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PROCESSO DE “ESVAZIAMENTO”

I) A socialização: mercado e panoptismo

No pátio central do shopping constatamos que as lojas são do segmento de calçados, livraria, importados, colchões, agência bancária e roupas. Subindo para o segundo e terceiro piso, predomina-se as lojas do segmento vestuário. Ainda no terceiro piso o shopping possui duas praças de alimentação (sendo que uma é mais recente do que a outra) e dois espaços de jogos e de brinquedos infantis. Por isso, o shopping apresenta à seus freqüentadores fundamentalmente três distintas funcionalidades: consumo (compras), diversão e lazer.

Questionamos porque a “praça de alimentação” se localizam no terceiro piso? A sua localização neste piso funciona estrategicamente com o intuito de induzirem os freqüentadores do shopping às compras constituindo-se enquanto um mecanismo de socialização? Como uma praça de alimentação no terceiro piso pode induzir as pessoas ao consumo?

Às 21 horas, depois de entrevistar algumas pessoas nas praças de alimentação como descrito anteriormente e de nos vermos diante de uma nova questão, e afim de investigá-la empiricamente com melhores condições, decidimos retornar somente no dia seguinte (09/07/2005) porque consideramos o tempo de uma hora insuficiente para realizarmos este levantamento, pois o “horário de funcionamento” das atividades no shopping se encerra às 22 horas.

Então, a estratégia traçada foi investigar durante quatro sábados ( nas datas de 09 e 30 de julho, e 06 e 13 de agosto do ano de 2005) entre os horários de 17 e 20 horas (horário de maior movimentação no Iguatemi) seja na praça de alimentação ou no parque de diversão da loja Visão, ambas no terceiro piso, uma amostra significativa que nos evidencia-se o fato da praça de alimentação não estar de forma aleatória no terceiro piso. Para constatar este fato, selecionamos aleatoriamente 60 pessoas com o objetivo de responder as seguintes perguntas: 1) Você veio ao shopping HOJE para fazer o quê? 2) No percurso do primeiro ao terceiro andar compraste alguma coisa sem ter sido este o motivo de vir ao shopping Iguatemi? Caso SIM, 3) porque?

Dividimos os 60 entrevistados por sábados selecionados, totalizando 15 entrevistas por dia distribuídas da seguinte forma: nos dias 9 e 30 de julho coletamos depoimento da praça de

alimentação e nos dias 6 e 13 de agosto no parque de diversão da loja Visão, totalizando 30 entrevistados em cada uma. O requisito central que nos orientamos para selecionar a amostra baseou-se no motivo que levou os entrevistados ao shopping, o qual coincida com qualquer uma função que ele oferece, aqui já listadas, que não seja a do consumo, a do “fazer compras”.

A pesquisa demonstrou que, no percurso que os depoentes fizeram do 1.º ao 3.º piso do S.I.B., os quais objetivavam “apenas passear”67 pelo shopping, 47 dos 60 entrevistados na amostra se sentiram induzidos pelas vitrines das lojas (as quais estampam “promoções”, “liquidações”) os “levando” a comprar determinado(s) produto(s) sem antes ter planejado.

Nessas circunstâncias, o S.I.B. assume um modelo arquitetônico que é utilizada constantemente como estratégia de organizar (racionalmente e antecipadamente planejada) os espaços (“os meios” por exemplo) visando socializar um padrão “de circulação de pessoas” que induza os freqüentadores ao consumo material. Ou seja, o comportamento dos agentes sociais é, nesta perspectiva, moldados por um tipo de socialização que o direcione ao consumo. Porque e para quem é significativo socializar o comportamento dos freqüentadores do shopping para um “consumo constante”? Tendo em vista as primeiras considerações aqui expostas, podemos afirmar que é significativo porque dinamiza o próprio mercado capitalista no qual o shopping está inserido.

Compreendi então a necessidade de aprofundar a investigação empírica, e assim foi realizadas algumas entrevistas onde se destacou uma amostra significativa de depoentes. Em seguida elaboramos um questionário68 que nos proporcionou um levantamento de relatos relevantes durante as entrevistas.

