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3.3 P ERCURSO E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

4.1.2. A ORGANIZAÇÃO RETÓRICA

4.1.2.6. A SEÇÃO COMENTÁRIOS E PERSPECTIVAS E OS PASSOS RETÓRICOS

Na seção denominada comentários e perspectivas, são abordados os horizontes da pesquisa, apresentando, principalmente, resultados positivos do estudo divulgado, apontamento de novas perspectivas a partir dos resultados obtidos ou indicação de novos estudos sobre o tema. Pode ainda, em alguns casos, apresentar problemas relacionados à pesquisa em si ou à aplicação dos resultados no cotidiano das pessoas. Além disso, são apresentados trechos em que se pode encontrar, de forma explícita ou implícita, a opinião do jornalista divulgador, dos pesquisadores responsáveis pelo estudo ou, ainda, de colegas pesquisadores, que, muitas vezes, são introduzidos nos artigos para tecer algum tipo de comentário a respeito da pesquisa ou dos resultados alcançados por meio dela.

Nessa perspectiva, é coerente afirmar que a seção comentários e perspectivas guarda muitas semelhanças com a categoria “Comentários” da notícia jornalística. Na notícia, essa categoria se caracteriza por conter conclusões, expectativas, especulações e outras informações, em geral do jornalista, sobre os eventos noticiados. Também pode vir marcada pela presença de citações no texto da notícia. No entanto, como enfatiza van Dijk (2004), os comentários se localizam em pontos específicos do texto jornalístico noticioso, o que não ocorre, por exemplo, nos artigos de divulgação científica. Nos textos aqui analisados, verificamos que comentários, pontos de vista, expectativas e avaliações podem perpassar toda

a materialidade textual, desempenhando diferentes funções, ainda que ocorram com maior frequência na seção por nós denominada de comentários e perspectivas.

Além dessas colocações, também é possível constatar a semelhança dessa seção com informações presentes na parte de “discussão e conclusões” de artigos científicos, como bem pontuam Feltrim et al (2000). Segundo os autores, tanto a “discussão” quanto as “conclusões” em textos científicos têm como finalidade encerrar o assunto, devendo trazer esclarecimentos adicionais relativos aos problemas levantados na introdução e conduzir às principais conclusões do trabalho científico. Para os autores, os resultados obtidos em uma pesquisa podem, cada um deles, vir seguidos de breves comentários, o que é muito comum em trabalhos que trazem resultados variados e de natureza específica. Esse processo é nomeado por eles de “padrão alternado”, uma vez que a discussão aparece de forma alternada com os resultados. Na seção comentários e perspectivas presente nos artigos do corpus analisado, constatamos a ocorrência de quatro passos retóricos:

SEÇÃO 6–COMENTÁRIOS E PERSPECTIVAS

• Passo 6.1 – Avaliação dos resultados alcançados e/ou da pesquisa e/ou

• Passo 6.2 – Apontamento de perspectiva(s) a partir dos resultados e/ou

• Passo 6.3 – Indicação de novas pesquisas ou ampliação dos estudos e/ou

• Passo 6.4 – Referência às limitações da pesquisa divulgada

O gráfico, a seguir, permite-nos uma visão detalhada da distribuição desses passos retóricos na seção de comentários e perspectivas:

GRÁFICO 06

Frequência dos passos retóricos na seção COMENTÁRIOS e PERSPECTIVAS de artigos de divulgação científica do jornal Estado de Minas

Fonte: elaboração própria

O passo retórico de maior incidência nessa seção é o 6.1 (avaliação dos resultados alcançados e/ou da pesquisa), estando presente em onze dos doze artigos analisados, o que corresponde a um percentual de ocorrência igual a 92%. Vale ressaltar que todas as manifestações desse passo retórico no corpus analisado ocorreram por meio da apropriação do discurso do outro. Isso se justifica, entre outros aspectos, pela pretensa busca da imparcialidade jornalística, numa tentativa ilusória da ausência da opinião do sujeito jornalista nos textos que produto. Dessa forma, a avaliação geral do experimento científico e/ou dos resultados obtidos nas pesquisas se realiza, exclusivamente, por meio do emprego de diferentes tipos de citação. Os exemplos selecionados abaixo ilustram a ocorrência desse passo retórico no corpus.

