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A TECNOLOGIA DE CICLO DE RANKINE ORGÂNICO

4 M ODELAGEM DO CICLO DE R ANKINE

4.2 A TECNOLOGIA DE CICLO DE RANKINE ORGÂNICO

O processo de geração de eletricidade em um ciclo de Rankine orgânico é análogo ao processo em um ciclo de Rankine convencional, diferenciando-se basicamente pelo emprego de fluidos orgânicos, como

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hidrocarbonetos ou fluidos refrigerantes, em substituição ao vapor de água. Aplica-se extensamente a tecnologia de ciclos orgânicos desde a primeira metade do século 20, porém o seu uso para a conversão de energia solar em trabalho útil recebeu maior atenção apenas recente­ mente (MCMAHAN, 2006). A vantagem do uso de ciclos orgânicos para o aproveitamento da energia solar reside na sua simplicidade e na sua versatilidade. Para fontes de calor de baixa temperatura, os ciclos orgânicos revelam-se mais compactos e mais baratos que os ciclos convencionais a água e, além disso, proporcionam maior eficiência de conversão. Como consequência, ciclos orgânicos são comuns em aplicações de baixa temperatura e de pequena capacidade, destinando-se geralmente à produção de energia elétrica a partir de calor residual, a partir das energias solar e geotérmica ou a partir de fontes convencionais em regiões isoladas.

4.2.1 ANALOGIACOMOCICLODE RANKINECONVENCIONAL

A configuração de ciclo de Rankine orgânico que se encontra com maior frequência em aplicações comerciais é a mesma exibida pelo diagrama de fluxo da Figura 4.1. A única discrepância dessa concepção em relação a um ciclo convencional está na presença do recuperador, o qual aproveita parte da energia disponível na saída da turbina para pré- aquecer o fluido na entrada do gerador de vapor. Outro aspecto evidente no esquema da Figura 4.1 é a ausência de um conjunto de pré-aquece­ dores de água de alimentação, os quais são comuns em ciclos de Rankine convencionais. Com o objetivo de esclarecer essas diferenças estruturais e os benefícios oferecidos pelo ciclo orgânico em aplicações de baixa temperatura, apresenta-se em seguida um paralelo do ponto de vista termodinâmico entre ambos os ciclos.

Curvas de saturação para a água e para o n-hexano, geradas com o software EES, são apresentadas nas Figuras 4.2 e 4.3. As vantagens proporcionadas pela água e pelos fluidos orgânicos em cada aplicação estão diretamente relacionadas com as diferenças observadas nas suas curvas de saturação. Mais especificamente, a grande diferença entre ambos os tipos de fluido encontra-se na inclinação das curvas de saturação do vapor, o que influencia diretamente o comportamento do fluido durante a sua expansão através da turbina. No caso da água, a curva do vapor exibe uma inclinação negativa (Figura 4.2). Porém, a curva do vapor para muitos fluidos orgânicos exibe uma inclinação positiva (Figura 4.3).

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Figura 4.2: Diagrama T-s para a água, mostrando o formato de sino da curva de saturação e a inclinação negativa da curva de saturação do

vapor (linha contínua).

Figura 4.3: Diagrama T-s para o n-hexano, mostrando a inclinação positiva de grande parte da curva de saturação do vapor (linha contínua),

característica comum em fluidos orgânicos.

A expansão na turbina ocorre para os dois tipos de fluido de maneira distinta. No caso da água, se o vapor entra saturado na turbina e sofre uma expansão isentrópica até a pressão de condensação do ciclo, o fluido na saída exibe uma fração de líquido alta (do ponto de vista da conservação da estrutura interna da turbina). Dessa forma, o emprego de superaquecimento e reaquecimento no ciclo torna-se indispensável para

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que se evite a deterioração do equipamento, introduzindo complicações para a concepção do sistema. No caso de um fluido orgânico como o n-hexano, obtém-se vapor superaquecido após a expansão na turbina em vez de uma mistura de líquido com vapor. A ausência de líquido ao longo da turbina traduz-se em um sistema mais simples, uma vez que não há necessidade de emprego de superaquecimento e de reaqueci­ mento.

