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A Semântica de Frames é o resultado de uma pesquisa iniciada na década de 70 por

Charles J. Fillmore, com a intenção de encontrar uma “maneira particular de olhar para o

significado das palavras, bem como uma forma de caracterizar os princípios de criação de

novas palavras e frases” (FILLMORE, 1982, p. 111).

Em trabalho apresentado no Seoul International Conference on Linguistics – Sicol,

ocorrido na Korea, em 1981,

21

Fillmore (1982) explica detalhadamente a teoria que ele

mesmo chamou de Semântica de Frames e sobre a qual interessa a esta pesquisa,

especialmente, a definição final de frame elaborada pelo autor.

Por frame,

22

Fillmore entende um "sistema de conceitos relacionados, de forma que,

para se entender um deles, é preciso se entender a estrutura completa na qual ele se insere"

(FILLMORE, 1982, p. 111). Essa concepção é um dos produtos da evolução das pesquisas

do autor, sendo essencial para a compreensão da Teoria da Mesclagem, como se verá, motivo

pelo qual é importante que esteja bem claro.

O conceito de frame já foi, para Fillmore, um slot a ser preenchido com preposições de

mesmo valor semântico, o arranjo dos casos estabelecido na estrutura da sentença

20 Vide nota 16.

21 Esse trabalho faz parte da obra Linguistics in the morning calm – Selected Papers from Sicol -1981 editado por The Linguistic Society of Korea e publicado em 1982 pela Hanshin Publishing Company.

22 Fillmore considera frame como um termo geral que engloba todos os conceitos envolvidos pelos termos

esquema, script, cenário, modelos cognitivos, entre outros, e, da mesma forma, será considerado nesta pesquisa. (FILLMORE, 1982, p. 111)

(FILLMORE, 1982) e, por fim, passou a ser entendido pelo autor como “um sistema de

categorias estruturadas de acordo com algum contexto motivacional”

(

FILLMORE, 1982, p.

119), que pode ser considerado como usos e costumes construídos ao longo da história de

certa comunidade.

Para Fillmore (1982), em situações discursivas, a escolha de determinadas palavras

pelo usuário de uma língua pressupõe um pano de fundo cognitivo, background, formado

pelos conhecimentos e experiências pré-existentes na sociedade em que esse usuário se insere.

Nesse contexto, a pesquisa por meio da Semântica de Frames é uma tentativa de compreender

a forma como essas escolhas se processam.

Ao desenvolver uma descrição sintático-semântica da valência dos verbos, Fillmore

(1982) percebeu, no agrupamento a partir das generalizações sintáticas das valências, que

algumas generalizações semânticas acabavam se perdendo. Um exemplo dessa perda está na

diferença semântica existente entre os verbos to give e to send, que poderiam se encaixar em

frames semelhantes em certas situações e diferentes em outras, graças a distinções semânticas

entre eles. Da mesma forma, o autor aponta diferenças semânticas entre rob e steal, by e sell,

enjoy e amuse, todas elas encobertas pela classificação de acordo com suas características

puramente sintáticas (FILLMORE, 1982, p. 115).

Essa questão, no entendo, segundo Fillmore (1982), poderia ser resolvido com o

desenvolvimento de uma descrição semântica que associasse os verbos individuais a

estruturas cognitivas mais gerais, a partir das quais domínios completos de determinado item

lexical poderiam ser semanticamente caracterizados.

Isso porque a semântica de frames, conforme Fillmore (1968, p. 115) parte do

princípio de que, para cada frame de casos (case frame)

23

, existe uma “pequena cena abstrata

ou uma situação, de forma que, para entender a estrutura semântica de um verbo, é necessário

entender as propriedades dessas cenas”.

