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A sensualidade e a pureza feminina nos discursos masculinos na cidade

Foto 08 – Festa de Carnaval ocorrida na cidade de Puxinanã em 1967

3. A sensualidade e a pureza feminina nos discursos masculinos na cidade

Em Puxinanã, “[...] as mulheres seduziam a gente com aqueles vestidos, com o jeito de andar e de falar [...]” (Aristides Eloi, 2014, 67 anos), mas que cabia ao homem o “papel” de conquistar a moça e até mesmo iniciar o namoro, pois isto fazia parte dos códigos de comportamentos e do manual da boa conduta da moça honrada na cidade, visto que, se a moça porventura tomasse a atitude de conquistar e/ou iniciar o namoro, ela se tornava, nas “bocas miúdas” da cidade, uma “mulher da vida”, o que colocava sua honra em desconfiança e mancharia o nome de sua família. Porém, em meio a essa sedução feminina o homem deveria controlar os seus desejos para que não caísse na tentação, porque a mulher, “[...] usaria de todos os estratagemas para arrastar o homem para a cópula, para a carne [...]” (SCHOPENHAUER, apud, ARAÚJO, 2011, p.89). Vejamos o que nos diz BAUMAN (2004, p.12) sobre desejo:

[...] Desejo é a vontade de consumir. Absorver, devorar, ingerir e digerir – aniquilar. O desejo não precisa ser instigado por nada mais do que a presença da alteridade. [...] O desejo é um impulso que incita a despir a alteridade dessa diferença; portanto, a desempoderá-la. Provar, explorar tornar familiar e domesticar [...].

Deste modo, o homem a partir de seu desejo, desta vontade de experimentar, de provar, deveria controlar seus impulsos quando se referia à mulher, na relação com o Outro, para não cometer o ato de desonrar a moça e sua família, pois este desejo era contaminado pela sensualidade das moças e pela pureza que as mesmas carregavam em seu corpo, isto é, a virgindade. Assim o desejo que os homens sentiam pelas moças puxinanaenses precisava ser

controlado e preparado, o que envolvia o processo de subjetivação de seus corpos e os cuidados sobre suas atitudes, sobre o seu comportar-se para que os pais das moças não os confundissem com homens libertinos, levianos.

Mesmo neste jogo de sedução, a mulher tinha que exercer sua feminilidade preocupando-se com sua reputação, pois ao “[...] subir e descer a rua da festa, a gente observava todo o jeito delas, como andava, nos olhava, falavam pra ver se não era muito espalhafatosa, se usava roupas compostas e maquiagem, e com quem ela andava, se eram moças direitas, aí a gente investia no namoro [...]” (Manoel, 2014, 71 anos). O que recaía sobre as moças uma maior atenção e vigilância, uma vez que a virgindade era o meio de sua valorização e da honra familiar, pois o aproximar do suposto pretendente se daria a partir de conjunto de “atrativos” que representaria uma mulher honesta e pura, como nos apresenta Aristides (2014,67 anos):

[...] todos admiravam, as pessoas tinham muito respeito, já que naquele tempo as moças se vestiam de roupas compostas, vestidos longos, às vezes quando vento passava era ali que os homens podiam ter o prazer de ver as pernas da mulher e a sensualidade delas [...] (Aristides Eloi, 2014, 67 anos).

Com o depoimento de Aristides Eloi (2014), percebemos que os homens eram seduzidos pelos “atrativos” do corpo das moças, isto é, pelo modo de andar, pelo vestir-se, pelos cabelos, pelos olhares, pelos gestos, pelos movimentos dos quadris e claro pelo seu rosto limpo, o que caracterizava sua pureza, aguçando nos rapazes fortes desejos de prazer como, por exemplo, ao ver o vento levantar o vestido das moças e mostrar suas pernas. Assim, a “fraqueza” de alguns homens puxinanaenses estava na sensualidade e na pureza feminina, pois se deixavam seduzir pelas curvas do corpo feminino escondido embaixo dos vestidos, o que fugia de seu controle masculino, ou seja, de sua autoridade.

Os homens, a partir de Manoel, ficavam na espreita como um caçador analisando sua caça, visto que os mesmos observavam desde o modo de andar, de falar até o de vestir das moças para assim partirem para o “bote”, ou seja, para a conquista, pois aos homens e as mulheres aconteciam o mesmo processo, a paquera, para depois chegar a pedi-la em namoro. O que os diferenciava é que o homem tinha a “liberdade” social de empreender o namoro, já a moça reservava-se a espera em ser “caçada”, isto é, a pedagogização produzida sobre seu corpo era que a mesma tinha de se recatar e aguardar que o homem tomasse a atitude de enamorá-la, para que não ficasse “mal falada”.

É notório que os gestos que remetiam a sensualidade e a pureza feminina chamavam a atenção de muitos homens puxinanaenses como nos foi apresentado. Mas o que mais me deslumbra é a representação feita por estes homens, e apreendidas em entrevistas, sobre a sensualidade feminina presentes no andar, no falar calmo e delicado para não considerá-las mulheres afeitas a libertinagens dos homens; e sobre a pureza, como nos revela Manoel, que era por eles observada no modo do olhar “ingênuo” de uma virgem, de suas companhias para assim eles partirem para a conquista, pois em Puxinanã “[...] meus pais sempre dizia: Quer saber se uma moça é direita? Olha como se comporta na rua longe de seus pais e com quem ela anda, ai você vai saber se ela serve pra você casar [...]” (Didisso, 2014, 68 anos).

Assim, cabia às moças dar-se o respeito para que os homens seduzidos pudessem falar-lhe em namoro e isto ocorreria mediante a preservação da honra, ou seja, da virgindade, de conservar-se pura até o casamento, porque “[...] naquele tempo, isto era visto com muito valor, as moças eram admiradas pela sua pureza, delicadeza e sensualidade [...]” (Aristides Eloi, 2014, 67 anos). Logo, vemos que a espreita dos homens com o comportamento na rua das mulheres era bem mais forte do que na casa, como vimos no depoimento do pai de Didisso ao mesmo, que se deve observar o comportar-se da mulher e de suas companhias para enamorá-la e, quem sabe, casar.

Fica claro que a sensualidade e a pureza feminina como outrora visto, estava na virgindade, pois analisando as falas dos entrevistados percebo que a sensualidade partia do respeito que a mulher construía através de sua pureza, pois “[...] havia pouca divulgação do corpo da mulher [...]” (Tico, 2014, 69 anos), o que desperta desejos e até mesmo prazeres como vistos na abertura desta discussão. Ainda podemos aferir que a virgindade da mulher era uma questão de honra para seus familiares e para aquele que seria o “escolhido” para casar.

Neste sentido, a sensualidade e a pureza feminina foram também pedagogizados sobre o corpo da mulher, onde a delicadeza e a ternura do andar, a maneira sutil de vestir-se, e a forma ingênua de olhar e falar foi cuidadosamente produzida pelas famílias e pelas práticas de sociabilidades com o intuito de preservar os valores da honra com a honestidade feminina, a qual se associava a honra do homem, o qual era seduzido pelo cheiro, pela beleza das moças e pelas pernas mostradas no levantar do vestido com um vento forte. Aspectos que aguçava o desejo e os namoros e amores proibidos como, veremos a seguir.