(Exemplo 38)

[Passo 6.1] “Os resultados que obtivemos foram muito melhores em vários sentidos - aumento da segurança, melhoria na precisão e padronização do procedimento”, disse o oftalmologista. [6.1] “Muitos médicos residentes têm medo de fazer a retirada da cápsula do cristalino, algo que realmente é difícil de aprender. Essa nova abordagem pode fazer com que o procedimento dependa menos das habilidades do cirurgião”, acredita. (Jornal Estado de Minas, nov./2010 – texto 04).

0 20 40 60 80 100 92 % 75% 67% 42%

Passo 6.1 - Avaliação dos resultados alcançados e/ou da pesquisa

Passo 6.2 - Apontamento de perspectiva(s) a partir dos resultados alcançados Passo 6.3 - Indicação de novas pesquisas ou ampliação dos estudos em andamento Passo 6.4 - Referências às limtiações da pesquisa divulgada

Em (38), notamos duas citações justapostas, em forma de discurso direto, por meio das quais o pesquisador responsável pelo estudo avalia positivamente os resultados obtidos na pesquisa. Para tanto, faz uso de expressões intensificadoras, tais como “os resultados que obtivemos foram muito melhores em vários sentidos - aumento da segurança, melhoria na precisão e padronização do procedimento...”

(Exemplo 39)

[Passo 6.1] Chris Lowry diz que o estudo ajudou a entender por que um sistema imunológico desbalanceado pode deixar alguns indivíduos vulneráveis a distúrbios do humor. "Pesquisas como essas são importantes para deixar cada vez mais claro o mecanismo de comunicação entre o corpo e o cérebro, além de reforçar o quanto um sistema imunológico sadio é importante para a saúde mental", disse ao Estado de Minas. (Jornal Estado de Minas, jan./2011 – texto 08).

No exemplo (39), nota-se uma citação em forma de discurso indireto, atribuindo ao pesquisador Chris Lowry a responsabilidade pela avaliação do estudo divulgado. As expressões destacadas cumprem a essa função: “Pesquisas como essas são importantes para deixar cada vez mais claro o mecanismo de comunicação entre o corpo e o cérebro, além de reforçar o quanto um sistema imunológico sadio é importante para a saúde mental...”

Os exemplos (40) e (41) ilustram o passo retórico 6.2 (apontamento de nova(s) perspectiva(s) a partir dos resultados), o qual obteve um percentual de ocorrência igual a 75% nos artigos analisados. Esse passo se caracteriza por anunciar perspectivas positivas a partir dos resultados alcançados e também se manifesta por meio do discurso do outro.

(Exemplo 40)

[Passo 6.2] Carvalho destaca que a descoberta irá abrir novas portas para o tratamento da doença, provavelmente em combinação com outros tratamentos. “Por exemplo, nossos resultados in vitro mostram que a reativação de Trail, em combinação com o medicamento Gleevec – usado atualmente no tratamento da LMC–, tem um importante efeito aditivo na morte das células leucêmicas”.

(Jornal Estado de Minas, mar./2011 – texto 11).

(Exemplo 41)

[Passo 6.2] "Esse estudo pode melhorar nossa habilidade de desenvolver novos marcadores para o diagnóstico do câncer de próstata. Podemos também imaginar, eventualmente, a criação de ferramentas mais personalizadas para pacientes com tumores recorrentes, por meio de testes sobre a alteração do genoma", explica Mark Rubin. (Jornal Estado de Minas, fev./2011 – texto 09).

Em (40), o jornalista coloca em cena a voz do autor da pesquisa divulgada, o qual destaca que a descoberta científica irá “abrir novas portas” para o tratamento da doença (câncer). Na sequência, a citação em forma de discurso direto complementa essa afirmação e fornece dados mais claros sobre os resultados.

O trecho selecionado em (41) também abre nova expectativa a partir dos resultados de um estudo que trata do mapeamento do genoma de tecidos cancerígenos retirados da próstata. No entanto, essa nova perspectiva é tratada com cautela, o que pode ser evidenciado pelo uso do verbo “poder” na forma modal epistêmica “Esse estudo pode melhorar nossa habilidade de desenvolver novos marcadores...” e, ainda, no emprego da forma adverbial “eventualmente” em “Podemos também imaginar, eventualmente, a criação de ferramentas mais personalizadas para...”. Esses recursos linguísticos, longe de expressarem uma certeza, sinalizam para uma possibilidade de novas perspectivas a partir dos resultados obtidos na pesquisa.

