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Pontos de Memória

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 78-81)

2.2 Percursos das políticas públicas de cultura e memória social no Brasil

2.2.1 Políticas federais culturais (1985-2010)

2.2.1.1 Governo Lula e a construção da memória social como política pública

2.2.1.1.2 Pontos de Memória

O estímulo a processos de construção da memória social de grupos que no decurso histórico tiveram pouca ou nenhuma oportunidade de narrar e expor suas memórias em âmbito local, regional e nacional, através de museus, é o principal objetivo do programa Pontos de Memória.

Lançado em fevereiro de 2009 pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Ministério da Cultura, em parceria com a Organização dos Estados Ibero Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e como ação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, do Ministério da Justiça (PRONASCI/MJ), este programa destina-se a reconhecer e viabilizar iniciativas que já tenham trabalho desenvolvido em torno das memórias de comunidades, ou que desejem realizá-las. Os locais que recebem os Pontos, futuros museus comunitários, são indicados pelo PRONASCI/MJ, que tem sugerido comunidades com alto índice de violência, e são escolhidos pelo Departamento de Processos Museais do IBRAM, através da Coordenação de Museologia Social e Educação.

Atualmente, o programa aciona doze experiências-piloto em capitais brasileiras, distribuídas pelas cinco regiões. São elas: Museu de Favela/MUF (Pavão-Pavãozinho e

Cantagalo, Rio de Janeiro/RJ); Taquaril (Belo Horizonte /MG); Brasilândia (São Paulo/

SP); São Pedro (Vitória/ES); Lomba do Pinheiro (Porto Alegre/RS); Museu de Periferia/MUPE (Sítio Cercado, Curitiba/PR); Estrutural (Brasília/DF); Museu do Mangue (Coque, Recife/PE); Grande Bom Jardim (Fortaleza /CE); Jacintinho (Maceió/

AL); Beiru (Salvador/BA), e Terra Firme (Belém/PA). Existe ainda a realizações de oficinas temáticas e capacitações ofertadas aos denominados Pontos de Memória Parceiros, que congrega projetos de memória local em diferentes fases de desenvolvimento, dentre eles, o Museu da Maré (Maré, Rio de Janeiro/RJ), projeto que inspirou o programa Pontos de Memória (IBRAM, 2010).

No que concerne a metodologia, a implantação dos Pontos de Memória abrange algumas etapas que são explicitadas pelo IBRAM (2012) da seguinte forma: a) Visitas de identificação e sensibilização nas comunidades indicadas pelo Pronasci/MJ; b) Seminários ampliados de mobilização nas comunidades, para apresentação do programa e eleição de instâncias deliberativas; c) Oficinas de qualificação; d) Visitas técnicas para acompanhamento do desenvolvimento do projeto; e) Fortalecimento da Rede - Encontros nacionais de integração dos pontos, denominados Teia da Memória, em referência ao encontro nacional de Pontos de Cultura também chamado de Teia; f) Plano de ação - Cada ponto de memória desenvolve um planejamento para execução do projeto na comunidade, delineando o perfil de museu que pretende constituir; g) Ações museais - Eventos e atividades que visam ampliar para toda a comunidade a discussão a respeito da memória local; h) Inventário Participativo - Desenvolvimento processual do inventário participativo, relacionando os bens que deverão compor o acervo do Ponto de Memória; i) Ato Inaugural - Lançamento de um produto de difusão, que marcará a abertura dos Museus Comunitários.

O Grande Bom Jardim, que vem articulando seu Ponto de Memória e é também a região onde está localizado o centro cultural que constitui nosso estudo de caso, possui atualmente um conselho gestor do projeto, formado por sete entidades (União dos Moradores do Bairro Canindezinho; Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza;

Associação Espírita São Miguel; Associação Comunitária dos Moradores do Planalto Vitória; Associações Comunitárias do Jardim Nazaré; do Anel Viário; e do Parque Jerusalém). Em janeiro de 2012, o processo de implementação do Ponto de Memória do Grande Bom Jardim encontrava-se na fase de seleção de cinco jovens (entre 18 e 29

anos) e cinco adultos (acima de 30 anos) para capacitação e desenvolvimento de pesquisa em história local e inventário participativo histórico, memorial e cultural dos bairros que o compõem.

