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Foto 08 – Festa de Carnaval ocorrida na cidade de Puxinanã em 1967

2. Indo a feira e/ou ao cabaré? As burlas masculinas

A Casa de Dona Sebastiana ficava em rua paralela a principal rua da cidade: a Rua João Pessoa43. Nesta rua ocorriam as feiras públicas na segunda-feira – como até hoje ocorre – eram distribuídos pela rua os bancos de verduras, frutas, legumes, carnes e roupas, aonde os fregueses iam a partir das seis horas da manhã realizar as compras, porém “[...] nós da Casa de Sebastiana não podia ir pra feira na mesma hora que o povo de família, só a partir de onze da manhã é que saiamos pra comprar nossas coisas. A gente cumpria tudo o que Sebastiana mandava fazer, pra depois não ter problema [...]” (Sartadeira, 2014, 74 anos). Neste relato de Sartadeira, é notório o preconceito e a discriminação que as “mulheres da vida” sofriam por estarem numa vida que segundo os discursos familiares era uma vida desonesta e assim a punição era a marginalização social destas mulheres, que não tinha o direito de realizar suas compras no mesmo horário que as consideradas “mulheres de família”

43 Nome dado em homenagem ao ex-presidente da Paraíba João Pessoa, rua principal da cidade na década de 1960.

Nas segundas-feiras tinha também a chamada “feira de gado”, onde os proprietários de bois, vacas, galinha, galo, bodes e porcos – mesmo tendo o nome de “feira de gado” vendiam e compravam outros animais – iam negociar seus animais e após seus negócios iam para a Casa de Dona Sebastiana, onde:

[...] a gente bebia, dançava com as mulheres de lá e dependendo se a gente tivesse dinheiro suficiente a gente fazia sexo com elas. Você sabe, naquele tempo num tinha dinheiro fácil, não. Eu mesmo ia toda semana, às vezes só pra tomar uma caninha e conversar com os amigos. Eu morava no sítio e eu vinha sozinho pra rua aí minha mulher nem ficava sabendo, ela só vinha na rua nos domingos pra ir pra missa comigo e voltava na hora que terminava [...] (Dema, 2014, 76 anos)

É notório no discurso de Dema as burlas praticadas por alguns homens ao frequentarem a Casa de Dona Sebastiana, uma vez que usavam da vinda à feira para se satisfazerem com bebidas, danças, e até mesmo com sexo, mesmo sendo casado como, por exemplo, Dema, buscava em outro “lugar” prazer, pois os motivos que levavam os homens ao cabaré “[...] era o prazer sexual, mas também tinhas as festas na Casa, o famoso forró, que eu gostava de frequentar. A luz era de candeeiro44 e tinha muitas bebidas [...]” (Aristides Eloi, 2014, 77 anos). Ainda é claro na fala de Dema a prática sexual mediante ao pagamento, o que não deixava de ser uma relação de compra e venda, neste caso, do corpo feminino, do sexo, do desejo, do prazer. Chamou-me atenção quando o mesmo relatou que só transitava nas vias públicas da cidade de Puxinanã com sua esposa para vir à missa dominical, ato muito comum e praticado naquele período pelas famílias, o que seria a manutenção masculina da honra, andar na rua com uma mulher considerada direita, enquanto na Casa de Dona Sebastiana era às escondidas.

A partir destes discursos, pude aferir que o cabaré era um lugar heterotópico, onde havia danças e bebedeiras, o que fazia com que muitos outros homens e rapazes frequentassem a Casa, alguns em busca de diversão, outros de prazer. Outro ponto, presente no discurso de Aristides Eloi, é que nos anos de 1960 algumas casas na cidade de Puxinanã eram iluminadas com “luz de candeeiro” como a Casa de Dona Sebastiana, o que era diferente na cidade

44 Candeeiro: aparelho de iluminação, alimentado por óleo ou gás inflamável, com mecha ou camisa incandescente; lampião (FERREIRA, 2000, p.125).

