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A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural e o contexto

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 75-78)

2.2 Percursos das políticas públicas de cultura e memória social no Brasil

2.2.1 Políticas federais culturais (1985-2010)

2.2.1.1 Governo Lula e a construção da memória social como política pública

2.2.1.1.1 A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural e o contexto

A Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SID) foi instituída a partir de uma sugestão, dialogada com o ministro Gil e o presidente Lula, advinda do primeiro ministro da SID, Sérgio Mamberti, ator, produtor e membro do Partido dos Trabalhadores, partido político do então presidente. Mamberti conhecia as disposições da Declaração da Diversidade Cultural (2001), firmada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e considerava notável para o governo a criação da referida secretaria, pois seu surgimento coadunava com a noção de cultura adotada pelo Ministério de Gil. Atentava também para o ineditismo e novidade da secretaria no que tange aos direcionamentos das políticas culturais no país e no mundo. A criação da SID vinculou a abordagem da diversidade cultural à destinação de incentivos culturais para grupos minoritários ou marginalizados até então desconsiderados no raio de ações das políticas federais para a cultura (ALVES, 2009).

Através do Programa Identidade e Diversidade Cultural – Brasil Plural, a SID18 pôde atingir em seus editais e programas diferentes segmentos socioculturais através dos seguintes eixos: Culturas Populares, Culturas Indígenas, Cultura LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Diversidade Etária (Infância, Juventude, Pessoa Idosa), Saúde e Cultura (Deficientes, Transtorno Mental e Saúde do Trabalhador), Redes e Culturas Ciganas, além de trabalhar a divulgação da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, lançada pela UNESCO em 2005. Dados do Ministério da Cultura (2009, p. 7-9) apontam que no período de 2005 a 2008, a Secretaria lançou 12 editais públicos, aprovando 875 projetos, despendendo recursos na ordem de 14 milhões de reais.

Dentre as iniciativas da Secretaria, podemos destacar o esforço em tornar os editais mais acessíveis aos grupos sociais e contextos culturais aos quais se destinam,

18 Com o governo Dilma (2011-) e a entrada de Ana de Hollanda como ministra da cultura, houve uma reformulação no nome da secretaria que passou a ser chamada de Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural. Nesta reforma, foi ainda criada a Secretaria da Economia Criativa em substituição a Secretaria da Cidadania Cultural.

através de oficinas de capacitação e seminários na área de elaboração e gestão de projetos, como também em alguns de seus editais, como o Prêmio Culturas Indígenas, a obrigatoriedade da apresentação de proposta escrita em formulário foi substituída por expressão oral através de gravação em vídeo, carta etc. Iniciativa que aumentou o número de inscrições no mencionado Prêmio, de 111, em 2006, para 192, em 2007 (SANTOS; PEIXOTO; MACHADO; BRAZ, 2010, p. 272).

Em perspectiva transversal, a SID atua por meio da manutenção de espaços dialógicos, como congressos e oficinas, em interação com movimentos, grupos e entidades representativas dos segmentos que tem sido foco de seu trabalho. A Secretaria articula também grupos de trabalho, composto por membros de outros setores do Ministério, dos demais Ministérios federais e outros agentes convidados a colaborar nas discussões. Com o intuito de firmar uma política pública permanente e continuada, a Secretaria tem buscado parcerias institucionais tanto dentro do governo (outras Secretarias do MinC e outros órgão governamentais, como Ministério da Saúde e Secretaria Especial de Direitos Humanos) quanto fora, em relações com patrocinadores (Petrobrás, Caixa Econômica Federal etc), entidades da sociedade civil (Rede Povos da Floresta, Comissão Nacional de Folclore, Rede Cultura Infância etc), entre outros (SANTOS; PEIXOTO; MACHADO; BRAZ, 2010).

Por outro lado, em pesquisa sobre a SID realizada em 2009, Alves (2009, p. 73-74) apontou algumas barreiras existentes para o melhor desempenho da Secretaria. A primeira trata de seu orçamento, o menor das Secretarias do MinC, o que dificulta o trabalho e o alcance das ações em um recorte de atuação tão amplo. Outras limitações referem-se à desarticulação entre os setores para os quais o fomento é direcionado, o que impede um melhor conhecimento das demandas; ao maior entendimento sobre a definição, objetivos e ações da Secretaria dentro do Ministério; a falta de pesquisas quantitativas concernentes ao impacto das políticas aplicadas pela SID; e o reduzido número de funcionários, à época 34 no total. Em 2009, consciente das adversidades, a então coordenadora da Secretaria, Giselle Dupin (apud ALVES, 2009, p. 74) ressalta atributos do órgão:

Considero uma vanguarda, uma coisa que está sendo feita, consolidada, então está sendo aperfeiçoada. Ela tem suas deficiências, mas a gente sabe que está como um processo.

Considero que esse protagonismo da sociedade, esse diálogo

sempre com a sociedade civil, e essa busca de aperfeiçoar, de aprofundar, só tem pontos positivos. A gente está sempre em uma auto crítica permanente para melhorar. Então sabemos que tem coisas que são estruturais. Somos poucos, há pouco

A criação e o trabalho da Secretaria refletiram também no engajamento ativo e propositivo do Brasil no processo de criação de uma convenção internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais que foi adotada pela UNESCO, em 20 de outubro de 2005 (KAUARK, 2010). Consoante Rubim (2011, p.

85), a UNESCO tem exercido papel fundamental na atual emergência das políticas culturais relativas à diversidade cultural19. O autor ainda considera a primeira emergência das políticas culturais a nível internacional bastante restritiva, pois estava centrada na articulação homogênea entre cultura e nação, e vê a acima referida Convenção (UNESCO, 2006, p. 3-4), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo 485/2006, como um símbolo do atual momento do órgão. A Convenção pela Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais (UNESCO, 2006, p. 3-4), foi redigida,

Destacando a necessidade de incorporar a cultura como elemento estratégico das políticas de desenvolvimento nacionais e internacionais, bem como da cooperação internacional para o desenvolvimento, e tendo igualmente em conta a Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000), com sua ênfase na erradicação da pobreza,

Considerando que a cultura assume formas diversas através do tempo e do espaço, e que esta diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade das identidades, assim como nas expressões culturais dos povos e das sociedades que formam a humanidade,

(...)

Convencida de que as atividades, bens e serviços culturais possuem dupla natureza, tanto econômica quanto cultural, uma

19 Há uma contribuição importante no debate entre os domínios da dimensão econômica e da diversidade cultural que está consubstanciada no termo exception culturalle, surgido na França em 1993, para opor a tentativa de tornar a cultura um item do livre comércio junto a Organização Mundial do Comércio.

Posteriormente, dentro da Unesco, este termo dará lugar à nomenclatura diversidade cultural, distanciando a ideia de exceção e sublinhando a riqueza intrínseca à cultura. Para maiores informações, ver Rubim, 2011.

vez que são portadores de identidades, valores e significados, não devendo, portanto, ser tratados como se tivessem valor meramente comercial.

Antenada ao contexto atual, a entidade lançou bases conceituais e ideológicas para a construção de políticas culturais que refletem a diversidade cultural como “uma das maiores riquezas da humanidade e dos povos, a exemplo da biodiversidade, já entronizada em uma agenda internacional como meta positiva” (RUBIM, 2011, p. 86-87). Ela considera também a dimensão econômica da cultura, mas destaca a importância de sua não redução a uma mera mercadoria. Destacam-se ainda neste processo de ênfase à diversidade cultural diplomas recentes como o relatório “Nossa Diversidade Criadora”

(1996) e a “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural” (2001).

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 75-78)