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2.3 SOCIOLINGUÍSTICA E DIALETOLOGIA: ASPECTOS HISTÓRICOS

2.3.1 A Sociolinguística

Esta vertente remonta a década de 60, século XX, e teve como precursor Willian Labov (CHAGAS, 2011). Para compreendermos a importância de Labov para a

sociolinguística, conforme Chagas (2011, p.145), torna-se fundamental realizar uma retrospectiva da abordagem estruturalista saussuriana e gerativista de Chomsky, que permeou a linguística do século XX.

No curso de linguística geral, do século XX, Saussure adota a língua como organismo homogêneo e ressalta a necessidade de se distinguir o aspecto sincrônico daquele diacrônico. O primeiro estaria relacionado ao que é momentâneo e estático e, o segundo, ao que tem duração no tempo e é dinâmico. Assim, numa tentativa de romper com o método histórico- comparativo, que constituía a linguística anterior a ele, defendeu a necessidade de estudar os fatos linguísticos sem qualquer relação com a história, para tanto atribui pouca importância aos estudos diacrônicos, privilegiado os sincrônicos. Isto é, sua intenção foi a de isolar da língua tudo o que é exterior a ela. Então, relegou para segundo plano os fatos extralinguísticos que se ocupam da relação existente entre língua e a história, as instituições e a estrutura da sociedade (WEIREINCH; LABOV; HERZOG, 2006).

Ainda segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006), outra corrente teórica da linguística, que permeou o século XX, foi o Gerativismo, iniciado por Chomsky (1957). Esta concepção surgiu contra aquela mecanicista praticada pelos estruturalistas americanos, quando defendiam uma aprendizagem de língua através da imitação, a maneira do behaviorismo e comportamentalismo de Skinner. Este fato mostra que, ainda, antes do século XIX, havia se notado que as línguas mudam, e o primórdio dessa investigação foi o neogramático Hermann Paul (1880). Então, para Paul a mudança seria um fato inconsciente e tal como Bloomfield, o fenômeno ocorreria por mecanismo de imitação de outros falantes. Nessa perspectiva não havia preocupação com o que se passava na mente das pessoas.

Em 1959, Chomsky escreve uma resenha do livro Verbal Behavior, de Skinner e dessa forma defende que os falantes de uma língua são criativos no uso que fazem dela, não podendo se restringir a uma simples imitação. A partir dessa nova concepção, Chomsky propõe a existência de um falante ideal numa comunidade ideal. Nessa visão, a língua é propriedade inata ao homem e, desse modo, todas as línguas têm pontos em comum, tendo em vista a existência de uma gramática universal (GU) (SILVA, 2011).

Entretanto, Chagas (2011) ressalta que tanto a visão estruturalista de Saussure, a gerativista de Chomsky, bem como a estruturalista americana não pretendem relacionar a língua, suas variações e alterações com a heterogeneidade presente no âmbito social. Assim, Willian Labov se difere dessas concepções, pois considera que não podemos nos deter somente aos aspectos linguísticos, mas incluir no estudo de língua, também, aqueles extralinguísticos.

Para tanto, oriunda dessa visão laboviana, a sociolinguística concebe a língua como um organismo heterogêneo, em constante variação e que com o tempo pode adentrar a mudança. Dessa forma, atribui ao fenômeno de transformação da língua algo inerente ao sistema linguístico que está totalmente vinculado às mudanças sociais. “As society is reflected in language in this way, social change can produce a corresponding linguistic change” (TRUDGILL, 2000, p.17).32

Segundo Tarallo (2007), a variação é um fenômeno existente não só numa comunidade, mas na fala de um mesmo indivíduo que, por sua vez, é influenciada por fatores linguísticos e extralinguísticos. Assim, os primeiros se referem à estrutura gramatical da língua e os segundos, a fatores como faixa etária, posição geográfica, sexo, etnia, redes sociais, classe social, profissão do falante e estilo.

Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 16) fornecem um esboço dos problemas, dos quais uma teoria de mudança deve atribuir respostas: dentre estes, a questão dos fatores condicionantes (mudanças e condicionantes possíveis), a transição (os estados intervenientes entre dois estados da língua), o encaixamento (entrelaçamento das mudanças com outras que ocorrem na estrutura linguística e na estrutura social), a avaliação (os efeitos da mudança sobre a estrutura e uso da língua) e, ainda, a questão da implementação (razões para mudanças ocorrerem em certa língua numa determinada época).

