• Nenhum resultado encontrado

5 INOVAÇÕES E PERMANÊNCIAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA: A

5.2 A socialização profissional

Todas as entrevistadas lembraram a relevância de valorizar os conhecimentos prévios e cotidianos dos alunos e buscar o conhecimento indispensável para o trabalho na alfabetização. A esse respeito, assim se pronunciou uma formadora:

Aprendi a compartilhar o conhecimento. Aprendi que a gente só cresce com o outro. Comungar de forma coletiva desses anseios, as dúvidas. Não tem outro caminho a não ser o compartilhar o saber e se estar aberto para aprender, querer aprender, ter um lugar para aprender. Se a gente estiver fechado a gente não aprende. Ter que estar aberto para aprender aquilo que você não sabe. Deixar aquele lugar aberto para que o conhecimento, de fato, possa entrar. Desafiar. Não ter medo de errar. Acho que foi uma das coisas que me faltou em minha vida: esse destruir, abolir, eximir o medo de errar. O conhecimento não pode ser travado. A gente deve usá-lo. Muitas e muitas vezes, eu deixei de falar algumas coisas que eu poderia ter errado, mas com certeza eu teria aprendido muito mais. No banco da universidade eu, muitas vezes, sabia o que o professor estava dizendo, eu poderia comungar com ele, lhe acrescentar, mas o meu medo de errar era tanto que eu preferia calar. E com esse meu calar ele [professor] pensava que eu não sabia de nada136.

Para essa formadora, o PROFA contribuiu para esse crescimento profissional e essa visão de conceber o conhecimento. Por essa razão, o tempo de atuação no magistério ganha importância. O tempo de profissão pareceu, ainda, para algumas alfabetizadoras e formadoras, como uma das variáveis para a inovação ou não das práticas pedagógicas:

Porque pra mim foi mais fácil trabalhar com as sílabas para começar com outras coisas. Eu fiquei pouco tempo, eu fiquei dois anos apenas. Agora porque quem está com dez, onze anos trabalhando assim, tem medo da mudança, porque é difícil. Não é tão fácil. Eu tive sorte porque só foram dois anos e eu já consegui descobrir outros caminhos. Fui estudando, fui tendo confiança e soube sair. Pode ser aquele fogo de achar que é legal para começar a trabalhar. Aí [a pessoa] tenta jogar dentro da sala de aula do jeito que aprendeu. Depois fica com medo quando não vê o resultado logo. Então, é difícil para quem está um tempão nessa área trabalhando dessa forma [empirista], aceitar essa outra. Dá medo... Eu passei por isso137.

Talvez o tempo de experiência não se constitua como o elemento único e determinante para a inovação das práticas pedagógicas, como defendem Pacheco e Flores (1999). Porém, certamente, o cotidiano escolar nesse período ajuda a formar ou re-formar a percepção que a docente alfabetizadora tem da sua profissão, da alfabetização e da prática de alfabetizar, tema que abordo no próximo item.

5.2.1 Percepções sobre formação continuada e contínua

Os dados coligidos nos questionários mostraram que os principais programas de formação continuada promovidos pelo governo do Estado de Rondônia eram conhecidos

136

Formadora Áurea. 137

pela maioria das alfabetizadoras138, demonstrando que grande parte das professoras teve experiências com essa modalidade de formação anterior ou concomitantemente ao PROFA, como o GESTAR, por exemplo, programa implantado e iniciado no mesmo ano que o PROFA. Ao serem solicitadas a atribuir valoração a esses programas, o PROFA obteve maior pontuação, seguido do GESTAR, dos PCNs e da TV Escola. Ainda que, como já afirmado anteriormente, o PROFA e o GESTAR sejam de linhas teórico- metodológicas divergentes, ficaram com pontuações aproximadas139.

