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As contribuições das teorias da moralidade

No documento martaaparecidaalvarenga (páginas 41-44)

Diagrama 7 –Rede semântica de frames evocados a partir de Prescrição_Valores

2. PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS DA LINGUÍSTICA: AS CONTRIBUIÇÕES

2.3 A contribuição da Psicologia Moral neste estudo

2.3.1 As contribuições das teorias da moralidade

Iniciamos nossa discussão traçando um breve panorama sobre dois conceitos basilares para a Psicologia Moral: a moral e a ética. Para tal, recorreremos a LA TAILLE (2006), uma vez que este vai além das dicotomias existentes, ao procurar não priorizar determinado ponto de vista em detrimento de outro, construindo hipóteses coerente s com o paradigma sociocognitivista que adotamos neste trabalho.

Sendo assim, LA TAILLE (2006) afirma que a moral e a ética possuem duas dimensões: uma afetiva, sustentada por teorias de Durkheim e Freud, e uma racional, sustentada por Piaget e Kohlberg.

Nas teorias da afetividade, a dimensão racional não é excluída, mas esta é secundária no processo. Nessas teorias, impera a aceitação do indivíduo como pré -moral ou moral, sendo o sujeito um receptor da moral, não um ser atuante em sua construção. Assim, nesses pontos de vista, não há moral universal possível, o que inviabilizaria, por exemplo, a existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Já nas teorias que abordam a dimensão racional, temos o trabalho seminal de PIAGET [1932] em uma única obra – “O juízo moral na criança” - dedicada ao desenvolvimento moral. A hipótese de Piaget é a de que o sujeito passa, se as interações com o meio forem favoráveis, de uma fase de anomia, a uma fase de autonomia, passando por uma fase de heteronomia. Piaget fala em desenvolvimento moral (ao contrário das teorias ligadas à afetividade), em que:

• Anomia: fase pré-moral, que se caracteriza pela não consideração da moral nas relações sociais;

• Heteronomia é o respeito incondicional por figuras de autoridade, pelo grupo ou pela sociedade;

• Autonomiaé a superação dessa moral da obediência a algo exterior ao sujeito, superação essa que se traduz tanto pela necessidade de reciprocidade nas relações (respeito mútuo, e não unilateral) quanto pela necessidade subjetiva de passar os princípios e normas, para legitimá-los, pelo crivo da inteligência. (LA TAILLE, 2006 p. 16)

O desenvolvimento moral, portanto, é visto como uma construção, que acontece em contextos de interação social. Se esta for baseada na coação, a heteron omia sai

reforçada. Se o convívio social permitir relações simétricas de cooperação, a autonomia moral torna-se possível.

O fato de Piaget ter inserido a questão do desenvolvimento moral em sua teoria, não a isentou de lacunas. Para LA TAILLE (2006), a teoria piagetiana não definiu, em termos claros, o que é moral e quais são os valores primordiais; o método piagetiano empregava dilemas simples, tendo esse método deixado de considerar a dificuldade de abstração das crianças. Obviamente que em ciência não existem verdades absolutas, assim as teorias piagetinas foram revisitadas e, posteriormente, refinadas por KOHLBERG (1969, 1984).

Este autor refinou a teoria piagetiana, aprofundando sua vertente racional. Kohlberg, apoiou-se no fato de que poucos indícios eram insuficientes para determinar se um sujeito é moralmente autônomo, constatando que o alcance dessa fase é um fenômeno raro na sociedade. Assim, produziu, talvez, o principal refinamento da teoria piagetiana: “guardou de Piaget a ideia de que o caminho do desenvolvimento moral vai da heteronomia para a autonomia, mas mostrou que este caminho é bastante longo e que a maioria das pessoas para no meio dele.” (LA TAILLE, 2006 p. 18).

Sendo assim, Kohlberg propôs três níveis de desenvolvimento moral: Pré- convencional, Convencional e Pós- convencional, com duas subdivisões cada5:

 Nível pré-convencional: Neste nível, a criança responde a regras culturais e rótulos de bom e ruim, mas com base na consequência ou na força física.

 Estágio 1. Orientação para a punição e a obediência: As consequências físicas da ação determinam seu caráter bom ou ruim.

