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A Semântica em Interface com a Lógica

No documento PESQUISA EM LETRAS (páginas 94-99)

LÓGICA E LINGUAGEM NATURAL:

2. O Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural

2.1. A Ciência e suas Interfaces

2.1.2 A Semântica em Interface com a Lógica

Em uma interface com as Ciências Formais, e, mais especificamente, com a Lógica, a Semântica se beneficia de toda uma tradição de precisão do raciocínio, lapidada em pelo menos dois milênios de investigação, e cujas origens remontam à Antigüidade Clássica.

Na época dos grandes filósofos gregos, os fundadores do pensamento ocidental, a preocupação com a verdade e, por conseguinte, com a precisão da

condução para a verdade, levou à investigação dos mecanismos que, se seguidos, garantem um raciocínio preciso e conclusão adequada às premissas envolvidas em qualquer argumentação.

Em outras palavras, o que os gregos antigos buscavam eram maneiras de garantir que, uma vez apresentada uma argumentação qualquer, a conclusão dessa argumentação não fosse díspare com aquilo que era apresentado como premissa para conduzir à conclusão. Por exemplo:

(1)

Premissa (A) Todos os homens são mortais. Premissa (B) Platão é homem.

Conclusão (C) Platão é mortal.

O exemplo, apesar de simples, ilustra bem o que os filósofos gregos buscavam – precisão na passagem das premissas para a conclusão. E, para alcançar essa precisão na passagem das premissas para a conclusão, eles investigaram quê mecanismos garantiam a precisão de raciocínio. Fundou-se, assim, a Lógica, a partir dos estudos do filósofo grego Aristóteles.

A Lógica é a disciplina que estuda os princípios e critérios válidos de inferência. ‘Inferência’ é a passagem de premissas para uma conclusão, baseado somente naquilo que é apresentado como premissas em um argumento qualquer. Por exemplo, em (1), acima, a inferência é a passagem das premissas (A) e (B) (o argumento) para a conclusão (C). Das premissas apresentadas, seria impossível concluir que Platão é imortal, que a PUC é uma universidade, ou que Pégaso é o cavalo alado, por exemplo – essas não são inferências válidas para as premissas/argumento apresentados.

Como o que é importante na passagem das premissas para a conclusão é a precisão do raciocínio, e não o conteúdo das premissas, a Lógica não trabalha com conteúdos específicos, mas com a forma dos raciocínios. Por isso dizemos que a Lógica, assim como a Matemática, são Ciências Formais: elas lidam com a forma, e não com o conteúdo. Na Matemática, por exemplo, não importa se estamos contando maçãs ou laranjas; o que importa é que, se somarmos uma maçã com outra maçã, teremos duas maçãs, e esse mesmo raciocínio – o da soma – vale para qualquer tipo de fruta, pessoa, veículo ou

qualquer coisa que se possa imaginar, mesmo coisas diferentes (se você juntar uma maçã com uma laranja, perceberá que o raciocínio não se perde – você fica com duas frutas ou, se você somar uma maçã com um carro, fica com dois objetos). Assim, por esse caráter formal, livre de conteúdo específico, os estudos em Lógica e em outras áreas formais causam certo choque em pesquisadores de outras áreas, ou em pessoas comuns que se deparam com aparentes incongruências de raciocínio. Observe-se (2), abaixo:

(2)

Premissa (A) Todo queijo tem buracos.

Premissa (B) Buracos no queijo indicam menos queijo no total. Premissa (C) Quanto mais queijo, mais buracos.

Conclusão (D) Quanto mais queijo, menos queijo.

Perceba-se que, na passagem das premissas acima para a sua conclusão, segue-se o mesmo tipo de raciocínio envolvido no exemplo em (1) – a conclusão é condizente com as premissas apresentadas, embora intuitivamente, para a nossa percepção, seja uma conclusão estranha. Se uma pessoa qualquer tem cada vez mais e mais de alguma coisa, parece óbvio concluir que essa pessoa tem cada vez mais e mais do que quer que seja que tenha, e, não, menos. Mas, como mencionamos, a Lógica – assim como a Matemática – não se preocupa com o conteúdo das premissas, apenas com a precisão na passagem das premissas para a conclusão. E é isto que a Lógica garante, mesmo que algumas conclusões sejam contra-intuitivas ou muito estranhas para a percepção humana, como no exemplo em (2).

Para garantir que o conteúdo das premissas não interfira no processo de raciocínio lógico, a Lógica se baseia em regras. As regras, por princípio, são livres de conteúdo e garantem a precisão na passagem de premissas para a sua conclusão. Uma das regras é aquela usada nos exemplos em (1) e (2), acima, chamada de Modus Ponendo Ponens ou, simplesmente, Modus Ponens. Essa regra diz que “se P, então Q, e P, portanto, Q”, ou, em linguagem lógica, (P → Q) ^ P ├ Q. Isso quer dizer que, se temos determinadas premissas, e se essas premissas levam para determinada

conclusão, então, necessariamente, sempre que tivermos essas premissas, teremos a sua mesma conclusão.

