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CAPÍTULO II – O PERCURSO METODOLÓGICO

2. A singularidade do contexto da UNILA

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) foi o contexto escolhido para a pesquisa. Esclareço, neste ponto, os critérios que me levaram à sua escolha, assim como algumas das suas principais características e do território em que está inserida, a fim de fazer uma contextualização global do terreno.

Para a definição da UNILA, buscaram-se ambientes universitários que estivessem em consonância com os seguintes critérios: a) uma universidade inserida na América Latina e b) uma universidade que demonstrasse o intuito, expresso na sua missão e nos seus objetivos, de buscar a diversidade no seu espaço. Como justificação, o critério a) remete ao que foi abordado no capítulo anterior, no que se refere ao colonialismo e à produção de uma ciência hegemônica. Assim, o presente trabalho buscou conhecer uma realidade de resistência, de um contexto que passou pelo processo de colonização, onde houvesse alguma probabilidade de encontrar uma perspectiva pós-colonial. Ainda, enquanto brasileira e latino-americana, tive um especial cuidado com esta definição, pela possibilidade de pesquisar em um território que me é mais conhecido. O estabelecimento do critério b) justifica-se no entendimento, oriundo da base teórica analisada, de que uma universidade de várias vozes pode contribuir para a produção e disseminação de um conhecimento mais plural, tendo um potencial de trazer mudanças para a ciência.

Por meio de uma pesquisa por diferentes meios, entre artigos e sites intitucionais, foi identificada a UNILA. A motivação para a escolha desta universidade, como contexto, explica- se pelo seu projeto inovador, que tem, na sua essência, a integração latino-americana, como consta no site institucional: “a vocação da UNILA é a de ser uma universidade que contribua

19 Tradução própria: “o estudo de casos é o estudo da particularidade e complexidade de um caso singular, para

40 para a integração latino-americana, com ênfase no Mercosul, por meio do conhecimento humanístico, científico e tecnológico, e da cooperação solidária entre as instituições de ensino superior, organismos governamentais e internacionais” (UNILA, 2019: Projeto Pedagógico). Ademais, é uma universidade bilíngue que, por processo seletivo, dispõe de 50% das vagas para estudantes brasileiros/as e 50% para não brasileiros/as da América Latina e Caribe (UNILA, 2019: Formas de ingresso). A UNILA é singular no seu propósito de ser uma universidade da América Latina e para todas as pessoas desta.

Para uma caracterização mais detalhada da universidade e do território em que se localiza, divido esta exposição em duas subseções. Na primeira, será analisado o site institucional da UNILA e, na segunda, será referida a região peculiar em que a universidade se encontra.

2.1 Um olhar para o conteúdo do site institucional

Conforme descrito no site (UNILA, 2019), a Universidade Federal da Integração Latino- Americana começou a ser estruturada em 2007, tendo, então, passado pelo Congresso Nacional e, em 2010, sido criada, pela Lei Nº 12.189, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (UNILA, 2019: História). A universidade “iniciou suas atividades acadêmicas ainda em 2010, no dia 16 de agosto. Na ocasião, a universidade já tinha cerca de 200 alunos oriundos do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, subdivididos em seis cursos de graduação” (UNILA, 2019: História). Assim, como primeiro ponto a salientar, é importante registrar que a UNILA é uma universidade recente, tendo iniciado suas atividades há menos de 10 anos. Ademais, necessário referir que se trata de uma universidade brasileira federal pública, sendo, portanto, totalmente gratuita para quem estudar nela.

Quanto ao seu Projeto Pedagógico, consta no site: “a UNILA procura contribuir para a integração latino-americana, reconhecendo a diversidade das identidades nacionais e os elementos que cimentam nossas raízes e nosso destino comum enquanto continente diante do mundo globalizado” (UNILA, 2019: Projeto Pedagógico). Desse modo, a universidade tem um Projeto que se relaciona diretamente com a intenção de integrar a América Latina, pensando na sua pluralidade.

No que se refere às formas de ingresso, são apresentadas diferentes formas de seleção para a UNILA, quais sejam: SISU – Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), para brasileiros/as; Música com processo seletivo próprio; Selección internacional para estudantes

41 não brasileiros/as da América Latina e do Caribe; Transferência e Aproveitamento do Diploma; Refugiados e Portadores de Visto Humanitário para candidatos/as que tenham status de refugiado, sejam solicitantes de refúgio ou portadores de visto humanitário reconhecido no Brasil; e Povos Indígenas para candidatos/as do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Uruguai, Venezuela, Paraguai, Equador e Peru (UNILA, 2019: Formas de ingresso).

