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A Tática da Associação dos Saveiros de Vela de Içar da Bahia

Capítulo 7 O TOMBAMENTO DO SOMBRA DA LUA: ENTRE ÉTICA,

7.3 A Tática da Associação dos Saveiros de Vela de Içar da Bahia

Em 16 de abril de 2013 um grupo de Mestres Saveiristas do distrito de Coqueiro, cidade de Maragogipe, liderados pelos Mestre Lourão e Mestre João Mérico, interessados em ter sua própria associação, organiza uma reunião no Sítio Santo Antonio de propriedade do Mestre João Mérico, para fundarem a Associação dos Saveiros de Vela de Içar da Bahia. Antonio Fragoso, filho do Mestre Muruim, Neto do Mestre Nute, torna-se presidente interino desta Associação, o mesmo relata os motivos para criação:

A gente teve uma grande necessidade, temos uma grande necessidade, porque uma grande necessidade? pelo motivo dos saveiros está sendo todo defasado, as histórias que são importantes para o município, que levava alimentos para Salvador, tanto alimentos como artesanato da região. Então aquela questão, a necessidade da gente buscar perante o governo federal, governo estadual e o IPHAN poder tombar um saveiro de nossa associação e daí a gente da inicio a recuperação, porque o Vendaval [saveiro] tem uma história maravilhosa dentro do rio, todos da Bahia conhece o Vendaval e está lá naufragado no cais de Maragogipe. Quando a maré enche ele desce, quando a maré baixa ele sobe, está todo acabado, precisa de uma reforma urgente. Então mais outros como de seu Lourão [Mestre Lourão], tem de meu pai, sou filho de saveirista também que é o dono do Rei do Oriente, tem outros saveiros que necessitam muito: o de Nelson que está lá na Ilha de Maré, com a água enchendo e vazando e não tem recurso para reformar. Então esta é a necessidade maior nossa, por dentro da Associação, fazer um projeto, deste projeto trazer recursos para fazer as reformas dos saveiros, dá o mínimo de dignidade aos donos dos saveiros, a história dos saveiros da Bahia que é importante, essa é a maior necessidade nossa e o maior projeto nosso, de fazer isso, para não deixar esta história se perder no tempo

Ação impulsionada pela insatisfação destes saveiristas com a Associação Viva Saveiro, que outrora era sua parceira. Conforme os relatos dos mestres há criticas aquela associação, que se afastou dos compromissos firmados, deixando-os a parte dos processos de melhoria dos saveiros. O presidente prossegue:

Eu analiso esse sistema, eu acho assim, sou um pouco radical, muita gente vinha de vários estados, vinha pra aqui, explorava a mão de obra que eu falo, o conhecimento do saveirista e lá fora lançava e nunca mais vinha aqui retribuir. Seu Lourão tem um conhecimento vasto, se vai buscar o conhecimento vai buscar via associação, então a gente vai amarrar isso, por que independente de você e qualquer outra pessoa, quando eu falo você não estou falando diretamente para você, falo que a pessoa gente para escrever um livro, a associação estará na frente, pois parte dos recursos deste livro tem que vir para a Associação dos saveiros, e

não é só você vir buscar o conhecimento. Meu tio, Nute, tem Lourão, tem Memeuzinho, tem Xagaxá que tem 78 anos de vida em cima de uma embarcação que foi de geração para geração, Nute foi de geração para geração, 92 anos. O cara suga o conhecimento que eles tem, escrevem o livro e os recursos não vem, como o Vendaval está ai acabado. Vendaval, o de Nelson que não está navegando. Então eu vejo como um crime, porque você suga o conhecimento daquela pessoa, aquela pessoa você esquece, só precisa naquele momento? É história, nós estamos falando da história do município, que até tem um projeto na Câmara dos Vereadores [Maragogipe], que a história dos saveiros tem que virar história na sala de aula, é importante para os saveiros, entendeu?

Desta forma, a nova associação dá inicio a um processo novo para si, no sentido que os mestres saveiristas e seus filhos, sem experiência no campo do patrimônio cultural, ao criar sua Associação, buscará condições para que os saveiros, saveiristas e demais profissões correlatas possam também sobreviver. Percebemos que esta associação e seus associados, por força das circunstâncias, criam suas próprias soluções, que permitem desencadear respostas a patrimonialização, abrindo frentes de ações para salvaguardar seus interesses. Fato que se aproxima do que Certeau (1998) compreende por Tática:

Chamo de tática ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar no terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter a si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é movimento "dentro do campo de visão do inimigo", como dizia von Bullow, e no espaço por ele encontrado. Ela não tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as "ocasiões" e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumenta a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. E astucia (CERTEAU, 1998, p. 100).

Nota-se que todos os membros desta Associação pertencem ao complexo mundo dos saveiros. Estes trazem na memória os maiores carregamentos de banana, cana, panelas e outros, os problemas com os ventos de viração, os naufrágios, os bordejos, e as competições, especialmente a velocidade do Vendaval II do Mestre Nute, os experientes mestres na cana do saveiro, tipo de leme, a fé na dona das águas “Iemanjá”, a paixão por seus saveiros com seus nomes tão significativos, os problemas atuais de manutenção, e a esperança de novos ventos para esta profissão e seus operadores.

Assim, a tática da nova associação está intrinsecamente ligada às histórias e memórias destes homens e de sua lida com os rios do Recôncavo e o mar da Baía de Todos os Santos. Lida esta que envolve comércio de areia, brita, frutas e outros produtos. Comércio não

possibilita uma vida digna e que precisa de novos tipos de tática para gerar renda e possibilitar a manutenção dos poucos saveiros que ainda existem no Recôncavo. Certeau (1998):

Em suma, a tática e a arte do fraco.(...) O poder se acha amarrado a sua visibilidade. Ao contrario, a astúcia é possível ao fraco, e muitas vezes apenas ela, como ultimo recurso: Quanto mais fraca as forcas submetidas aa direccao estratégica, tanto mais esta estará sujeita a astúsia. Traduzindo: tanto mais se torna tática (CERTEAU, 1998, p. 101).

Logo, compreendemos que a Associação de Vela de Içar da Bahia, desenvolveu e faz uso de sua tática, para estabelecer posição neste jogo de poder, que se constitui a patrimonializaçao de apenas um saveiro. Esta entidade, formada exclusivamente por saveiristas e familiares, buscam também voz junto aos órgãos de salvaguarda do patrimônio cultural, mas compreendem que o primeiro passo é a visibilidade, que lhes permitirá assumir o controle dos processos de preservação de seus referenciais a partir de suas experiências pessoais e coletivas, que estes vêm construindo há muitas décadas.