Além da regra de Modus Ponens, existem outras regras lógicas, e todas têm o mesmo objetivo, o objetivo mais geral da Lógica: garantir a precisão na passagem das premissas de um argumento para a sua conclusão.

Como o importante é a passagem das premissas para a conclusão, e não o conteúdo das premissas e da conclusão em si, a Lógica lida com valores de verdade. Um argumento pode ser válido ou inválido, mas não ambos. Todo argumento ou é válido, ou é inválido. Isso é relevante no sentido de que o que é válido ou inválido é a precisão do raciocínio e, por conseguinte, a conclusão do argumento. Observe-se o exemplo em (3):

(3)

Premissa (A) Todos os homens são mortais. Premissa (B) Sócrates é homem.

Conclusão(C) Sócrates é imortal.

O argumento apresentado em (3) é válido ou inválido? Inválido, porque as premissas dizem que todos os homens são mortais e, dessa forma, se Sócrates é homem, então Sócrates deve ser mortal. Perceba-se que a precisão da Lógica é tal que a conclusão (C) nem mesmo poderia ser cogitada, uma vez que o predicado ‘imortal’ não aparece nas premissas do argumento.

Mas qual a vantagem de se estudar Semântica em interface com a Lógica?

O Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-RS visa a estudar, principalmente, os fundamentos das disciplinas Semântica e Lógica. Visto as dificuldades enfrentadas por qualquer área de pesquisa em países em desenvolvimento, cujas condições não são as ideais, esse tipo de abordagem, de estudo dos fundamentos de uma área, permite que aqueles engajados em pesquisas na área apliquem esses fundamentos em estudos de interface com quaisquer outras áreas. A Lógica, nesse sentido, é a pedra fundamental das ciências da computação, por exemplo. A Semântica também é uma área de alta relevância para a computação, e um pesquisador com conhecimentos

bem-fundamentados nas duas áreas têm ampla vantagem sobre aqueles que não possuem esse mesmo tipo de conhecimento.

Mantendo a interface Semântica/Lógica, o pesquisador pode construir objetos que sejam relevantes para as duas áreas. Assim, pode-se investigar com a riqueza dos estudos lingüísticos e a precisão dos mecanismos formais propriedades da natureza de certos fenômenos da significação. Observe-se o exemplo em (4):

(4) João sonhou com Maria e beijou-a.

Para a Lógica, a inferência é a de que temos duas proposições unidas por um conetivo, e nada mais: João sonhou com Maria, e João beijou Maria. Simples assim, duas proposições sem qualquer outro vínculo entre elas que o conetivo ‘e’. Mas, em uma interface com a Semântica e com a Pragmática, podemos interpretar que João sonhou com Maria e beijou Maria no sonho, e não no mundo real, inferência essa que escapa à Lógica. Nesse tipo de investigação de interface é relevante descobrir como as propriedades do conetivo ‘e’ em linguagem natural parecem contribuir para o significado composicional da expressão em (4), uma vez que, para a Lógica, o conetivo ‘e’ não tem qualquer outra função que não seja a de conectar proposições. Esse é o tipo de investigação que o Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural propõe para aqueles interessados em investigações lingüísticas – pesquisas onde um objeto seja construído de maneira relevante para todas as áreas envolvidas na interface.

E, para os interessados em estudos de outra natureza, em interfaces com outras áreas, os conhecimentos de base adquiridos nos cursos de Semântica garantem os fundamentos necessários para a construção de interfaces. Um aluno pode se propor a um estudo de interface com as Ciências Cognitivas, e investigar como o significado é interpretado pelo cérebro humano quando tem diferentes origens – será que as mesmas regiões do cérebro que são ativadas quando uma pessoa vê uma foto de alguém fazendo o número dois com os dedos são as mesmas de quando essa pessoa lê o número dois em uma folha de papel?

Assim, a riqueza maior do Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural reside no objetivo de garantir aos pesquisadores interessados em investigações na área as bases necessárias para estudos ainda mais arrojados, bem-fundamentados pelo conhecimento da construção de interfaces, pelos conhecimentos em Semântica e pelos conhecimentos em Lógica.

O Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural se propõe, enfim, a prover o que é mais básico, mas que também é aquilo que é mais importante: o que é realmente fundamento e fundamental.

3. Teses e Dissertações na linha Lógica e Linguagem Natural defendidas

No documento PESQUISA EM LETRAS (páginas 94-99)