• Nenhum resultado encontrado

Leitura histórica do /r/ e suas realizações de prestígio e desprestígio no PB

Na presente seção realiza-se uma leitura diacrônica sobre a realização do /r/ no PB. Dessa forma, apontam-se os alofones de prestígio e desprestígio no PB, assim como os fatores que contribuíram para que determinada(s) variante(s) do /r/ assumisse(m) uma aposição de maior importância que outra(s) no âmbito social. Desse modo, Fachin (2007) discorre que no latim a pronúncia era a vibrante alveolar, não havendo, portanto, distinção entre o tepe [ɾ] e a vibrante múltipla alveolar [r]. Assim, França (2005) denota para o latim a hipótese da vibrante única. Fernández (2005) afirma que, no século XVII, passa a ganhar status a pronúncia francesa vibrante uvular [R] que se dissemina por toda a România. O autor ainda ressalta que foi a corte portuguesa quem trouxe essa realização, no século XIX, para o Rio de Janeiro, e a partir daí, a variante passou a disseminar-se para outros locais brasileiros.

Conforme Mollica (2004), todo sistema linguístico está constantemente sujeito a pressão de duas forças que atuam no sentido da variedade e da unidade. Esse processo ocorre através da interação e impulsos contrários, que com o tempo adentra a mudança. Seguidamente ocorre o impulso à convergência, quando os falantes esforçam-se para ficarem mais semelhantes com aqueles que estão interagindo. No entanto, ressalta-se que a disputa entre as variantes, tende a privilegiar, sempre, as variantes de prestígio (TARALLO, 2007).

Diante dessa declaração, acredita-se que muitos brasileiros, vendo na elite muito luxo e poder, provavelmente, têm tentado imitar a vibrante uvular [R] em detrimento de outras variantes, fato que pode ter desencadeado o surgimento do fone fricativo para o fonema /r/. Dessa forma, Langaro (2005) afirma que essa pronúncia começa a ganhar espaço no Brasil a partir da década de 70, século XX, em detrimento da vibrante. Callou e Leite (2013)

corroboram com o exposto, afirmando que a pronúncia da fricativa alveolar desvozeada [x] hoje é a variante mais privilegiada.

De acordo com os autores, isso se deve principalmente a disseminação dos meios de comunicação, que passaram a atribuir status a esta realização. No entanto, conforme Silva (2012, p. 39), o tepe [ ] em posição intervocálica e seguindo consoante na mesma sílaba é uniforme em todas as variedades do PB.

Monaretto, Quednau, Hora (2010, p.210) concluem que a realização do /r/ “segue um processo de posteriorização (anterior para posterior) com eventual mudança de vibrante para fricativa”. Viola (2006) arrola que o lugar de articulação, além da uvular, passa a realiza-se, também, como velar e glotal.

No Rio Grande do Sul, a vibrante múltipla [r] ainda está em uso, bem como o tepe [ ] (LANGARO, 2005). E devido os ítalo-brasileiros terem migrado desse estado para o oeste de Santa Catarina, ainda nas primeiras décadas do século XX, pressupõe-se que a realização da vibrante, também, ocorra nessa última região (SPESSATO, 2003; MARGOTTI, 2004). Todavia, a pronúncia fricativa tende a estar presente nas cidades maiores do estado do Rio Grande do Sul, bem como de Santa Catarina, uma vez que, segundo Langaro (2005), esta realização já abrange grande parte do território brasileiro, disseminando-se, vagarosamente, do ambiente urbano para o rural.

Silva (2012) destaca que “falantes de qualquer língua prestigiam ou marginalizam certas variantes regionais (ou pelo menos não as discriminam), a partir da maneira pela qual as sequências sonoras são produzidas”. Assim, destaca-se que “não há variante melhor ou pior de uma língua, há variantes de prestígio, estigmatizadas ou neutras” (SILVA, 2012, p.12).

Frente ao exposto, Frosi e Raso (2011) ressaltam que a variedade italiana é, muitas vezes, julgada como “língua da roça”. Isso por que “as marcas próprias do dialeto italiano foram incorporadas às regras do português, levando a uma produção linguística que não condiz totalmente com as regras do dialeto padrão do português brasileiro” (SPESSATO, 2003, p.46).

No entanto, as características das variantes padrão e não padrão, existentes em qualquer língua, nem sempre relacionam-se ao que é previsto pela gramática tradicional como correto(SILVA, 2012). Trudgill (2000) corrobora que mesmo numa variedade padrão, pode haver variação formal e informal na pronúncia.

Para Spessato (2003), a vibrante múltipla alveolar [r] para os contextos do r-forte e o tepe [ ] nos ambientes de r-fraco, fazem parte da variedade padrão do PB, que comumente

ganharia status social. Os ítalo-brasileiros apresentam dificuldade de empregar a vibrante, com destaque para os contextos do r-forte e, dessa forma, conforme a autora, estariam sofrendo preconceito linguístico social. Todavia, se levarmos em conta as pesquisas de Langaro (2005) e Leite (2012), mesmo que os ítalo-brasileiros pronunciassem a vibrante em conformidade com seus contextos, ainda assim poderiam sofrer estigma, já que a fricativa destaca-se como realização prestigiada.

Segundo Guy (2000) os membros de uma comunidade de fala compartilham de costumes e características linguísticas em comum. Assim, “[…] usar os termos específicos da comunidade mostra que você é um membro, e não os usar mostra que você é um intruso” (GUY, 2000, p.18). Então, acredita-se que os ítalo-brasileiros não devem sofrer preconceito linguístico, mesmo empregando o tepe [ ] nos contextos de r-forte, quando estabelecerem comunicação restrita ao seu grupo de fala, fora desse ambiente tendem a sofrer estigma. O mesmo pode acontecer com os falantes da fricativa. Isto é, ao adentrar a comunidade de fala dos ítalo-brasileiros, esses falantes podem sofrer desprestígio por não pronunciarem a vibrante para o fonema /r/.

Em suma, constata-se que o PB está passando por uma mudança no ponto e modo de articulação (MONARETTO, QUEDNAU, HORA, 2010; CALLOU, LEITE, 2013; VIOLA, 2006). Assim, a realização fricativa torna-se prestigiada e aos poucos vem substituindo a vibrante, que se concentra mais no contexto rural (LANGARO, 2005; CALLOU, LEITE, 2013; CALLOU, 2009). Segundo Langaro (2005), os meios de comunicação vêm exercendo grande influência na disseminação dessa variante, fato que pode desmerecer outras realizações e, consequentemente, a heterogeneidade linguística presente no cenário brasileiro. Contudo, ao considerarmos os estudos de Weinreich, Labov e Herzog (2006), a homogeneização da pronúncia do fonema /r/, nos contextos do r-forte, é utópica, pois a variação linguística é inerente à língua.