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O resultado do proibicionismo foi provocar a hiperlucratividade, danos à saúde pública, devido à falta de fiscalização, a militarização da produção e do comércio de certas drogas e a intromissão do aparato de segurança em esferas da vida cotidiana. A proibição mundial das drogas foi uma das invenções imperialistas que mais permitiu especulações financeiras e policiamento repressivo das populações no século XX269.

A saída para o problema da maconha foi o aumento da repressão, o medo dos indivíduos que lidavam com ela serviu ao propósito da sua coerção. Pelo censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a capital cearense dobrou sua população na virada da metade do século XX, de pouco mais de duzentos e setenta mil habitantes para cerca de meio milhão de pessoas. Podemos imaginar sem exagerar que o número de usuários de maconha também cresceu e igualmente as quantidades de erva comercializada e consumida,

268 LABATE, 2008, p. 387. 269 CARNEIRO, 2002, p.128.

assim o medo de encontrar seus viciados pelos recantos da cidade certamente também aumentou. As autoridades estavam pretendendo solucionar o problema, mas ainda não estavam conseguindo, nesse sentido aumentar as ações de policiamento e repressão seriam as respostas. As histórias do mal que a maconha e os maconheiros causavam legitimariam qualquer endurecimento das práticas de controle, o medo da maconha difundido nos jornais na campanha proibicionista serviu a esse propósito. O medo, essa emoção forte e antiga do homem, tomando os editorais da mídia impressa, que souberam explorar tal condição, sugeria e contribuía para enrijecer e justificar a ação repressora do Estado.

O discurso dos jornais ofereceu via de regra saídas moralizantes e criminalizantes como forma de tratar o problema da maconha, manteve o “medo da maconha” como dispositivo narrativo comum em suas reportagens, conferiu força a essa escrita sensacional, fazendo emergir invariavelmente o discurso da urgente e necessária repressão aos maconheiros. A contestação engessava um medo midiático em relação à violência urbana e ao uso de drogas, apresentado quase sempre como uma conduta inerente às populações pobres e marginalizadas. Essa “mídia do medo” uniu elementos da violência cotidiana ao uso de maconha, uma sensação de temor ativada pela leitura desses dramas, tão espetaculosos quanto as personagens perigosas que eles caracterizavam e os ambientes terríveis onde a maconha imperava.

SÓ PENITENCIÁRIA RESOLVERÁ.

Com efeito, alguns dos casos ocorridos na Casa de Detenção de Fortaleza, podem ser colocados sob a responsabilidade da Direção, como por exemplo a saída, sem permissão judiciária de presidiários; fugas; existência de armas nas celas, queima de cigarros de maconha por parte dos detentos270.

As formas de resolver o problema que eram mantidas na verdade não estavam resolvendo a situação, a polícia fora insistentemente convocada a impor uma ação mais dura contra os maconheiros, ao passo que era denunciada como impotente na sua conduta, por fatores que vão do aumento do número de viciados à falta de estrutura da própria corporação. Mesmo assim pareceu não existir outra maneira de enfrentar o vício senão com mais repressão, com o endurecimento das práticas de controle e vigilância sobre os indivíduos e a planta.

POLICIA REABRE LUTA CONTRA A MACONHA

Batida no Arraial desbarata perigosa quadrilha de traficantes - prisão dos elementos e apreensão da erva e de cigarros. Por determinação do major Gerardo Paiva, a DOPS, através de sua secção competente, vem fazendo proveitosa campanha contra

o tráfico de maconha em Fortaleza. Sendo o perigo a que a cidade estava exposta. Com aumento do trafico o major Gerardo Paiva, delegado da DOPS, traçou planos com seus auxiliares que logo entraram em ação, visando a capturar os principais traficantes da 'erva maldita' que vinham agindo em Fortaleza271.