Nas formas de seleção, o modo brasileiro é por meio do ENEM, uma prova que é realizada a nível nacional (UNILA, 2019: Formas de ingresso). A seleção internacional ocorre para os países da América Latina e Caribe, com exceção do Brasil, e tem, como principal instrumento de classificação, a análise dos históricos escolares, sendo totalmente gratuito o processo de seleção (UNILA, 2019: Selección internacional). Para o ingresso de Refugiados e Portadores de Visto Humanitário, a seleção é também pelos históricos escolares e há a exigência de que “os candidatos morem há mais de seis meses no Brasil ou em outro país latino-americano ou, ainda, apresentem certificado de proficiência em língua portuguesa” (UNILA, 2019: Refugiados e Portadores de Visto Humanitário). Por fim, para o ingresso de Indígenas, a seleção é também pelos históricos escolares, sendo necessária, entre os documentos a serem apresentados, uma declaração de pertencimento do/a candidato/a a uma comunidade indígena, assinada pelas lideranças (UNILA, 2019: Povos Indígenas). Em caso de aprovação, a UNILA pode fornecer assistência financeira a esses estudantes.

Conforme notícia20 destacada no site, a UNILA, para o ano de 2019, contou com 1.546

inscritos na Selección internacional, com interessados/as de: “o maior número de inscritos veio da Colômbia (396), Paraguai (259), Venezuela (254), Peru (140), Haiti (125), Nicarágua (76) e Argentina (59)” (UNILA, 2018: notícias/seleção). Para a seleção de Refugiados e Portadores de Visto Humanitário, inscreveram-se um total de 128 pessoas, todas residentes do Brasil há mais de seis meses, mas o que se diferenciou foi a inscrição de candidatos naturais de outros continentes: “há candidatos oriundos de países da África (Angola, Benin, Costa do Marfim, Gana, Guiné-Bissau, República do Congo, Senegal e Uganda), da Ásia (Palestina, Paquistão e Síria) e da Europa (Rússia e Turquia)” (UNILA, 2018: notícias/seleção). Para povos indígenas aldeados da América do Sul foram registrados 195 inscritos, sendo 123 do Brasil. Com isso, tiveram, ao todo, estudantes de 36 países nas modalidades de seleção para estrangeiros (UNILA, 2018: notícias/seleção). Portanto, denota-se, dessas informações, a pluralidade de pessoas que se inscrevem e são selecionadas para ingressar num dos cursos da UNILA.

20 https://portal.unila.edu.br/noticias/selecoes-internacionais-da-unila-receberam-inscricoes-de-candidatos-de-36-

42 Com relação aos cursos de graduação e mestrado, observo que, para a graduação, há o Ciclo Comum de Estudos, exigível para todos/as os/as estudantes e com duração de três semestres, contendo o estudo sobre Fundamentos da América Latina, Epistemologia e Metodologia, e Línguas – Português para hispanofalantes e Espanhol para brasileiros/as –, como também os seguintes cursos de graduação:

1) Administração Pública e Políticas Públicas; 2) Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana, 3) Arquitetura e Urbanismo, 4) Biotecnologia, 5) Ciência Política e Sociologia – Sociedade, Estado e Política na América Latina, 6) Ciências Biológicas – Ecologia e Biodiversidade, 7) Ciências da Natureza – Biologia, Física e Química, 8) Ciências Econômicas – Economia, Integração e Desenvolvimento, 9) Cinema e Audiovisual, 10) Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, 11) Engenharia Civil de Infraestrutura, 12) Engenharia de Energia, 13) Engenharia de Materiais, 14) Engenharia Física, 15) Engenharia Química, 16) Filosofia – Licenciatura, 17) Geografia – Bacharelado, 18) Geografia – Licenciatura, 19) História – América Latina, 20) História – Licenciatura, 21) Letras – Artes e Mediação Cultural, 22) Letras – Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras, 23) Matemática – Licenciatura, 24) Medicina, 25) Música, 26) Química – Licenciatura, 27) Relações Internacionais e Integração, 28) Saúde Coletiva e 29) Serviço Social. (UNILA, 2019: Graduação)

Enquanto, no mestrado:

1) Mestrado em Biociências, 2) Mestrado em Biodiversidade Neotropical, 3) Mestrado em Economia, 4) Mestrado em Engenharia Civil, 5) Mestrado em Física Aplicada, 6) Mestrado em História, 7) Mestrado em Integração Contemporânea da América Latina, 8) Mestrado Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos, 9) Mestrado em Literatura Comparada, 10) Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento, 11) Mestrado em Relações Internacionais. (UNILA, 2019: Mestrado)

Portanto, conforme exposto, a UNILA conta com o Ciclo Comum de Estudos, 29 cursos de graduação e 11 de mestrado, os quais abrangem diferentes áreas de conhecimento.

