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3. Revisão Bibliográfica

3.6. A Técnica de Atrito Interno

O atrito interno pode ser definido como a capacidade de um material em amortecer vibrações mecânicas[33]. O amortecimento é ocasionado por mudanças na vibração da estrutura cristalina

dos sólidos provocadas, por exemplo, por interações soluto-discordâncias que resultam na dissipação da energia vibracional na forma de calor. A mudança da capacidade de um material em amortecer vibrações como função do tempo ou da temperatura corresponde a uma mudança no estado microestrutural dos sólidos[33].

A técnica de medidas de atrito interno e a espectroscopia de relaxação mecânica surgiram por volta da década de 1940, descoberta por Snoek[33,34], relacionadas principalmente com os estudos clássicos de difusão intersticial[31]. Atualmente, se presta, também, à resolução problemas de aplicações tecnológicas e industriais, tais como a determinação do teor de átomos intersticiais de carbono e nitrogênio em solução sólida em aços[33].

A técnica de atrito interno ou a espectroscopia de relaxação mecânica foi baseada no efeito Snoek[31], causado pela redistribuição de átomos de soluto em sítios octaédricos de um metal de estrutura cúbico de corpo centrado – CCC (figura 3.12), devido à aplicação de uma tensão alternada. Em metais, tal como o aço ferrítico, estas medidas permitem a determinação de quantidades tão baixas quanto 1ppm em peso de átomos intersticiais de carbono ou de nitrogênio[32, 35, 36]

O modelo de Snoek se baseia no fato de que em um metal CCC como o ferro-α, átomos intersticiais de carbono e o nitrogênio ocupam posições tanto no meio das arestas do cubo como no centro de suas faces, os sítios octaédricos[31-33].

Quando uma tensão é aplicada a um metal CCC, no regime elástico aparece instantaneamente uma deformação elástica (εe). Em conseqüência aos saltos de átomos intersticiais entre os

interstícios da rede cristalina surge uma deformação anelástica. Verifica-se que medidas da amplitude do pico de Snoekfornecem informações sobre a quantidade de átomos de solutos intersticiais dissolvidos em um metal CCC[37].

O tempo de aparecimento da deformação anelástica é denominado tempo de relaxação (τ). A figura 3.13 ilustra a relação entre as deformações elástica e anelástica[37].

Z

X

Y

Figura 3.12 – Estrutura CCC do Ferro-α, mostrando os sítios octaédricos que podem ser ocupados pelos átomos intersticiais[36-38].

Deformação

Tempo

ε

Elástica

ε

Elástica

ε

An (max)

Figura 3.13 – Representação esquemática da deformação elástica (εe) e anelástica (εan), a

partir da aplicação de uma tensão no regime elástico[36-38].

O componente anelástico da deformação, εan, após um tempo t, em um experimento de

relaxação sob tensão constante, é expresso por[37]:

( ) 1 t an an máx e σ τ ε =ε ⎡⎢ − − ⎤⎥ ⎢ ⎥ ⎣ ⎦ (3.11)

na qual εan(máx) é a deformação anelástica máxima que pode ser desenvolvida sob um dada

Retirada a tensão rapidamente, a deformação elástica é recuperada instantaneamente, enquanto a componente anelástica dependerá do tempo. Para esta condição, a componente anelástica é dada por:

( ) t an an máxe σ τ ε =ε − (3.12)

na qual εan é a deformação anelástica em qualquer tempo, εan(máx) é a deformação anelástica no

tempo da remoção da tensão, t é o tempo e τσ é o tempo de relaxação sob tensão constante.

Substituindo t por τσ: 0 ( ) ( ) 1 an an máxe an máx e σ τ τ ε =ε − = ε (3.13)

O tempo de relaxação é, portanto, o tempo que a deformação anelástica leva para cair 1/e do seu valor original[38].

Uma medida de atrito interno mais comumente utilizada é o decaimento logarítmico natural da razão entre as amplitudes sucessivas de oscilação de uma amostra submetida a uma tensão cíclica de torção no regime elástico. Uma bobina eletromagnética induz o movimento de um prato acoplado à haste que prende a amostra, e uma tensão de torção é aplicada. Com a retirada da tensão o sistema fica em decaimento livre[32,33,35,38,39]. A figura 3.14 mostra uma curva em decaimento livre registrada em um computador. Em metais a diferença de fase entre tensão e deformação é pequena. Portanto, o método de medidas de atrito interno está relacionado com a diferença de fase de uma amplitude i e outra i+n. e é apresentado pela equação (3.14.)[33,35,40]. Uma outra medida de atrito interno é perda de energia por ciclo dado pela equação (3.15.)[32-34]: ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ = + − n i i A A n Q 1 1 ln π (3.14) W W Q π π δ 2 1 = = − (3.15)

na qual Q-1 é o atrito interno, i é a i-ésima amplitude de oscilação da amostra e n é a n-ésima amplitude de oscilação após a oscilação i.