Selecionamos uma amostra de 8 indivíduos com idade entre 15 e 19 anos de idade, entrevistados nos dias 18 e 19 de agosto, os quais constituíram o Grupo de Entrevistados 04 (G.E.4). As entrevistas com este grupo possibilitaram interpretar qualitativamente que os entrevistados, apesar de saber que não podem “ficar parado durante muito tempo na frente de uma loja no shopping para não atrapalhar a passagem das outras pessoas”69 (GE4, Entrevista

67 Este termo abrange os encontros, os momentos de ir ao cinema; jantar, ou almoçar, ou “lanchar” na praça de alimentação; brincar no parque de diversão do shopping, etc.

68 Questionário G.E.4.

01) não compreendem intelectualmente, nem como disciplina ou nem como padrão de comportamento, o porquê deste fato.

Os informantes, a este respeito, consideram “NORMAL” a atitude própria de “sempre

circular, e quase nunca parar”, pelos corredores dos shopping, reforçando ainda que o local “que serve para parar e conversar” são as praças de alimentação. Estamos diante de um processo de socialização o qual se manifesta de maneira de disciplinar sutilmente os freqüentadores do shopping. Nos encontramos na seguinte situação neste momento: qual sistema teórico pode empregar para interpretar e tipificar esta forma de socialização de forma significativa?

Para compreender como se desenvolve a socialização no shopping Iguatemi Belém, a pesquisa teórica revelou que a partir de Michel Foucault (1987), podemos interpretar como o comportamento dos freqüentadores do shopping é socializado, pois acreditamos ser possível fazer uma analogia entre a sua obra Vigiar e Punir e o Iguatemi, já que podemos evidenciar neste último um fator determinante encontrado por Foucault nas prisões e que faz parte do “mecanismo particular” do S.I.B.: a disciplina. A disciplina só é possível através de um mecanismo de socialização, e como o Iguatemi é um espaço fechado, onde freqüentadores e funcionários estão sob vigilância constante, é possível fazer uma analogia do shopping como o tipo de socialização que Foucaul (1987) denomina de “Sistema Panóptico”.

O panoptismo é uma “máquina de ver é uma espécie de câmara escura em que se espionam os indivíduos; ela torna-se um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira” (FOUCAULT, 1987:171). Então, é reservado ao sistema panóptico a missão de se difundir no corpo social; assumindo uma função generalizante; além do mais, procura se amplificar organizando o poder, não pelo próprio poder ou em nome da salvação imediata de uma sociedade ameaçada, por exemplo, pelo “aumento da

criminalidade” e através da “fala do crime”; objetivando na verdade tornar mais fortes as

forças sociais que garantem por exemplo, uma forma de endossar, o que para a nossa pesquisa é importante, um arranjo que possa assegurar o a dinâmica do mercado através do “consumo constante”.

É na perspectiva da sociabilidade que concordamos com o ponto de vista de Foucault (1987:179), o qual alude que, de maneira global, a disciplina consiste em “[...] técnicas para

assegurar a ordenação das multiplicidades humanas”; definindo em relação a essas multiplicidades estratégias de poder que pressupõem a responder três critérios básicos: 1) é “tornar o exercício do poder o menos custoso possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta; politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita) (FOUCAULT, 1987:179); 2) “fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso, nem lacuna” (idem); e 3) “ligar enfim esse crescimento ‘econômico’ do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais exerce (sejam os aparelho pedagógicos, militares, industriais, médicos)” (ibid, 179-180). Foucault (1987) alude que a disciplina tem o propósito de fazer crescer, ao mesmo tempo, a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema, distribuindo os papéis sociais.

A disciplina está em todos os espaços, com moldes diferentes. Se propaga para além das fronteiras das prisões e das escolas, pois segundo Foucault (1987), tem a tendência de se desisntitucionalizar. Ainda, não mais cabe simplesmente em neutralizar o “perigo” (“discurso

unificado”), mas assumir o papel positivo de aumentar a utilidade do indivíduo.

