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Capítulo 2: O RETORNO DA RELIGIÃO

2.2. A religião que retorna na filosofia

2.2.2. A tarefa da filosofia

Com a superação da metafísica a filosofia fica destituída de qualquer pretensão de superioridade em relação à religião (descobriu-se que a demitificação era um mito como outros), isso não a leva de volta à Idade Média, tornando-a serva da teologia ou das instituições religiosas, mas a um novo desafio: Como ela pode (ou precisa) se relacionar com a religião que retorna? Lembrando a declaração de Vattimo de que “Até agora os filósofos acreditaram em descrever o mundo, é chegado o momento de interpretá-lo”, como pode a filosofia interpretar a religião que retorna? Podemos ter uma idéia de como Vattimo procura responder essa questão olhando para sua

experiência pessoal: “Estou convencido, e não só por ‘baixos’ motivos de apego às minhas paixões, que se existe em mim a vocação para reencontrar o cristianismo ela significa, antes de mais, a tarefa de repensar os conteúdos da revelação em termos secularizados – também no sentido de ‘conformes ao século’; portanto, em termos que não repugnam à minha, pouco ou muita, cultura de homem do meu tempo (AA, p. 72-73)”. Vattimo parece querer mostrar é que a filosofia que supera a metafísica e que dá voz à religião fica sempre entre duas dificuldades: a de aceitar a religião que retorna integralmente – e isso inclui os posicionamentos fundamentalistas e dogmáticos – e a de rejeitá-la – ao menos nesses aspectos negativos – correndo o risco tornar-se autoritária, mais uma vez pretensiosamente proprietária da verdade. Sua escolha parece ser a tentativa de encontrar uma “via média”, a aceitação da religião, mas não como algo rígido, como uma verdade que nos é dada e que devemos aceitar passivamente. Ela não deve ser posta como outro saber absoluto. A religião que retorna deve ser interpretada conforme os “sinais dos tempos”, de forma que fale à experiência do homem do fim da modernidade.

É claro que num primeiro momento essa interpretação da religião, não somente de suas doutrinas, mas também de seus símbolos, não se constitui nada novo. O “método da correlação” de Tillich, por exemplo, busca fazer uma hermenêutica das verdades da “revelação” (cristã-bíblica) como respostas às perguntas da existência do homem de hoje. Etienne Higuet (1995, p. 40), apresentando o método da Teologia Sistemática, diz “Trata-se de elaborar uma ‘teologia resposta’ às questões envolvidas na ‘situação’, que é a auto-compreensão criadora da existência, a consciência-de-si criadora do ser humano numa época histórica determinada”. Mas podemos notar uma pequena diferença entre as hermenêuticas tillichiana e vattimiana. Se por um lado Tillich privilegia a interpretação da “revelação” dentro de um contexto, por outro a concebe como fundamento para sua teologia. É evidente que em Tillich esse fundamento é interpretável, mas também não deixa de ser absoluto enquanto portador de uma verdade. Vattimo também não faz hermenêutica a partir do nada, partindo de Gadamer, ele compreende que o princípio interpretativo deve vincular-se à tradição e que a “verdade” possível é sempre dada dentro desse horizonte hermenêutico. Penso que seja necessário um estudo específico sobre as proximidades da hermenêutica de Tillich com a hermenêutica pós-heideggeriana, coisa que aqui não tenho condições de fazer tanto pelo espaço como por minhas limitações em

relação ou pensamento de Tillich37. Mas mesmo numa leitura superficial já é possível ver, apesar das grandes diferenças, importantes pontos de encontro entre Tillich e Vattimo. A interpretação vattimiana da religião em seu retorno se aproxima também, além do “método de correlação”, guardadas as devidas diferenças, com o método da teologia latino-americana de observar a realidade, buscar na Bíblia elementos que ajudem julgá-la e, a partir disso, traçar ações que promovam libertação, como feito nos CELAM’s de Medelín e Puebla, e de modo menos formal nas comunidades de base.