O valor da temperatura de ocorrência do pico de atrito interno depende da freqüência de oscilação do pêndulo, f, e do tempo de relaxação, τ, e podem ser compreendidos pela seguinte

equação[32,33, 41]:

(

0τ

)

ln f R Q Tmáx = (3.16)

na qual Q é a energia de ativação e R, a constante dos gases.

Figura 3.14 – Decaimento livre das oscilações após uma excitação realizada por meio de um pulso eletromagnético[41].

Alguns autores[42] mostraram, através de ensaios de atrito interno, que a altura do pico de atrito interno, Qmáx−1 , é proporcional à quantidade de carbono em solução em um aço ultra baixo carbono (figura 3.15) e que Qmáx−1 é maior quanto maior a quantidade de carbono. O pico em 40ºC é o pico de Snoek para o carbono.

-20 0 20 40 60 80 100 120 0 2 4 6 8 Q -1 .1 0 3 T (oC)

Figura 3.15 – Espectros de relaxação do aço ultra baixo carbono com diferentes quantidades de carbono em solução. Em torno de 40ºC aparece o pico de Snoek do carbono.

O atrito interno apresenta um grande potencial na determinação de fatores que afetam o desempenho mecânico de um material e pode ser utilizado para avaliar os seguintes fenômenos e propriedades[28]:

• envelhecimento após deformação, estático e dinâmico, através da análise de concentrações de átomos intersticiais de C e N móveis, da cinética de empilhamento de deslocações, das interações deslocações/intersticiais;

• relaxação mecânica, análise da forma e posição dos picos; • fenômenos de precipitação;

• comparação e avaliação de revestimentos, através de medidas de atrito interno e mudanças no módulo de elasticidade associadas com as propriedades de vários revestimentos;

• transformações de fase que envolvem mudança na capacidade de amortecimento como, por exemplo, as transformações martensíticas[43] e as transformações magnéticas[44].

Algumas das aplicações do atrito interno envolvendo transformações de fase são o estudo de transformações martensíticas em ligas com efeito memória de forma[45], e transições de fase em óxidos magnéticos[46].

Uma medida de atrito interno é um dos melhores métodos para determinar a quantidade de soluto, como o carbono, presente em ligas binárias Fe-C. Medidas com precisão de 1ppm de C

em solução podem ser obtidas através desta técnica. Entretanto, a altura e o perfil do pico de Snoek de átomos de C em Fe-α sofrem alterações com a adição de elementos de liga substitucionais. As modificações mais importantes introduzidas no espectro pela presença de átomos substitucionais estão relacionadas ao campo de deformação devido à diferença no tamanho atômico desses átomos substitucionais e podem ser[47]:

• redução da altura do pico de Snoek;

• em ligas ternárias Fe-C-X, a adição de elementos substitucionais menor que 1% em massa pode gerar picos extras[48];

• em alguns casos ocorre aumento da largura de meia altura[49]

.

Substitucionais tais como Mn, P, Si, Al, Cr e Co reduzem a altura do pico Snoek, sendo que, dentre estes, o Mn, P, Si e Al tendem a aumentar o valor da largura de meia altura[49].

Medidas de atrito interno revelam importantes informações sobre o mecanismo de formação da martensita, fenômenos prévios à transformação, mudanças estruturais dentro da martensita[50]. Por exemplo, o atrito interno na fase β em ligas a base de cobre é causado por descontinuidades na rede. O alto atrito interno na fase martensita é causado por movimento de contornos de macla, contornos de placas de martensita, dentre outros mecanismos[50].

Em ligas Cu-Zn-Al, comparações de reordenamento atômico e mecanismo de ancoramento induzido pela estabilização da martensita levam à conclusão de que a contribuição básica de ancoramento para estabilização da martensita se dá através de processos dissipativos, irreversíveis termodinamicamente, durante o movimento de interfaces[51].

Em adição a picos de amortecimento característicos em aços inoxidáveis austeníticos, a presença de outros picos pode ocorrer em função da presença de martensita deformada na estrutura. As condições de formação destes picos e os valores de seus parâmetros dependem da quantidade de carbono e do grau e da temperatura de deformação[52].

De modo geral vários são os fenômenos que modificam o espectro de atrito interno átomos de soluto, discordâncias, contornos de macla e de fase. Em materiais magnéticos, amortecimento magneto-elástico ocorre devido ao movimento das paredes de block, contornos de domínios magnéticos. Em materiais com alto amortecimento, o movimento de contornos de fase matriz/falha de empilhamento e de fase matriz/martensita ε, também são fontes de amortecimento[53].