vizinha Campina Grande45, pois “[...] em Campina já tinha luz elétrica, porque às vezes eu ia às festas de forró pé-de-serra lá, pense num tempo bom [...]” (Aristides Eloi, 2014, 77 anos). Assim, vejo que o dia feira era um dia importante, não só para os homens, porque além de negociarem na feira, encontravam no cabaré boas conversas, bebidas e ainda dançavam com as “mulheres da vida” e quem sabe, de acordo com suas posses financeiras, praticar sexo com elas; como também para as mulheres da Casa de Dona Sebastiana, inclusive para a dona do cabaré, pois era na segunda-feira que tinha o maior movimento, porém “[...] a Casa de Sebastiana abria na sexta-feira, no sábado, no domingo, na segunda-feira e na terça-feira, nos dias que Seu Raimundo ligava à difusora e os homens saiam para beber e conversar [...]” (Didisso, 2014, 69 anos).

Além de usarem a ida a feira como escapatória para ir ao cabaré, alguns homens relataram-me as práticas por eles usadas para suas esposas não desconfiarem e/ou descobrirem suas idas à Casa de Dona Sebastiana, pois:

[...] muitas vezes quando eu ia pra casa depois de ter ido lá, no cabaré, como eu bebia eu mastigava folhas de goiabeira para tirar o gosto da cana e quando fazia sexo com Morena, eu tomava banho no barreiro que tinha no sítio Canário, antes de entrar em casa para não dar pista que tinha ido lá. Porque você sabe mulher é bicho danado, se não fizer as coisa direito elas descobre e não tem pra onde correr [risos] (Didisso, 2014, 67 anos).

As burlas praticadas por alguns homens para “despistar” a vigilância de suas esposas e assim escaparem das cobranças de fidelidade fica mais clara no relato de Didisso, uma vez que o mascar folhas de goiabeira46 para não demonstrar que teria tomado bebida alcoólica e o banhar-se no “barreiro47 para limpar o corpo dos prazeres do cabaré. Logo, essas burlas eram praticadas por alguns homens residentes na zona rural de Puxinanã. Já alguns da zona urbana usavam como meios de darem suas “escapadinhas” ir “[...] jogar sueca na casa de um amigo, mas era pra eu ir pra Casa de Sebastiana. Eu dizia que ia dar uma volta na rua pra disparecer e conversar com os amigos lá Difusora, mas eu ia mesmo era pro cabaré. A gente quando é novo num pensa muito não no que faz [...] (Zé Araújo, 2014, 71 anos)”.

45 Campina Grande é uma cidade do interior da Paraíba que fica cerca de 113,45 km da capital João Pessoa. 46

Goiabeira: planta frutífera, que tem nas suas folhas um gosto acentuado e um forte aroma de bom agrado. Busquei experimentar a mastigação de tal folha para sentir o que Didisso me dissera em entrevista.

Não podia deixar de mencionar o certo arrependimento das práticas de Zé Araújo, apresentado no seu discurso, quando o mesmo diz que quando novo não refletia sobre suas atitudes e o que elas poderiam ocasionar para ele e para aqueles que com ele convivia. Entretanto, para não parecer que o entrar e o sair da Casa de Dona Sebastiana fosse algo desregrado, ou seja, não se davam da forma que os homens desejassem, existia no cabaré normas e regras tanto para as “mulheres da vida” como para os homens que lá iam à busca de divertimento e de sexo.

Entretanto, nem sempre alguns homens conseguiam com suas práticas enganar suas esposas nas suas idas e vindas do cabaré, pois “[...] a gente ia escondido, mas quando a bomba estourava, alguns dos casamentos chegaram a acabar. No meu caso tinha muita confusão quando chegava em casa. Uma vez minha esposa foi até o cabaré para me procurar e ver se eu estava por lá [...]” (Aristides Eloi, 2014, 77 anos). Aristides Eloi, em seu relato, apresenta as relações matrimoniais desfeitas por causa da presença do marido na Casa de Dona Sebastiana, ressaltando as confusões em seu casamento por ele frequentar o cabaré. É relevante em sua fala, a representação da mulher destemida que ia ao cabaré na busca de encontrar seu esposo. Essas narrativas apontam as relações de poder, nas quais as “esposas” eram “temidas”, pois havia receio de que elas descobrissem as idas dos maridos ao cabaré, brigassem, acabasse o casamento.

3. Códigos de sociabilidade: o feminino e o masculino sob as normas de Dona