Creio que isso está associado às concepções e conceitos que as alfabetizadoras possuem sobre formação continuada. Cabe esclarecer que, ao responderem ao questionário, quase dez professoras ficaram indecisas sobre o que registrar. Uma chegou a afirmar que jamais ouvira as expressões formação contínua e formação continuada, e outra não soube o que responder. As respostas das demais foram: continuação de um curso (de qualquer natureza e não apenas de formação inicial), aprofundamento de determinado assunto, formação a partir da realidade docente, acompanhamento do trabalho docente por parte de técnicos, busca de discussões sobre novos conhecimentos, experiências e práticas pedagógicas, atualização constante.

É possível verificar que algumas dessas concepções não coincidem com o que dizem os documentos oficiais dos governos e a teoria disponível sobre o tema. O Referenciais para Formação de Professores (1999, p. 19) define formação continuada como aquela voltada para professores já no exercício da profissão, realizada com “programas promovidos dentro e fora das escolas, considerando diferentes possibilidades (presencias ou a distância)”.

Diante disso, o que se pode apreender das concepções das alfabetizadoras da amostra é que os programas oficiais têm a participação delas e até algumas adesões às suas propostas pedagógicas, mas cai no vazio a discussão do porquê da formação continuada e em que ela consiste. Parece-me que reside aí uma lacuna entre o conceito dos órgãos governamentais, as concepções das alfabetizadoras e suas expectativas em relação a essa formação.

138

Todas conheciam os PCNs em Ação, 18 conheciam o GESTAR e 14, os cursos de formação da TV Escola. O PROGESTÃO, destinado à equipe técnico-pedagógica e secretaria escolar, foi o menos conhecido, assinalado por 4 das professoras. Dos PCNs participaram 18 professoras, do GESTAR, 16 e da TV Escola, 11.

139

A maior valorização do PROFA também pode estar relacionada com o que considero um viés da amostra, ou seja, dispuseram-se a participar desta pesquisa aquelas que se identificavam com esse programa.

A identificação dessa formação continuada como acompanhamento do trabalho docente por parte de técnicos aparenta ser o que acontece com os programas que, na visão das professoras, são criados para monitorar e fiscalizar o que elas fazem em sala de aula. No caso do PROFA, as formadoras não conseguiram nem acompanhar, nem monitorar ou fiscalizar as práticas desenvolvidas com os alunos.

A formação continuada como continuação de um curso foi a concepção expressa por oito alfabetizadoras, para as quais apenas os programas de longa duração podem ser assim reconhecidos. PROFA e GESTAR são caracterizados, dentre outros aspectos, por terem encontros durante mais de um ano e apresentarem propostas didáticas: o PROFA em relação à Língua Portuguesa e o GESTAR, a Matemática e Língua Portuguesa. A diferença mais visível é que o GESTAR apresenta atividades prontas para serem reproduzidas, fotocopiadas e aplicadas aos alunos, enquanto o PROFA propõe planejar e discutir atividades que as alfabetizadoras adaptam à realidade da escola e da turma com as quais trabalham. O planejamento dessas atividades é elaborado pelas próprias cursistas.

Em relação às respostas das formadoras, o discurso oficial estava mais presente, e suas concepções sobre formação continuada coadunavam-se às dos documentos de orientação da SEF/MEC. Um dos registros de resposta de formadora merece atenção nesse sentido: “[...] seria para dar subsídios teóricos e práticos para a prática pedagógica dentro de uma reflexão e uma perspectiva de mudanças articuladas com decisões em busca da competência, do compromisso de se estar lutando por algo melhor”140.

Esse tipo de posição aparece como resultado das discussões dos encontros de formação para formadoras do PROFA. Lembro aqui que a maioria das coordenadoras de grupos de estudo desse programa já o haviam sido de outros promovidos anteriormente e, portanto, pressuponho que teriam feito leituras mais profundas dos documentos orientadores da formação de professores divulgados pela SEDUC/RO e pela SEF/MEC. Essas formadoras também tinham tido contato com algumas elaboradoras desse e de outros programas e projetos de formação continuada em encontros pontuais, embora escassos, durante a realização deles. Isso era importante para que as formadoras incorporassem os princípios norteadores do PROFA e acreditassem na proposta de inovação da prática pedagógica docente por meio dessa formação.

140