Nesta perspectiva, os visitantes e funcionários do S.I.B. assumem o papel, pelo menos na maioria de sua ações, de vigiar o comportamento das outras pessoas, e desta forma se comportam. No S.I.B., por exemplo, os funcionários responsáveis pela segurança do estabelecimento, além de estarem todos munidos com rádio transmissor e/ou auxiliados por câmeras de segurança (vídeo-filmadora de vigilância) escondidas, tornam-se visualmente habilitados em antecipar situações de furtos de mercadorias no interior do Shopping. Então, a disciplina concerne num conjunto de minúsculas invenções técnicas que possibilitaram aumentar a extensão útil das multiplicidades diminuindo os inconvenientes do poder que deve regê-las, justamente por torná-las úteis à próprio processo de socialização.

O shopping Iguatemi Belém possui cinco pavimentos de andares: um sub-solo de lojas (denominada Alameda São Pedro); três andares de lojas; e o último andar onde se tem a administração do estabelecimento. A sua arquitetura fechada nos remete a (re)pensá-lo como um presídio, porém, se tomarmos este fato isoladamente, tal analogia não se realiza. Desta forma, é necessário encontrarmos uma base empírica mas consistente do que os exemplos expostas até aqui que apóie a analogia que estabelecemos enquanto pressuposto de análise na concepção do Shopping Center Iguatemi Belém (na perspectiva da socialização) enquanto um

sistema panóptico na forma como Foucault (1987) dá ao termo. Vejamos o que ele (1987:170) diz sobre o Panóptico:

É polivalente em suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e ociosos. É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões. Cada vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico poderá ser utilizado

Foucault, nesta pequena citação, nos mostra elementos constitutivos do sistema panóptico; elementos esses que podemos observar também no shopping Iguatemi. Faremos a analogia com o S.I.B da seguinte forma: transcreveremos trechos da citação anterior para interpretar os dados empíricos considerando os aspectos comportamentais dos agentes sociais (BOURDIEU) em suas relações mútuas no shopping Iguatemi Belém.

Vejamos: “É polivalente em suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários[...]”. Este primeiro trecho nos indica a relação que há entre a disciplina e os agente sociais (BOURDIEU) que freqüentam o shopping Iguatemi, tais como os clientes por um lado, e por outro os diversos tipos de funcionários: vendedores, gerentes, administradores do shopping e das lojas, segurança, marketing.

O panóptico é um sistema socializador que distribui os papéis sociais no interior do shopping. Todos os funcionários do shopping Iguatemi Belém conhecem seu lugar no cargo, por isso sabem que têm um papel a executar; são instruídos sobre: o papel de seu cargo; como deve ser eficiente na execução do trabalho; sobre como devem se comportar e se comunicar com o público (clientes) que visita o shopping; sobre possíveis penalidades por causa da má execução do trabalho (que varia do desconto no salário até a demissão por justa causa); etc.

Enquanto conversava com uma amiga, no dia 14/08/2005, uma ex-funcionária do shopping Iguatemi, aqui identificada por “Vana”, consegui o seguinte depoimento70 a respeito do período de 7 meses que trabalhou no shopping (de agosto de 2004 a março de 2005):

“Nosso dia começa assim: eu chegava às 9:30hs para arrumar a lojas antes do shopping abrir (o S.I.B. abre às 10:00 e fecha às 22:00), quando dava 10 horas já estávamos prontas pra receber o público, eu vinha embora às 16 horas, quando trabalhava a noite, eu chegava as 16 horas e saía às 22:15, ás vezes até depois das dez e meia (22:30hs) [...] só começava fechar a loja às 22 horas no mínimo, dependia do movimento [...] a gente tem que ficar todo tempo em pé, não podíamos comer fora da hora do lanche que é de 15 minutos, não podemos chegar atrasadas, temos que ficar todo tempo sorrindo para os clientes, mesmo quando a gente tá doente, fazer cursos para melhorar o atendimento ao público [...] (quem oferece estes cursos?) o Iguatemi e a loja onde trabalho [...] (o quê era ensinado nesses cursos?) ah, muitas coisas, como tratar bem os clientes, como agir com os outros funcionários, como melhorar as vendas, etc. [...] (tem alguém vigiando o que você faz na loja? Quem?) Sim, o gerente e os ‘seguranças’ do Iguatemi [...] (você vigiava os clientes?) Sim, porque a gente não sabe né? Podem roubar alguma coisa e ai só dá pro meu [...] (como assim?) eu ia ter que pagar o produto, entendeu? [...]”