Ocorre que, para o autor, a teoria dos papéis semânticos, representada pelos frames

dos casos (case frames), não é completa para uma descrição semântica mais detalhada por

faltar àquela um nível de estrutura relacionado aos domínios particulares de cada item da

sentença. Assim o estudo daquelas estruturas cognitivas mais gerais teve início quando

Fillmore (1982) começou a estudar os verbos de julgamento, no começo da década de 70.

23 Pesquisa desenvolvida por Fillmore na década de 1960 relacionada aos papéis semânticos dos argumentos

associados a cada verbo a fim de acrescentar dados novos às suas classificações de verbos e orações. O autor propôs, então, a descrição da valência profunda de certos verbos em termos de case frames. (FILLMORE, 1982).

Descrevendo os “verbos de julgamento” como “culpar”, “acusar” e “criticar”, Fillmore

(1982) percebeu que eles têm em comum os seguintes argumentos: uma pessoa que julga,

uma situação passível de julgamento e alguém que será julgado. Acontece que, em cada um

desses verbos, esses argumentos se estabelecem e se relacionam de maneiras diferentes. Por

exemplo: o verbo “acusar” pressupõe uma situação condenável, um acusador e um culpado. Já

o verbo criticar pressupõe um crítico, um criticado e exige recursos que demonstrem o motivo

pelo qual a situação merece ser criticada.

Fillmore (1982) entendeu, nesse contexto, que não se trata de considerar as palavras de

forma isolada, mas, sim, dentro de um domínio cujos elementos, de alguma forma,

esquematizam a noção de julgamento e comportamento, o que envolve as noções de valor,

responsabilidade etc.

O segundo domínio considerado pelo autor com a mesma intenção de caracterizar a

cena a ele subjacente foi o de “evento comercial”. O autor percebeu que uma grande gama de

verbos no inglês evocava a mesma cena geral que se estabelece como pano de fundo do

domínio “evento comercial”.

Então, conforme Fillmore (1982), o comprador, o vendedor, a mercadoria e o dinheiro

seriam os elementos do frame do domínio “evento comercial” e, sendo assim, pode-se dizer

que a cena ligada ao verbo “comprar” evoca os elementos “comprador” e “mercadoria”,

permanecendo como pano de fundo os elementos “vendedor” e “dinheiro”. Já uma cena

relacionada ao verbo vender colocaria em foco o “vendedor” e a “mercadoria”, enquanto o

“dinheiro” e “comprador” comporiam o backgroud. Para o verbo “pagar”, o foco estaria no

“comprador”, no “dinheiro” e nas “mercadorias”. Outros verbos incluídos no domínio de

evento comercial são “gastar”, “custar” e “dever” (pagamento) entre outros, que podem ser

mais ou menos periféricos com relação a todos esses, considerados, em grande medida,

prototípicos.

Fato é que, conforme concluiu Fillmore (1982, p. 116), “ninguém pode realmente

entender o significado das palavras de um domínio sem entender as instituições sociais ou as

estruturas da experiência por ele pressupostas”,

24

considerando que essas instituições e

estruturas estão presentes nas cenas relacionadas a cada palavra e no pano de fundo a elas

subjacentes. Segundo o autor, “usando a palavra frame para a estrutura na qual a cena é

24 No original: Nobody can really understand the meaning of the words in that domain who does not understand

apresentada ou lembrada, nós podemos dizer que o frame estrutura o significado das palavras

e que as palavras evocam o frame”

25

(FILLMORE, 1982, p. 117).

O trabalho de Fillmore teve seguimento em meados da década de 70, a partir do seu

contato com o trabalho de Rosh (1973) e de Berlin e Kay (1969), que estudavam a

importância da noção de “protótipo” na compreensão do sistema de categorização do ser

humano. Quem narra essa trajetória é o próprio Fillmore (1982, p. 117), que, desde então, e a

partir dos trabalhos de Zimmer (1971) e de Downing (1977), passou a propor descrições dos

significados das palavras fazendo uso da noção de protótipo.

