haja vista que o intelecto possui em si mesmo os elementos matemáticos que

lhe permitem organizar e compor a verdade matemática:

60 Paci apud Berlin, op.cit.. p. 116

61 Guido, H. Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004.

62 Guido destaca que “embora tenha optado por trabalhar com o mundo da cultura, Vico possuía o mesmo

(43)

Ordem e composição pela qual ganha

consistência a verdade demonstrada que

converte esta demonstração no ato de

operar, isto é, o verdadeiro no feito.63

Recordando-se, oportunamente, que o capítulo precedente da

presente pesquisa situa Giambattista Vico entre modernos e antigos,

demonstrando, justamente, o esforço do Napolitano no sentido de conciliar

a tradição humanista e o moderno, destaca-se que a certeza e evidência

matemáticas, expostas em conformidade com a prescrição moderna para a

clareza e distinção das ideias, são emblemáticas quanto ao destacado esforço

de Vico para a conciliação do conhecimento antigo com o pensamento

moderno, quando associadas ao princípio da identidade entre o fazer e o

conhecer, haja vista a ideia do verum-factum provir como antiga doutrina da

religião cristã e já estar presente em outros pensadores, que antecederam

Giambattista Vico.

Com efeito, Leonardo da Vinci, nessa senda, já advertia o

pesquisador da natureza: “Oh! Investigador das cousas, não te vanglories de

conhecer as cousas que ordinariamente a natureza leva a cabo por si mesma;

mas alegra-te de conhecer o fim daquelas cousas que são delineadas por tua

mente”64.

A advertência de Leonardo ao pesquisador da natureza, para que

não alimente a ilusão de conhecer, na verdade, o que faz a natureza por si

mesma, mas somente o que ele próprio realiza, traz, como observa

Mondolfo, “um pressentimento germinal do princípio de Vico: verum ipsum

factum; para conhecer a verdade, temos que produzir nós mesmos o objeto

do nosso conhecimento.”65.

63

(44)

Também Galilei considera a exigência de produção real para

conseguir o conhecimento verdadeiro66, e explicita isso no Dialogo sopra i due

massimi sistemi del mondo, onde apresenta Sagredo e Salviati discutindo com

Simplício sobre os limites e o valor do conhecimento humano, onde Salviati

argumenta que, mesmo dentro dos limites “de uma infinita pequenez”, o

homem pode atingir a um valor de conhecimento que corresponde ao

conhecimento divino:

O entender (explica) pode considerar-se de

duas maneiras, quer dizer, intensive ou

então extensive. Extensive, isto é, no

referente à multidão dos inteligíveis que são infinitos, o entender humano é como

nada, mesmo quando compreendesse mil

proposições, pois mil em relação à

infinidade é como zero; considerando,

porém, o entender intensive, enquanto

compreende intensivamente, quer dizer

perfeitamente alguma proposição, afirmo que o intelecto humano compreende algumas tão perfeitamente e tem das mesmas certeza tão absoluta como a que possui a própria

natureza; e tais são as ciências

matemáticas puras, quer dizer a geometria e a aritmética, das que o intelecto divino sabe certamente infinitas proposições mais, pois as sabe todas, mas daquelas poucas compreendidas pelo intelecto humano creio que o conhecimento iguale ao divino na certeza objetiva, pois chega a compreender a sua necessidade, sobre a qual não me parece possa haver segurança maior. 67

É interessante destacar, que Galileu, com seu método experimental

que revela a relevância cognoscitiva da técnica instrumental na investigação

científica, supera a dificuldade que Vico opõe à física, de não poder nunca passar do conhecimento verossímil ao verdadeiro, em função da

66

Mondolfo diferencia o método experimental de Galileu tanto da indução baconiana – que considera para registro e coleção de experiências – , como da dedução cartesiana, “que é puro processo lógico ou teórico”. (op.cit., p. 242-243)

67

(45)

incapacidade humana de produzir os fenômenos naturais. Mostrando o

caminho pelo qual o homem pode produzir experimentalmente os

fenômenos e conseguir, assim, a compreensão efetiva de sua necessidade,

Galileu concedeu universalidade ao princípio do verum-factum, o qual Vico optou por limitar à esfera da arte, da matemática e da criação humana da

história.

E antes de Leonardo e Galilei, Ficino e Cardano também se

antecipam a Vico na ideia de seu princípio fundamental do “verum ipsum

factum”.

Mondolfo ressalta que o conhecer, para Ficino, se identifica com o fazer, sendo que, em Deus, tal relação se refere à criação (à natureza e a cada

um dos seres individuais), enquanto que no homem, se refere unicamente à

matemática. E traz à colação um trecho do Comentário ao Parmênides de Platão, de Ficino:

Como não somos autores das cousas mediante

o nosso conhecimento, talvez não haja

nenhuma razão pela qual as percebamos, se não houver certa proporção; em troca, como a ciência divina é causa primeira das cousas, Deus não as conhecerá pelo fato de se por de acordo com a natureza das cousas, mas as conhece porque é ele mesmo causa das cousas. Ao conhecer-se, pois, a si mesmo,

como principio de todas as cousas,

prontamente as conhece e as faz todas. 68

Sobre Cardano, Mondolfo cita um trecho do capítulo IV do seu

Tractatus de arcanis aeternitatis, que demonstra a presença do verum-factum

em seu pensamento:

68

Imagem

Figura alegórica no frontispício da edição de 1744 da Scienza nuova.

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