A década de cinquenta chegou ao fim e as notícias do começo da nova foram quase idênticas, embora em bem maior quantidade. Apenas os nomes dos encarregados vão se alterando, já os locais e as estratégias parecem se repetir: caça e prisão dos indivíduos marginalizados, batidas policias e prisões nos bairros pobres da cidade. O noticiário pouco alterou suas características e os enredos saíam sem mudanças significativas, a polícia figurava como valorosa instituição que cumpria seu papel, mas por mais que se esforçasse prendendo e interrogando maconheiros não conseguiu refrear a ação dos traficantes da “erva-maldita”. Estes últimos, narrados sempre como malfeitores, atuavam sem nenhum pudor no coração da cidade, onde supostamente deveria haver maior segurança, assim na contagem das estórias nenhuma área da cidade estava segura frente a ação dos bandidos da maconha, mesmo que as diligências milícas só se voltassem às zonas pobres de Fortaleza.

A narrativa do medo e das personagens hediondas manteve-se prosperando, a Gazeta

de Notícias contou casos de criminosos exóticos, bem como outros periódicos fizeram, na

seguinte nota apresentou ao público leitor o “Talhador de Carnes”, um dos maiores traficantes de maconha de Fortaleza. Esse é o tipo de notícia que sintetizou as características do problema da maconha na forma que os jornais a expuseram, e que de certo modo resume os aspectos do proibicionismo que foram noticiados, reunindo além daqueles personagens, feições da situação das autoridades e as dificuldades de acabar o tráfico da planta.

COMERCIO DA MACONHA É CADA VEZ MAIS INTENSO. POLICIA LUTA PARA COIBIR.

Embora a Secção de combate aos Entorpecentes, da DOPS, esteja prosseguindo em suas diligências visando coibir o tráfico de maconha em Fortaleza, em plena praça do Ferreira, lado oeste, diariamente, conhecidos elementos pertencentes ao grupo responsável pela venda da “erva maldita” na Capital cearense.

PRISÕES. Ao que soubemos, os policiais, da Secção de Combate aos

Entorpecentes, DOPS, têm feito, ultimamente, prisões de vários traficantes de diamba, alguns dêles conduzindo êsse entorpecente. Têm sido submetidos a demorados interrogatórios.

CENTRO DA CAPITAL. Mesmo diante das providências que a policia vem

tomando contra o comercio da maconha em Fortaleza, muitos traficantes da erva, numa afronta aos encarregados de evitar tal negócio, estão afora, com atividades em plena praça do Ferreira, como um dos nossos repórteres teve oportunidade de observar. O fato merece atenção das autoridades policiais muito embora sejamos conhecedores do trabalho elas realizado, procurando, a todo custo, pelos menos evitar que seja aumentado o comércio de vendedores da “diamba”

TALHADOR DE CARNE. Colhemos ainda que um talhador de carne, estabelecido

nas proximidades do estádio Presidente Vargas está sendo procurado pelo chefe da Secção de Combate aos entorpecentes. É êle, atualmente, um dos maiores vendedores de maconha em Fortaleza. Um dos seus fregueses já foi prêso, tendo relatado as atividades do citado talhador de carne, cuja residência ainda não foi localizada, pois o mesmo está fugindo a qualquer aproximação do pessoal chefiado pelo investigador Domingos Barroso. Todavia, a prisão do referido talhador é aguardado a qualquer instante272.

Por vezes o próprio trabalho da polícia foi manchete e tema central das notas, seja na coerção dos indivíduos maconhados ou na denúncia sobre as estruturas dos órgãos policiais, as narrativas jornalísticas inflamaram a sensação de insegurança e medo na cidade ao promover um discurso do espanto, da aterrorizante situação em que Fortaleza parecia se encontrar diante do problema da maconha. No começo de 1960 uma reportagem especial do mesmo Gazeta de Notícias relatou a situação da polícia no Ceará, destacamos apenas o último trecho para exemplificar a calamidade pública que o jornal narrou quando passou a tratar da cannabis na sua pauta.