Este depoimento exemplar é reflexo de como os funcionários do S.I.B. estão envolvido em uma espécie de socialização onde sobressai o caráter disciplinador e “hierarquizante”, pois abre espaço para as relações hierarquizadas no shopping, já que cada funcionário assume um papel que dê conta de estabelecer um comportamento padrão no qual o agente social deve atuar enquanto funcionário do estabelecimento. Ao fugir do comportamento padrão, logo o(a) funcionário(a) recebia intervenção de “seus superiores” (os gerentes das lojas por exemplo).

Os freqüentadores do shopping também experienciam este tipo de socialização, pois a partir da analogia com o trecho “[...] fazer trabalhar os mendigos e ociosos”, podemos compreender o porque que a arquitetura do shopping Iguatemi Belém influencia (condiciona) no comportamento dos seus visitantes, como aqui já exemplificamos empiricamente nas páginas anteriores. A disposição dos espaços, através de como o shopping é arquitetado (aqui já demostrado) conduz os agentes sociais à um contato com uma forma de socialização que induz o “permanente caminhar” pelos corredores do shopping. Por meio deste sistema socializador podemos compreender como uma praça de alimentação no terceiro piso pode

70 Coletamos este relato na residência da depoente, e pelo caráter relevante, decidimos “aproveitá-lo” por ajudar na elucidação da discussão.

induzir as pessoas ao consumo, pois o panoptismo objetiva “fazer trabalhar os funcionários e caminhar os cliente ociosos por consumo” (grifo meu).

O segundo trecho da citação de Foucault (1987): “É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção, que se podem utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões.”; desvenda um sistema socializador e disciplinador que distribui os indivíduos nos espaços segundo os papéis sociais que eles assumem, organizando espaços bem definidos, tornando nítida a distinção de funções de cada agente social no shopping Iguatemi Belém.

Na perspectiva da socialização, o S.I.B. disciplinarmente cuida, guarda e instrui seus visitantes e funcionários a respeito de eminentes perigos externos ao shopping. Fiscaliza o fluxo de entrada, permanência e saída de pessoas do shopping. Fiscaliza ainda em termos de comportamento, os diversos agentes sociais que visitam e trabalham no estabelecimento, assim como, fiscaliza a exclusão de personagens de seu interior, como o “mendigo”, o “pedinte”, por exemplo. Puni as pessoas que cometem infrações no interior do shopping. A questão do “cuidado” é uma noção não apenas identificada no comportamento (como papel social) dos chamados “seguranças”71, mas também no comportamento e discursos dos entrevistados (GE3) no Iguatemi, como exemplificado nas citações a seguir:

“Nós ficamos observando quem entra no shopping, quem sai, quem faz confusão, brigas, algo desse gênero! [...] (você fazem o que com as pessoas que têm esse tipo de comportamento?) nós chamamos a atenção com respeito e na pior das hipóteses ou nós levamos à sala de segurança que fica no subsolo ou pedimos que se retire do shopping [...] (há tipos de pessoas que vocês não podem deixar entrar no shopping? Caso SIM, quais e porque?) Tem sim, tipo mendigo, moleques de rua, vendedores ambulantes, etc., porque eles ficariam abordando as pessoas e elas não gostam disso. [...] (o que vocês fazem para evitar furtos aqui dentro do shopping?) nós ficamos observando as pessoas, as entradas das lojas nos ajuda porque tem alarmes e qualquer coisa os vendedores ou às vezes os gerentes nos avisam também, as filmadoras também ajudam, há todo um sistema de segurança para evitar esse tipo de coisas [...] (Já aconteceu tentativa de furto aqui no shopping? Caso Sim, a pessoas seria de qual classe social?) já sim, da classe pobre, mas temos muitos casos de pessoas

71 Este termo foi criado e portanto citado pelo próprios entrevistados, e é utilizado para designar os funcionários do Shopping Iguatemi responsáveis por preservar a segurança no interior do estabelecimento.

da classe média mesmo” (Agente de segurança, não quis se identificar,

08/200572)

“Entrevistador: ‘Estar no shopping significar o que?73’ Entrevistado:

‘Ser Moderno, Estar na Moda, Conforto, Segurança’. Entrevistador: ‘Estar no Centro Comercial de Belém (RJA) significa o que?74

