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A Sociedade contemporânea e seu funcionamento

No documento martaaparecidaalvarenga (páginas 37-40)

Diagrama 7 –Rede semântica de frames evocados a partir de Prescrição_Valores

2. PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DA LINGUÍSTICA: AS CONTRIBUIÇÕES

2.2 A Sociedade contemporânea e seu funcionamento

Um cenário em constante mudança social, tecnológica e econômica que gera inúmeros conflitos para os indivíduos - esta é a forma como a sociedade contemporânea vem sendo apresentada por estudiosos das Ciências Sociais, como FRIDMAN (2000), HALL (2002) e BAUMAN (1998, 1999, 2007, 2011). Nomeada através de diferentes rótulos, como Sociedade Pós-Moderna, Modernidade Líquida, ou Modernidade Reflexiva, a era em que vivemos tem como atributo maior a inconstância, a fluidez de tudo – capital, trabalho, relações, valores.

Antes de partirmos para a discussão do funcionamento da sociedade atual, delinearemos o perfil de indivíduo que ocupa, constrói (e desconstrói) essa sociedade, para, assim, podermos entendê-la de maneira mais acurada.

Iniciamos, deste modo, nossa discussão com uma possível definição de sujeito pós- moderno. Para HALL (2002), houve um longo percurso histórico pelo qual duas concepções de sujeito vigoraram (em épocas diferentes) até se chegar ao sujeito pós-moderno. Essas concepções são: i) sujeito do Iluminismo, o qual se baseava numa concepção de indivíduo unificado, sendo que o seu “eu” nascia com ele e se desenvolvia ao longo da vida, mas com o núcleo permanecendo estável e ii) sujeito sociológico, em que há um rompimento com a ideia de um sujeito autossuficiente, uma vez que a crescente complexidade do mundo moderno refletia um sujeito que era formado através das relações que estabelecia com outrem, uma identidade que “costura o sujeito à estrutura”, mas mesmo assim, este tipo de concepção “Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (HALL, 2002, p. 12).

De modo distinto, o sujeito pós-moderno é fruto de um processo no qual “as identidades que compunham as paisagens sociais ‘lá fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’ objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais.” (HALL, 2002, p. 12). Portanto, o sujeito pós-moderno é fruto desse processo de mudança, é definido historicamente4, sem se ter em vista uma identidade fixa, imutável, pois “Tornou-se mais difícil divisar o sujeito histórico que concentra, assimila e realiza todas as tarefas históricas da revolução das formas de viver” (FRIDMAN, 2000, p. 67). Ou ainda de acordo com BAUMAN (2011, p. 24), para o qual os jovens de hoje não querem uma identificação fixa, preferindo, então, uma reidentificação perpétua, dispostos a abandonar em um lapso de tempo a identidade até então (re) construída.

Temos, portanto, o conceito de sujeito sociológico atrelado ao que BAUMAN (1998, 1999, 2007, 2011) chamou de fase “sólida” da modernidade e o sujeito pós-moderno ligado à fase “líquida”.

A fase sólida da modernidade opõe-se à fase líquida principalmente por uma característica que é capaz de mudar todas as demais: a passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores. Assim, a modernidade sólida era composta por produtores, por um exército de mão-de-obra, como afirma BAUMAN (1999), capaz de obedecer à norma imposta pela sociedade. Outro ponto importante sobre a fase sólida é aquele que diz respeito ao tempo-espaço. Para BAUMAN (1998, p. 110), nessa fase o tempo tinha “frente” e “trás”, a pessoa era compelida a andar para frente com o tempo. O tempo- espaço tinha estrutura, era durável, sólido, na medida correta para controlar as referências das pessoas e mesmo se elas se perdiam, podiam reencontrar-se e retomarem seu caminho. Vigorava, nessa época, a visão de uma vida que era construída por todo seu prolongamento, ou, como afirma BAUMAN (idem, p. 111) “[a estrutura] transformou a luta pela vida de cada um, antes uma disputa despropositada, numa realização coerente.”.

Diferentemente, a fase líquida caracteriza-se, primordialmente, pela alteração da sociedade de produtores em uma sociedade de consumidores. Consoante BAUMAN (1999, 2011), precisamos consumir para sobreviver, mas não é desse ato de consumo que se trata, e sim da transformação do “exército de mão-de-obra” para a condição de consumidores, pois nessa fase, a mão-de-obra de massa perdeu seu valor, uma vez que essa sociedade erige-se marcada pelos avanços tecnológicos. (BAUMAN, 1999).

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O sujeito passa a ser definido não de maneira biológica, como, por exemplo, a concepção de raça, que é mais cultural que biológica.