Vattimo diz que se faltam à filosofia razões fortes para rejeitar a religião, ela deve então assumi-la numa atitude crítica para com suas características negativas (fundamentalismo, comunitarismo, sacrifício da liberdade, etc.). Essa atitude crítica da filosofia tem como propósito fazer dela um pensamento relevante, que não seja apenas um conjunto de reflexões vazias. Deixar de fora de sua reflexão o fenômeno do retorno da religião é perder de vista o presente momento. Vattimo critica a filosofia que não leva em conta o retorno da religião como conseqüência da superação da metafísica nos seguintes termos:

Enquanto, porém, a filosofia contemporânea continuar se considerando atéia e agnóstica, com base na continuidade da inércia das suas posições metafísicas precedentes ela se afastará, cada vez mais, da consciência comum, recolocando-se naquela posição “esotérica” que já Hegel, de maneira tão eficaz, havia criticado no prefácio da Fenomenologia. Grande parte das especializações filosóficas de hoje, que vivem entre as quatro paredes dos departamentos universitários agindo, quase exclusivamente, sobre temáticas epistemológicas, historiográficas, lógicas, etc., estão expostas a este risco de “ineficácia”, usando, mais uma vez, a terminologia de Hegel. Assim, a filosofia hoje não pode mais considerar a vitalidade social da religião como um fenômeno de atraso cultural favorecida pela astúcia dos padres, ou como expressão de uma alienação ideológica que deveria ser superada com a revolução e a abolição das divisões do trabalho. Ela pode e deve, reconhecendo-se parte do mesmo processo histórico que favorece o retorno da religião, apreender no interior dele os princípios para avaliar criticamente os seus êxitos (DC, p. 111-112).

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37 Cláudio Carvalhaes (2006) aponta algumas dificuldades da ontologia tillichiana à luz das teologias

pós-modernas norte-americanas, aponta também aberturas no seu pensamento que possibilitaram essa nova reflexão teológica.

O retorno da religião acontece em duas instâncias: na sociedade e na filosofia. Na primeira como efeito das ameaças à vida e à essência do homem provocado pelos riscos associados ao desenvolvimento técnico-científico e ainda pela necessidade de um fundamento que produza segurança em meio à insustentável vida do fim da modernidade. A religião retorna como reação à insegurança em um mundo onde as certezas se diluem com o fim da metafísica. Na segunda modalidade a religião retorna na mesma situação mas por motivos contrários. É o fim da metafísica que possibilita associar filosofia e religião. Os grandes discursos contra a religião cunhados na modernidade tinham por base uma concepção de história como progresso, nisso a religião era sempre vista como um momento de atraso que deveria ser superada para abrir lugar à razão e à ciência. Quando se torna impossível sustentar esses discursos, já que foram desmascarados como apenas interpretações e que tinham por sustento bases de caráter mítico, torna-se impossível também negar a experiência religiosa, abrindo a filosofia para um encontro com ela38.

Sabendo agora que para Vattimo há um retorno da religião no momento em que a metafísica é superada surge outra questão: De que forma ela retorna? Ou melhor, o que caracteriza a religião nesse retorno? Podemos assim passar ao próximo capítulo que trata da secularização. Porque, segundo me parece, para Vattimo a religião na atualidade se caracteriza pela forma secularizada e ao mesmo tempo, no caso especifico do cristianismo, carrega em si a mensagem da secularização.

38 Poderia-se argumentar que o fim da metafísica não está diretamente relacionado ao retorno da

religião já que pode haver rejeição da metafísica e ao mesmo tempo da religião, caso do neo- darwinismo. Mas é preciso lembrar que a idéia de metafísica em Vattimo é bastante genérica, o que segundo sua perspectiva, mesmo um discurso que negue a metafísica pode ainda estar carregado dela. O positivismo científico, por exemplo, ao mesmo tempo que rejeita a metafísica se assenta sobre seus fundamentos quando acredita poder chegar a uma verdade objetiva.

Capítulo 3