Entrevistado: ‘Não ser moderno, Não estar na moda, Não conforto, Perigo’”. (GE3, 18 anos, M, Entrevista 01, 05/07/2005)

Podemos perceber que há no interior do Iguatemi uma organização hierárquica que gera por sua vez relações sociais hierarquizadas, definindo e redefinido as relações de poder no interior do shopping, definindo e redefinindo por outro lado os instrumentos e modos de intervenção que dinamizam o poder, impondo tipos de comportamentos conforme os papéis sociais atribuído à cada agente social. O Panóptico é: “(ressalvadas as modificações necessárias) aplicável a todos os estabelecimentos onde, nos limites de um espaço que não é muito extenso, é preciso manter sob vigilância um certo número de pessoas”75. Assim, o Shopping Iguatemi Belém, se enquadra neste perfil porque a sua arquitetura fechada e abastecida de um sistema de vigilância possibilita observar tanto o comportamento dos funcionários como o dos freqüentadores.

O sistema de vigilância (através de recursos inteligentes, tais como câmeras de vídeos eletrônicas no estacionamento, nos corredores e na praça de alimentação, e os chamados “seguranças”76) é significativo porque ao “vigiar” o desempenho “profissional” dos funcionários, contribuindo para aumentar, por assim dizer, a produtividade nas vendas e nos serviços oferecidos pelo shopping aos freqüentadores.

Esta lógica de socialização através da vigilância atende às necessidades do mercado por contribui com o aumento da produtividade o qual conduziria ao aumento do capital (MARX, 1978). Segundo a ex-funcionária aqui identificada como “Vana”, os vendedores das lojas devem fechar uma espécie de “cota de vendas”77 que funciona da seguinte forma: por dia um vendedor tem que atingir um valor (a cota) de mil reais por dia para obter sobre no salário

72 Selecionamos aleatoriamente este depoente no dia 08/2005 com o objetivo de saber a sua função no Iguatemi Belém. E como os Agentes de Segurança têm seus nomes numa lista de Escalas, preferimos apenas mencionar o mês e ano da entrevista.

73 Questão 27 do questionário GE3. 74 Questão 28 do questionário GE3.

75 Cf. Ph. Ariès, L’Enfant et la famille, 1960, p.308-313, e G. Snyders, La Pédagogie em France aux XVIIe et

XVIIIe siècles, 1965, p. 35-41.

76 Outros detalhes do sistema de segurança do shopping Iguatemi não puderam ser divulgados por regras do estabelecimento por se tratar de “segredos” do próprio sistema de segurança.

77As “cotas de vendas” diferem em valor e em comissão de loja para loja, de setor para setor no shopping Iguatemi Belém.

uma gratificação que os vendedores chamam de “comissão”: “assim, em uma loja como a nossa”, como nos diz “Vana”, “todo mundo tá vigiando todo mundo para vê quem estar trabalhando ou não, e também para cada um ajudar na cota do outro quando os outros próprios vendedores aceitam isso, porque tem gente que não gosta de dividir né?”. Esta ex-funcionária ainda revela que “a pontualidade no horário é fundamental e é uma das razões que mais os patrões demitem seus funcionários”.

A regra de condutas imposta pelo “mercado dos empregos” que ameaçam os funcionários de demissão faz com que estes submetem seus comportamentos às regras pré- estabelecidas nas lojas do shopping. A imposição do mercado coloca dividi as decisões dos funcionários em ganhar (as comissões quando conquistadas pelo “fechamento” da cota) ou perder (demissão). Outro exemplo deste “ganha ou perde” diz respeito ao tempo associado ao

espaço. Dois exemplos nos orientam nesta análise: 1.º) o slogan do “Campinas Shopping” que explana: “Poupa Tempo - Campinas”78; e 2.º) a afirmação do Presidente da Confederação de Turismo, Nelson de Abreu Pinto, em uma revista especializada em Shopping Center (Revista Alshop Notícias, Nov.2001:9) de que as praças de alimentação “são um serviço a mais que o shopping oferece ao consumidor, contribuindo para que ele passe mais tempo dentro do estabelecimento, possibilitando maior número de vendas”.

O primeiro apresenta o shopping como o lugar que o freqüentador ganha tempo na

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