Pareceu razoável a Fillmore (1982) generalizar o fato de que a compreensão do

significado de uma palavra se dá mais facilmente em termos de um protótipo que em termos

da palavra genuinamente considerada, e isso ocorre porque o pano de fundo (background)

com relação ao qual esse significado é definido, em grande medida, é determinado pela

cultura circundante.

Fillmore (1982) utiliza a palavra “órfão” para ilustrar a importância da noção de

protótipo para a composição de frames. Segundo o autor, órfão é uma criança cujos pais

morreram e o significado da palavra é construído a partir de um background que inclui o fato

de que, para ser considerada órfã, a criança depende do cuidado dos pais e os pais assumem

tais cuidados. Pessoas sem pais têm um status social relevante somente até certa idade.

Assim, a categoria “órfão” não traz, em si, qualquer especificação de idade. Tal especificação

está no protótipo de “órfão”.

Fillmore (1982) também dá o exemplo da palavra breaskfast (café da manhã).

Conforme explica o autor, para se entender essa palavra, é preciso estar a par de uma cultura

em que se fazem três refeições ao dia e uma delas se dá após a noite de sono. Acontece que

alguém pode tomar café da manhã depois de uma noite de trabalho ou acordar às três da tarde

e tomar o café da manhã, o que mostra que o horário e a necessidade de se ter dormido antes

da refeição não são critérios definidores da palavra. Isso demonstra que uma mesma palavra

pode ser usada em vários contextos diferentes que se afastam ou se aproximam de seu

protótipo.

26

25 No original: Using the word ‘frame’ for the structure way in which the scene is present or remembered, we can

say that the frame structures the word-meanings and that the word ‘evokes’ the frame. (FILLMORE, 1982, 117).

26 Note-se que a noção de protótipo está inserida claramente no conceito de frame dado por Abreu (2010, p. 37):

Um frame, é, portanto, um domínio semântico vinculado a uma palavra, formado tanto por um conjunto de elementos prototípicos, que pode ser considerado uma espécie de núcleo duro, como também por outros elementos vinculados à imaginação [...]

Assim, fica claro perceber porque, segundo Fillmore (1982), o frame de determinada

palavra envolve categorias estruturadas conforme contextos motivacionais, usos e costumes

de uma sociedade, como já mencionado neste capítulo.

O exemplo dado por Fillmore (1982) para ilustrar o conceito de Frame é o da

expressão “fim de semana” (week-end), que faz sentido em razão da divisão do tempo em

semanas de sete dias e do costume de se dedicar cinco dias ao trabalho e dois ao descanso.

Caso o costume fosse o de descansar somente um dia, não haveria a necessidade de se usar

um termo específico, “fim de semana”, da mesma forma que, provavelmente, não se daria o

nome de “fim de semana” caso o costume fosse desde sempre dedicar quatro dias ao trabalho

e três ao descanso.

Outro exemplo dado por Fillmore (1982) é o da palavra “vegetariano”, que, conforme

o autor, só ganhou o significado que tem porque é usada em uma sociedade em que a maioria

das pessoas come carne. Note-se que um vegetariano é uma pessoa que não come carne por

um propósito específico e não porque não pode pagar ou porque não a encontra para comprar.

Note-se que os frames de “fim de semana” e de “vegetariano” são formados a partir de

noções preexistentes e relacionadas a determinadas culturas, sendo que não fariam sentido em

uma sociedade em que ninguém comesse carne ou na qual o tempo não fosse dividido em

semanas.

Do que se viu nesta seção, a Semântica de Frames propõe a construção de significados

de palavras a partir de um pano de fundo em que cenas gerais e todos os elementos que dela

fazem parte proporcionam determinada compreensão e não outra sobre tais palavras.

Na seção seguinte, será apresentada a Teoria da Mesclagem que tem em sua base,

como se verá, o conceito final de frame a que chegou Fillmore (1982) em suas pesquisas na

área da semântica.