Alguns autores relacionaram o amortecimento das vibrações mecânicas com:

Defeitos Pontuais. A inserção de defeitos pontuais em um cristal produz uma distorção elástica local. Como resultado dessa distorção, existirá uma interação entre o defeito e a tensão homogênea aplicada no cristal. Sobre diversos pontos de vista essa interação é análoga a interação de um dipolo elétrico com um campo elétrico aplicado[54].

Interação intersticial-substitucional. A presença de átomos substitucionais em metais CCC contendo impurezas intersticiais modifica o ordenamento induzido por tensão pela formação de complexos intersticial-substitucional[55].

Interação de discordâncias com defeitos da rede alteram o atrito interno geral do material. Tem-se relacionado o decréscimo na concentração de obstáculos, ancoramento de discordâncias, com a diminuição da temperatura, freqüência, amplitude de oscilação e parâmetros internos, tais como, tamanho de grão, densidade de interfaces e variadas estruturas de defeitos[56].

Interação Lacuna-carbono em ligas austeníticas. Têmpera, trabalho a frio, e irradiação de elétrons aumentam o pico de amortecimento associado ao movimento de C. Existe nesses casos a contribuição dos complexos lacuna-carbono na resistência de relaxação[57].

Freqüentemente a curva de atrito interno em função da temperatura de ensaio vem acompanhado de um ruído de fundo (“background”), que pode estar relacionado a diversos fatores. Surge, portanto, a necessidade de subtrair o ruído de fundo a fim de melhor evidenciar os vários fenômenos que podem ocorrer no material. Relaxações anelásticas em estruturas metálicas CCC deformadas estão relacionadas com um pico denominado Snoek-Köester, que ocorre em temperaturas acima de 200ºC.

Na figura 3.16 tem-se um espectro de atrito interno para uma amostra de ferro dopada com hidrogênio. Observa-se que em 120K aparece um pico de atrito interno que foi relacionado a um pico de Snoek do hidrogênio. O ruído de fundo foi retirado para análise do pico de hidrogênio no ferro[35].

Figura 3.16 – Pico de Snoek de H em Fe medido em 10MHz. Observa-se o “background” subtraído do espectro de atrito interno obtido para melhor análise do efeito do H no Fe. Baraz et al[52] encontraram quatro picos de atrito interno presentes em um aço inoxidável austenítico do tipo 18/9 em ensaios de atrito interno com freqüência de 1Hz. Os picos foram localizados nas faixas de temperaturas de 60ºC a 80ºC, 120ºC a 140ºC, 210ºC a 230ºC e 310ºC a 330ºC. Os picos de 60ºC a 80ºC e 310ºC a 330ºC foram relacionados à fase austenítica deformada. Os outros dois picos foram atribuídos à presença da martensita α’. Talonen et al[54], em estudos com dois aços inoxidáveis austeníticos AISI 301LN e AISI 304, levantaram espectros de atrito interno com freqüência de 1,8Hz. Os aços possuem composição química parecida, exceto pelas quantidades de carbono e nitrogênio presentes nas amostras, o primeiro com 0,02C e 0,11N e o segundo com 0,05C e 0,05N. De acordo com seus resultados, os aços estudados foram afetados pelo trabalho a frio através da formação de martensitas ε e α’ induzidas por deformação e falhas de empilhamento. Dentro da faixa de temperaturas estudadas, –196ºC a 250ºC, foram encontrados dois picos de atrito interno nos materiais deformados. O primeiro pico ocorreu na temperatura de 0ºC e teve um valor máximo de atrito interno para reduções de 10 a 15%. Segundo os autores esse pico provavelmente está relacionado com a existência de falha de empilhamento e martensita ε. O outro pico foi encontrado na temperatura de 130ºC e foi relacionado à presença da martensita α’ e o pico é provavelmente causado pelo revenimento da α’. Tratamento de envelhecimento em 200ºC por 20min diminuiu a capacidade de amortecimento dos materiais estudados.

Pinto et al [43,59] trabalhando com um aço do tipo 304 observou três picos de atrito interno nas temperaturas de 120, 220 e 330ºC para freqüências de 1Hz, figura 3.18. Em deformações verdadeiras de 0,3 o pico de 220ºC foi relacionado com a quantidade de martensita α’, potencialmente pela movimentação dos átomos de carbono dissolvidos em solução sólida de martensita α’ para as discordâncias ou defeitos, durante o aquecimento do material.

40 80 120 160 200 240 280 320 360 400 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 (b) (a) Deformadas em -10ºC de: 10% 30% Q -1 x1 0 3 T (oC)

Figura 3.17 – Espectro de atrito interno de amostras deformadas em –10ºC. (a) amostra deformada de 10%, observam-se dois picos nas temperaturas de 120 e 330ºC (b) amostra

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