 Estágio 2. Orientação instrumental-relativista: a ação correta consiste naquela que satisfaz instrumentalmente as necessidades próprias e, ocasionalmente, as necessidades dos outros.

 Nível convencional: Neste nível, a manutenção das expectativas da família, grupo ou nação do indivíduo é percebida enquanto valiosa por si só.

 Estágio 3. A concordância interpessoal ou orientação para o "bom menino”: Bom comportamento é aquele que agrada ou ajuda os outros, e tem sua aprovação. A intenção é considerada.

 Estágio 4. Orientação para a manutenção da sociedade: Há uma orientação em direção à autoridade, a regras fixas e à manutenção da ordem social.

 Nível pós-convencional: Neste nível, há um esforço para definir valores e princípios morais que tenham validade e aplicação.

 Estágio 5. Orientação para o contrato social: A ação correta tende a ser definida com a concordância de toda sociedade.

 Estágio 6. Orientação para o princípio ético universal: princípios éticos escolhidos pelo sujeito, que recorrem à compreensão lógica, à universalidade e à consistência.

Esses estágios de desenvolvimento moral propostos por Kolhberg, como diz LA TAILLE (2006, p. 103) “trazem duas vantagens em relação à [teoria] de Piaget”: a primeira por exigir indícios mais contundentes para a configuração da autonomia e a segunda por constatar, através de pesquisas empíricas, que a maioria dos adultos não passa do nível convencional. Como afirma LA TAILLE (idem, ibidem) “a autonomia é uma conquista cara e rara”.

LA TAILLE (op. cit.) afirma que as quatro concepções (Durkheim, Freud, Piaget e Kohlberg) concordam do ponto de vista formal da moral, uma vez que todas elas a concebem como um conjunto de deveres e, portanto, procuram estudar a gênese do sentimento de obrigatoriedade experimentado pelo sujeito moral. No entanto, o autor assevera que para se pensar na moralidade do ponto de vista afetivo, é preciso que se ultrapasse a barreira de sua relação com um conjunto de deveres. Portanto, para o autor, as teorias elencadas acima não conjugam o dever moral com outras dimensões existenciais, o que para ele é um equívoco, pois “para compreendermos os comportamentos morais dos homens, devemos conhecer as opções éticas que eles assumem” (LA TAILLE, 2006, p. 25).

Sendo assim, o autor separa moral de ética, a fim de poder elucidar melhor cada campo. Em princípio, temos que a moral refere-se a deveres, ao como devo agir, e a ética refere-se a busca de uma vida boa.

No plano moral, percebemos que este se apresenta em todas as culturas, sendo todos os seres humanos capazes de experimentar o sentimento de obrigatoriedade, o sentimento de dever moral. Assim, para o autor, nos dias atuais, não há falta de senso moral e também não é uma boa opção teórica dividir os seres humanos em morais e não-morais, pois o problema maior não está em detectar a presença ou a ausência do sentimento de obrigatoriedade, mas sim a sua força, já que pode ser mais fraco que outros sentimentos.

No plano ético, temos a resposta à pergunta: “que vida quero viver?”, sendo essa resposta marcada por experiência subjetiva, isto é, se a ética é a busca por uma vida boa, uma vida boa seria aquela que faz sentido. Assim cada um realiza sua busca subjetivamente. Para LA TAILLE (2006), a condição necessária ao gozo da felicidade, da "vida boa", é ver a si próprio como pessoa de valor, capaz de afirmar-se enquanto tal, e de enxergar perspectivas de alcançar um grau satisfatório (expansão de si próprio).

LA TAILLE (idem, p. 58) afirma que “o sentimento de auto-respeito é o sentimento que une os planos moral e ético, pois ele é, por um lado, expressão de si próprio – portanto, elemento da 'vida boa' – e, por outro, causa essencial do sentimento de obrigatoriedade”, em síntese, respeita a moral quem é capaz de respeitar a si próprio. Assim, para o autor, toda ética (projeto de felicidade que inclua o outro) tem uma moral, pois cabe à moral regrar a vida em sociedade.

No documento martaaparecidaalvarenga (páginas 41-44)

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