No que se refere a grupos de pesquisa, considero pertinente registrar como são apresentados no site “a pesquisa tem como objetivo formar recursos humanos para a investigação, produção e difusão do conhecimento científico, em articulação com o ensino e a extensão” (UNILA, 2019: Pesquisa na UNILA). Esta articulação, entre ensino, pesquisa e extensão, também se mostra intencional na apresentação dos programas de extensão: “é constituído como processo educativo, cultural, científico e político que, articulado de forma indissociável com o ensino e a pesquisa, viabiliza e media a relação transformadora entre a universidade e a sociedade” (UNILA, 2019: Programas e Projetos). Parece haver, então, o intuito de valorizar a relação entre as três dimensões.

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2.2 Uma universidade de integração latino-americana na Tríplice Fronteira

Este tópico adquiriu grande relavância de ser escrito por dois motivos específicos: a) falar da América Latina é falar de política e história. Ao fazer uma pesquisa inserida no seu território, é imprenscindível contextualizá-lo e b) quando passei a conversar com colegas e professores/as sobre onde faria minha dissertação, muitos mostravam dúvidas e interesse em conhecer mais a região e entender quem era este potencial público de discentes e docentes que a UNILA se propunha a receber. Portanto, apresento, nas próximas linhas, alguns esclarecimentos sobre a região.

O território onde a Universidade Federal da Integração Latino-Americana encontra-se é bastante peculiar para o Brasil e para a América Latina como um todo. Isto se justifica pelo fato de ser uma região fronteiriça, denominada Tríplice Fronteira, que abrange o Brasil, o Paraguai e a Argentina (com três principais cidades: Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazú respectivamente), tendo cerca 258.823 habitantes em Foz do Iguaçu (Censo IBGE, 2018), 281.422 habitantes em Ciudad del Este (DGEEC, 2015) e 82.227 habitantes em Puerto Iguazú (INDEC, 2010). É uma região conhecida pelo trânsito diário de pessoas entre os países, pelo comércio e pelas trocas culturais.

Em Foz do Iguaçu, cidade sede da UNILA, há uma diversidade cultural, caracterizada por processos migratórios ocorridos na região, como, por exemplo, imigrantes árabes. Ademais, em 1970 começou a ser construída a Usina Hidrelétrica de Itaipu, o que trouxe pessoas de outros lugares do Brasil para trabalhar na Itaipu, tendo um aumento de cerca de 385% no número de habitantes (IBGE, 2010) em relação ao período anterior à instalação da Usina. Esta cidade, assim como Pueto Iguazú, é também conhecida pela paisagem das Cataratas do Iguaçu, recebendo anualmente turistas de diversos países.

A Tríplice Fronteira insere-se num complexo maior, qual seja: a América Latina. Esta área abarca cerca de 700 milhões de habitantes, 12 países na América do Sul, 07 na América Central e 14 no Caribe (Araujo, 2006). Apresenta, entre idiomas nativos, mais de 400 línguas diferentes, divididas em 99 famílias (Unicef & Andes, 2009), tendo português e espanhol como línguas consideradas oficiais na maioria desses países.

A América Latina foi vítima do colonialismo a partir de 1492, o que ocasionou a dizimação de muitos povos indígenas, o silenciamento de línguas, a invasão de terras e a retirada de riquezas naturais. Foi um tempo de opressões que marcou a história da região, que, posteriormente, sofreu também interferências britânicas e norte-americanas. Galeano (2004)

44 relata a situação latino-americana perante o mundo: “a história do subdesenvolvimento da América Latina integra (...) a história do desenvolvimento do capitalismo mundial” (Galeano, 2004: 14).

Portanto, a UNILA encontra-se numa região singular, reunindo, no seu espaço, um público diverso, que traz uma bagagem cultural e histórica percorrida por silenciamento, opressão e pluralidade. Assim, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana traz uma possibilidade de abrir uma ponte de trocas de saberes e culturas, como também aspectos sociais e políticos. A região da América Latina e Caribe caracteriza-se por ser um grande território, de uma enorme diversidade de pessoas e costumes, e é, então, bastante pertinente pensar nos contributos que essa interação pode trazer, como o reconhecimento e respeito mútuo entre cada pessoa envolvida (Yapu, 2013).