Analisando o discurso institucional que envolve o programa, observamos recorrências ao uso da memória como recurso sociopolítico e econômico. São falas que, entre outras características do programa Pontos de Memória, destacam: a invenção “de novas narrativas museais que rompam com aquelas impostas pelos grupos tradicionalmente detentores do instrumento museu”; a “autogestão solidária e participativa” dos museus; o “poder transformador da memória”; a realização de

“inventário participativo do patrimônio cultural local, afirmando o sentimento de pertencimento e do reconhecimento das identidades presentes nas comunidades”; a potencialização dos “saberes locais, por meio das ações museais, como forma de integrar o quadro de desenvolvimento local”; “os Pontos de Memória são capazes de promover a melhoria da qualidade de vida da população e fortalecer as tradições locais e os laços de pertencimento, além de impulsionar o turismo e a economia local, contribuindo positivamente na redução da pobreza e violência” (IBRAM, 2010; 2012).

O Pontos de Memória pode ser tido como um projeto basilar para destacarmos o processo de construção da memória social como política pública no Brasil.

Os Pontos de Memória inspiram-se e seguem fundamentos do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania (Cultura Viva), especificamente a ação dos Pontos de Cultura. O “do in” antropológico idealizado pelo ex-ministro Gilberto Gil é a imagem que dá significado ao mencionado projeto: uma massagem-incitação nos pontos vitais do corpo-território brasileiro, buscando ativar-despertar partes adormecidas ou negligenciadas pelas políticas culturais até então. Uma “massagem” que objetiva dar relevo as iniciativas culturais já existentes e muitas vezes não fomentadas pelo Estado, as esferas locais e a participação ativa da população. O ex-ministro Gilberto Gil no lançamento do projeto afirmava que “os Pontos de Cultura são intervenções agudas nas profundezas do Brasil urbano e rural, para despertar, estimular e projetar o que há de singular e mais positivo nas comunidades, nas periferias, nos quilombos, nas aldeias: a cultura local” (2004, p.8). Como os Pontos de Cultura, os de Memória visam dar voz e vez àqueles que por muito tempo não as tiveram estimuladas pelo poder público.

Um outro conceito que informa a estruturação dos Pontos de Memória é o de museologia social, firmado e propagado a partir da Mesa de Santiago do Chile, realizada durante a reunião do Conselho Internacional de Museus (ICOM), em 1972. No Brasil, em 2003, a museologia social obteve respaldo institucional, com a criação da Política Nacional de Museus (PNM). A noção de museologia social é referida pelo IBRAM (2010, p. 2) através da expressão “vontade política de memória”, descrita da seguinte forma no texto de apresentação do programa Pontos de Memória:

Política porque o direito à memória precisa ser conquistado, mantido e exercido como direito de cidadania; direito que precisa ser democratizado e comunicado entre os diferentes grupos sociais do Brasil. Nesse sentido, a crescente demanda por mais museus expressa o direito de todos os cidadãos aos meios de produção da memória, aos processos de transformação, criação e salvaguarda dos suportes de memória, não sendo suficiente garantir-lhes apenas o acesso aos museus já existentes. É necessário instrumentalizar as comunidades para que elas próprias criem e recriem suas memórias, seus discursos museológicos e suas práticas museais que dialoguem e ao mesmo tempo questionem os discursos já estabelecidos.

A “vontade política de memória” e o direito a ela subjacente demonstram que a cultura, a memória e a identidade conformam então um espaço de direitos, e são consideradas enquanto direitos, deveres e garantias. Observar como os direitos culturais e à memória estão inseridos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o que faremos à seguir, auxilia-nos na compreensão de que forma as modificações na relação memória nacional e memórias sociais aparece no texto constitucional vigente, refletindo o contexto social e histórico presente, bem como ofertando diretrizes normativas para as políticas públicas na área da cultura e da memória.

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 78-81)