Conforme Mollica (2004), Chagas (2011) e Tarallo (2011), todo sistema linguístico está constantemente sujeito a pressão de duas forças que atuam no sentido da variedade e da unidade. A disputa entre as variantes, conforme os autores tende a privilegiar, sempre, as variedades de prestígio. Entretanto, percebeu-se que algumas variantes desprestigiadas em determinada época podem vir a ganhar prestígio com o passar dos anos, que é o caso da ausência do /r/ como em fourth e floor, que de acordo com Labov (2008) constitui-se, atualmente, como uma variante desprestigiada e, no século XIX, por influência da fala de Londres, era modelo de prestígio.

Em disputa nas comunidades de colonização italiana do oeste catarinense, observaram-se as seguintes variantes: fricativa velar vozeada [x], a vibrante múltipla alveolar [r] e a vibrante simples ou tepe [ɾ] nos contextos de r-forte (ALERS, 2002; SPESSATO, 2003; ROSSI, 2000). A pronúncia do tepe [ ], conforme Monaretto (2002) ocorre em todos os contextos de /r/ na região citada, e por ser uma pronúncia que não se adéqua aos padrões do

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A sociedade se reflete na língua e desse modo a mudança social, pode corresponder uma mudança linguística (tradução minha).

PB padrão, é julgada como incorreta. Além disso, é motivo de comentários pejorativos que desmerecem a língua desses falantes. Esta situação foi, também, diagnosticada na pesquisa de Spessato (2003), com informantes de Chapecó-SC.

Bortoni-Ricardo (2011) corrobora que há, no geral, uma tendência em tratar a variação linguística como sinônimo de variedades regionais, rurais ou de pessoas não escolarizadas. Essa suposição, conforme a autora é falsa, pois há também as variedades na língua culta.

Em meio a esse dilema linguístico, de acordo com Bortoni-Ricardo (2004), encontra- se a escola pautada numa abordagem metodológica que, por imposições políticas, sociais e econômicas, privilegia o ensino da norma padrão, desviando, certamente, um ensino democrático que leva o aluno ao conhecimento da variação linguística. Dessa forma, quando o aluno chega à escola fala uma língua, com características que, possivelmente, se aproximam mais das variantes estigmatizadas do que das variantes de prestígio. Isso tende a se intensificar, dependendo da classe social do educando e das redes sociais com quem estabelece contato.

Vale ressaltar que a norma padrão corresponde a regras impostas pelas gramáticas prescritivas e tem um papel unificador que neutraliza as variações. De acordo com Bagno (2007), ninguém fala essa língua, uma vez que até as classes de prestígio, ou pessoas com um maior letramento, mesmo monitorando-se constantemente, também podem adentrar a informalidade. O autor também reafirma a importância da existência de uma língua padrão, para que haja um meio de expressão comum no país. Dessa forma, mesmo que ninguém fale essa língua, é importante saber que contextos e situações formais exigem o uso de variantes cultas que tendem a se aproximar da norma padrão.

No entanto, Peter (2011) ressalta que a escola insiste num estudo tradicional, tentando impor as regras da gramática prescritiva em detrimento de um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos linguísticos. Esse comportamento pode fortalecer o preconceito linguístico. Para reafirmar à distância que existe entre variantes estigmatizadas e variantes de prestígio, a mídia também reforça a ideologia do certo e do errado na língua portuguesa, diariamente, nos jornais, nas revistas e nos programas de televisão. Isso porque, segundo Bagno (2007), quando alguns linguistas são convidados para dar seu parecer sobre a língua portuguesa em algum meio de comunicação, a entrevista é sempre distorcida pelo entrevistador para que se evidencie o predomínio e o prestígio da norma padrão pela sociedade.

É importante ressaltar que a crença social que parece compreender a língua como um organismo unificado, denominado norma padrão, desmerece as variedades minoritárias. Esse

fato tem se consolidado num conflito para a escola, que, como detentora do conhecimento, precisa reverter esse entendimento e mostrar que uma língua apresenta múltiplas faces que podem ser adequadas aos diferentes contextos.

Nesse sentido, através de uma parceria entre os estudos da sociolinguística e da dialetologia tradicional, acredita-se ser possível relacionar a heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social, numa tentativa de resolver o “caos linguístico” 33 que adentra a sociedade.