.... Outro ponto importante é o que se refere a uma remodelação e melhoria de vencimentos nos quadros da policia. Até o presente momento não apareceu um Secretário naquela pasta que empreendesse junto ao governador e Assembleia Estadual, um movimento visando melhoria salarial para os policias. Há quem diga que os ordenados miseráveis que ganham agentes e investigadores servem para o Chefe de Policia dar desculpa à imprensa quando mais uma falcatrua é cometida por um policia e ganha as páginas dos jornais. Aí aparece a velha história “ganha pouco, tem que se defender”.

AS DELEGACIAS. Dentro das delegacias nem é bom falar. Na DOPS ninguém

trabalha mais, pois todos os policiais estão mobilizados para a arrecadação das quotas do jogo do bicho e na expedição de portes de armas e também no contrôle das casas de tavolagem em grande número espalhadas pela cidade. Enquanto isso acontece, o Serviço de Repressão aos Tóxicos está completamente paralisado e a cidade entregue ao maconheiros e traficantes de maconha, os quais negociam abertamente nos locais onde os próprios policiais da DOPS têm conhecimento, mas lá não aparecem. Se algum flagrante de maconha é feito esporadicamente, são as delegacias distritais as responsáveis pelo acontecimento273.

As Jogatinas e o meretrício assim como os demais gozos a que se empregavam os indivíduos, bem como a hábito de fumar a maconha, eram volta e meia intermediados pela corrupção policial. Ainda assim muitas outras vezes esses prazeres proibidos e esperanças de deleite eram interditadas aos trabalhadores pois, era preciso dinheiro para desfrutá-los. É possível observar as intenções do Estado e suas tentativas de doutrinar e controlar também os tempos livres, confrontar o que seria proveitoso à ordem do trabalho, ou seja, o lazer positivo baseado em leitura, a prática de esportes, ou simplesmente o descanso merecido, versus o ócio negativo que debilitava os corpos e ou os espíritos.

272 Gazeta de Notícias, junho de 1960. 273 Gazeta de Notícias, abril de 1960.

As estratégias de controle sobre o tráfico e as maneiras de perseguir os maconheiros eram igualmente inventivas por parte dos policiais que tinham de acompanhar o tino daqueles criminosos que tentavam esconder a muamba de todas as formas. Para os jornalistas, ávidos por novidades acerca da erva maldita, acompanhar o trabalho da polícia na captura daqueles homens e mulheres permitiu a apreciação de vários elementos narrativos para reportar, e assim dramas e situações altamente consumíveis ao público leitor daqueles diários iam sendo costurados. A exposição e o constrangimento dos sujeitos presos por envolvimento com maconha rendiam boas tiragens aos jornais, ao passo que contribuía para a mistificação e a estigmatização da cultura cannábica. À medida que o medo social da maconha crescia, a humilhação pública e o rebaixamento social eram justificados e faziam parte do cotidiano dos maconheiros que se achassem interpelados e presos pelas autoridades.

“BOSSA NOVA” DA POLICIA CEARENSE. CONDUZIR PRESOS NUS PARA EVITAR A FUGA.

O agente da policia Dumar, do 4ªDP, prendeu na madrugada de ontem, dois maconheiros, de um grupo de vinte, que praticavam desordens na rua Padre Valdevino, próximo à avenida Barão de Studart, acusado de haverem quebrado onze lâmpadas daquela artéria e de baterem nas portas de várias residências. Solicitada a presença da polícia, chegou Dumar, que conseguiu localizar o grupo de emaconhados e imediatamente se pôs em perseguição ao mesmo, conseguindo prender três de seus componentes. Para facilitar a remoção dos prêsos ao distrito policial, e ao mesmo tempo tentando diminuir as possibilidades de fuga, dos mesmos, aquêle agente mandou que os meliantes de despissem. Mesmo assim, um deles conseguiu evadir-se quando juntamente com o policial se encaminhavam ao prédio onde funciona o 4ª Distrito274.