A questão do tempo-espaço também é crucial na diferenciação das fases sólida e líquida. Se antes o tempo-espaço era estruturado, agora ele é caracterizado pelas demandas da sociedade de consumidores, que necessitam satisfazer-se instantaneamente, que são marcados pela flexibilidade às mudanças das regras do jogo e não pela adequação a elas. (BAUMAN, 1999).

Assim, o tempo-espaço enquanto categoria sólida desmancha-se, pois em um mundo globalizado as fronteiras foram diluídas, o trânsito de pessoas e mercadorias torna-se constitutivo dessa sociedade. Cria-se, então, um estado de alerta, no qual os consumidores estão sempre compelidos a desejarem algo que o satisfaça de maneira rápida, mas que abra a possibilidade para, imediatamente, desejarem outra coisa e assim por diante. O tempo passa a ser reduzido, como aponta Bauman:

A necessária redução do tempo é melhor alcançada se os consumidores não puderem prestar atenção ou concentrar o desejo por muito tempo em qualquer objeto; isto é, se forem impacientes, impetuosos, indóceis e, acima de tudo, facilmente instigáveis e também facilmente perderem o interesse. A cultura da sociedade de consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado. (BAUMAN, 1999, p. 90 – grifo nosso)

Atrelada a essa redução do tempo, temos o conceito do eterno presente, isto é, a necessidade de suprimir o passado, de não controlar o futuro, de mover-se sem seguir uma direção, pois o tempo já não estrutura o espaço. (BAUMAN, 1998, p. 113).

Juntamente com o advento da globalização em sua forma mais intensa, seguiu-se um profundo conhecimento e interferência das/nas sociedades, dos costumes locais, e, por conseguinte, o atrelamento do impacto de mudanças a nível global, não mais local. BAUMAN (2007, p. 13) afirma que vivemos em um planeta negativamente globalizado, pois vivenciamos uma globalização seletiva, que desdenha e desrespeita as fronteiras dos Estados, criando uma sociedade “aberta”, mas exposta aos golpes do “destino”. Essa sociedade aberta não é uma sociedade livre, mas é constituída por uma “população heterônoma, infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente sobrepujada por forças que não controla nem entende totalmente, uma população horrorizada por sua própria vulnerabilidade” (BAUMAN, idem, ibidem). Assim, nessa sociedade aberta, temos o reforço daquilo que anestesia o aperfeiçoamento social e moral da coletividade – a heteronomia, a infelicidade, a vulnerabilidade.

Temos, portanto, nessa globalização negativa, a formação de um estado de insegurança, que gera uma nova configuração do espaço, ou seja, nas cidades há o grupo da

classe alta que cria seus guetos, com muros, seguranças, com acesso a lazer e a serviços e há o grupo que foi empurrado também para guetos, mas que não dispõe dos serviços dos guetos da classe alta. Essa classe inferior, o refugo humano, tenta sobreviver na cidade, localmente, enquanto a classe alta se relaciona com o mundo globalmente, sendo a cidade apenas hospedaria, e não o local onde estão seus interesses (BAUMAN, 2007). Para BAUMAN (idem), enquanto a classe alta encastelar-se em seus guetos voluntários com medo da cidade, com medo de se relacionar com o diferente, as coisas continuarão como estão.

Isso se relaciona, também, à fragilidade dos laços humanos, que como afirma o autor “[os vínculos humanos] são confortavelmente frouxos, mas, por isso mesmo, terrivelmente precários, e é tão difícil praticar a solidariedade quanto compreender seus benefícios, e mais ainda suas virtudes morais.” (BAUMAN, 2007, p. 30).

Em suma, podemos pensar a sociedade atual marcadamente consumidora, em que as fronteiras de tempo-espaço estão diluídas, nas quais o indivíduo pós-moderno realiza-se como consumidor, não só de mercadorias como de identidades, não se atrelando fortemente a ninguém, tendo seus vínculos humanos a mesma característica do espaço-tempo no qual ele trafega.

Terminamos, portanto, essa seção com uma afirmação derradeira de Bauman que sintetiza as ideias aqui trabalhadas: “a ‘sociedade’ é cada vez mais vista e tratada como uma ‘rede’ em vez de uma ‘estrutura’ (...): ela é encarada como uma matriz de conexões e desconexões aleatórias e de um volume essencialmente infinito de permutações possíveis”. BAUMAN (2007, p. 9).

Nessa sociedade de incertezas, na qual a mudança e a flexibilidade estão na ordem do dia, precisamos pensar na questão dos valores humanísticos - talvez ainda mais que em outros tempos! Assim, a fim de entendermos melhor como esses valores são/estão configurados no ser humano, que passamos a apresentar, na próxima seção, a contribuição da Psicologia Moral.

No documento martaaparecidaalvarenga (páginas 37-40)

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