A indicação de novas pesquisas ou a ampliação de estudos em andamento também é um passo retórico presente na seção de comentários e perspectivas. Esse passo esteve presente em 67% dos artigos analisados e pode ser verificados nos exemplos a seguir:

(Exemplo 42)

“Mas não podemos afirmar que daria certo em humanos, pois os tumores de animais são mais simples. [Passo 6.3] Precisamos de mais estudos para descobrir os mecanismos de ação do extrato nos

tumores humanos”, sustenta o autor da pesquisa. (Jornal Estado de Minas, dez./2010 – texto 05).

(Exemplo 43)

De acordo com os pesquisadores, é possível que o mesmo mecanismo desvendado possa ocorrer não só na LMC, mas também em outros tipos de tumores, nos quais a presença de Pramee EZH2 é elevada. [Passo 6.3] Essa possibilidade – e suas implicações clínicas – é o próximo passo para o estudo. (Jornal Estado de Minas, mar./2011 – texto 11).

Inicialmente, verifica-se que esse passo retórico também se materializa nos artigos a partir do discurso relatado, conforme atestam os exemplos selecionados. Em (42), o autor da pesquisa afirma a necessidade de mais estudos para descobrir os mecanismos de ação do extrato (da sucupira) nos tumores humanos, uma vez que os testes realizados na pesquisa foram feitos apenas com ratos e camundongos. Já o fragmento destacado em negrito, no exemplo (43), sinaliza para uma ampliação do estudo que investiga um mecanismo molecular inibidor da ação de uma espécie de armadilha natural contra células cancerosas.

O passo retórico 6.4 teve o menor índice de ocorrência na seção de comentários e

perspectivas dos artigos de divulgação científica analisados, marcando presença em 42% dos

textos. Esse passo diz respeito às limitações da pesquisa e costuma aparecer no final dos artigos.

(Exemplo 44)

[6.4] No entanto, os pesquisadores não podem afirmar com segurança, neste momento, se ela é ou não eficaz em humanos. “Cinco pacientes é um número muito pequeno para saber realmente se houve melhora. Com animais, usamos mais de 200 ratos e camundongos para provar a eficiência.”

(Jornal Estado de Minas, out./2010 – texto 01).

(Exemplo 45)

Nos testes com camundongos, o tumor foi induzido e observada a ação positiva contra os cânceres. [Passo 6.4] “Mas não podemos afirmar que daria certo em humanos, pois os tumores de animais são mais simples” [...] sustenta o autor da pesquisa. (Jornal Estado de Minas, dez./2010 – texto 05).

O exemplo (44) faz referência ao uso de uma terapia celular em pacientes que sofrem de silicose (doença caracterizada por uma inflamação nos pulmões). O trecho selecionado para exemplificar esse passo retórico mostra que os pesquisadores responsáveis pelo estudo ainda não apresentam segurança para afirmar se a terapia é ou não eficaz em seres humanos, haja vista que somente cinco pacientes (portadores da doença) passaram pelo experimento. Em (45), ocorre situação semelhante. O exemplo selecionado faz parte de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse estudo investiga as propriedades medicinais do chá da folha de sucupira. A partir de testes aplicados em camundongos, os cientistas descobriram que o extrato da planta apresenta atividades analgésicas e antitumorais. No entanto, a partir de uma fala apresentada em forma de citação direta, o autor da pesquisa deixa em aberto se a descoberta (ação positiva do extrato da folha de sucupira contra o câncer) daria certo em seres humanos, uma vez que, como afirma o cientista, os tumores presentes em animais são diferentes dos presentes em humanos. Os dois exemplos, portanto, revelam as limitações das pesquisas divulgadas.

A partir da análise da organização retórica dos artigos que compõem o nosso corpus de análise, foi possível concluir que eles apresentam traços que os aproximam tanto do artigo científico como da notícia jornalística. Constatamos que a organização retórica do gênero analisado é formada por seis seções que formam a sua superestrutura textual e por diferentes

passos retóricos diretamente responsáveis pela distribuição do conteúdo informacional nos textos, a saber:

(i) Sumário: diz respeito às informações que sintetizam o resultado principal da pesquisa divulgada. Trata-se da seção que inaugura propriamente o artigo de divulgação científica, sendo formada pelo título dos artigos e por um parágrafo- resumo que pode vir antes ou depois do título;

(ii) Apresentação: refere-se, geralmente, aos primeiros parágrafos dos artigos e apresenta dados básicos que situam o estudo divulgado, tais como o assunto, prévia dos resultados alcançados, pesquisadores envolvidos e local de publicação da pesquisa de origem;

(iii) Contextualização: caracteriza-se por apresentar informações e conhecimentos já estabelecidos na área em que a pesquisa está situada, por avaliar pesquisas anteriores sobre o assunto, por mencionar a relevância científica e/ou social da pesquisa e, ainda, por trazer dados e observações diretamente relacionados ao estudo divulgado;

(iv) Metodologia: apresenta, de forma bastante concisa e simplificada, aspectos relacionados aos procedimentos e materiais utilizados pelos cientistas no desenvolvimento da pesquisa divulgada;

(v) Resultados: diz respeito à exposição dos resultados da pesquisa divulgada, com maior ou menor detalhamento, podendo ainda comparar esses resultados com pesquisas anteriores sobre o mesmo tema;

(vi) Comentários e Perspectivas: essa seção aborda os horizontes da pesquisa, apresentando, principalmente: resultados positivos do estudo divulgado, novas perspectivas a partir desses resultados e indicação de novos estudos sobre o tema. Também se caracteriza pela presença de trechos em que se pode encontrar, de forma explícita ou implícita, a opinião do jornalista divulgador, dos cientistas responsáveis pelo estudo ou de colegas pesquisadores.

Na próxima seção, passaremos à análise das estratégias discursivas presentes nos artigos de divulgação científica selecionados para esta pesquisa. Essa parte da análise levará em consideração os recursos linguístico-discursivos presentes nos artigos do corpus.

4.2.ANÁLISEDASESTRATÉGIASDISCURSIVASDOGÊNERO

A segunda parte da análise do corpus diz respeito ao plano das estratégias discursivas empregadas pelos jornalistas divulgadores na recontextualização de informações procedentes da esfera científica. Essa recontextualização envolve procedimentos de reformulação da linguagem, emprego de índices de objetividade/subjetividade na materialidade textual e recursos utilizados para a apropriação do discurso do outro.

Essas estratégias foram analisadas, entre outros aspectos, pelo fato de a divulgação da ciência na mídia impressa apresentar-se como uma prática discursiva dinâmica e complexa. O fato de a divulgação científica ser uma prática eminentemente heterogênea, isto é, formada a partir do cruzamento de elementos procedentes tanto do domínio científico quanto do jornalístico, revela a dinâmica cognitiva, social, intertextual e estratégica que caracteriza essa prática discursiva, uma vez que “o saber é representado em textos e estes são sucessivamente reformulados segundo os circuitos de difusão de cada conhecimento científico”. (CALSAMIGLIA, 1997, p. 11)

Assim, nessa etapa da pesquisa, tomando como objeto de análise os artigos de divulgação científica que compõem o corpus deste trabalho, serão apresentadas a descrição e a análise das estratégias lingüístico-discursivas empregadas por jornalistas do Estado de

Minas no processo de recontextualização de informações científicas a um público de leitores

não especializado em ciência. Trata-se de uma análise qualitativa, com base nas ocorrências mais frequentes observadas no corpus de análise.

Em um primeiro momento, amparados pelos trabalhos de Calsamiglia (1997, 2001), Cassany e Martí (1998), Cataldi (2007, 2009), Leibruder (2003), Koch (2005, 2006) e Zamponi (2005), foram identificadas e analisadas algumas estratégias empregadas pelos jornalistas divulgadores no intuito de reformular a linguagem especializada, de maneira a tornar o conhecimento científico próximo do leitor comum. Cumpre esclarecer que as estratégias discursivas por nós analisadas dizem respeito aos elementos linguísticos presentes na materialidade dos textos.

Dessa forma, a partir do trabalho com o corpus, identificamos e analisamos as seguintes estratégias: uso de explicações, uso de definições, uso de expressões anafóricas e uso de metáforas. Os exemplos, apresentados na sequência, mostram a ocorrência desses procedimentos nos artigos do corpus analisado.