Além disso, pelo fato de o fluido sair superaquecido da turbina, a sua temperatura encontra-se mais alta que a temperatura de conden­ sação, mesmo que a sua pressão seja idêntica à pressão de condensação. A ocorrência dessa temperatura mais alta cria um potencial de transfe­ rência de calor, possibilitando o aproveitamento de parte da energia existente na saída da turbina para o pré-aquecimento do fluido na entrada do gerador de vapor. Ao aproveitar a energia na saída da turbina, eleva-se a eficiência do ciclo, embora o sistema torne-se mais caro pela necessidade de um trocador de calor adicional (recuperador). O aumento de eficiência pode ser interpretado de duas formas. A primeira interpre­ tação está relacionada com o fato de que uma menor quantidade de calor precisa ser fornecida para uma mesma quantidade de trabalho realizado, uma vez que se transfere internamente parte do calor necessário. A segunda interpretação está relacionada com as temperaturas nas quais as energias são transferidas através das fronteiras do ciclo. Por ser maior a temperatura média durante o fornecimento de calor e menor a tempe­ ratura média durante a rejeição, conclui-se que a eficiência, de acordo com Carnot, deve ser maior.

Segundo Saleh et al. (2007), as vantagens do ciclo orgânico tornam-se claras para fontes de calor de baixa temperatura devido à razão entre o volume específico do fluido na saída da turbina e o seu volume específico na entrada, que pode ser menor em uma ordem de magnitude para os fluidos orgânicos em relação à água. Essa caracte­ rística dos fluidos orgânicos facilita o desenho da turbina, propiciando um equipamento mais simples. As turbinas utilizadas em um ciclo com vapor de água geralmente são complexas e apresentam diversos estágios, os quais servem também para a extração de parte do fluido ao longo de sua expansão. O fluido extraído destina-se a um intrincado sistema de pré-aquecedores de água de alimentação, o qual tem a função de elevar a eficiência do ciclo e também remover gases não-conden­ sáveis. Por outro lado, as turbinas utilizadas em ciclos orgânicos geral­ mente são simples e muitas apresentam um único estágio. Diferente­ mente de ciclos convencionais, a diversidade de fluidos orgânicos dispo­

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níveis permite que um fluido de trabalho seja escolhido de forma que o condensador trabalhe com pressões superiores à pressão atmosférica, evitando a infiltração de gases não-condensáveis.

A vazão volumétrica do fluido de trabalho após o processo de expansão determina as dimensões da turbina e do condensador em um ciclo de Rankine. Com base nos resultados de Tchanche et al. (2009), observa-se que ciclos operando com fluidos orgânicos apresentam vazões volumétricas muito inferiores em relação a ciclos com vapor de água e consequentemente propiciam um equipamento mais compacto. Por último, destaque-se que ciclos de Rankine orgânicos podem ser projetados com condensadores resfriados a ar no lugar de torres de resfriamento evaporativas tipicamente usadas em usinas com ciclos de Rankine convencionais. Consequentemente, plantas podem ser construídas em regiões desérticas porque praticamente não necessitam de água para a sua operação (PRICE; HASSANI, 2002).

4.2.2 FLUIDOSDETRABALHO

Há uma grande quantidade de fluidos orgânicos possíveis, entre substâncias puras e misturas, e diversas alternativas são avaliadas por Saleh et al. (2007) e Tchanche et al. (2009). Entre os fluidos utilizados com êxito, podem ser citados como exemplo o tolueno, o n-pentano e o refrigerante 113. Para este estudo, adota-se como fluido de trabalho o hidrocarboneto n-hexano. Um fluido de trabalho deve ser escolhido de forma que se tenham níveis de pressão moderados para os limites de temperatura entre os quais o ciclo opera. No caso do n-hexano, a pressão de saturação fica em torno de 1800 kPa para a temperatura de 200°C e em torno de 50 kPa para a temperatura de 50°C. Embora os níveis de pressão sejam aceitáveis, o n-hexano não apresenta a vantagem comum entre os fluido orgânicos de condensar com pressões superiores à pressão atmosférica.

Existem aspectos práticos relacionados ao fluido de trabalho, como inflamabilidade e estabilidade química, os quais podem impossibi­ litar o uso de um determinado fluido independentemente da adequação de suas características termodinâmicas para a aplicação considerada. Em particular para os alcanos de cadeias mais longas, a auto-ignição pode ser um problema a temperaturas acima de 200°C (SALEH et al., 2007). Considera-se esse requisito de segurança neste estudo. Por outro lado, não se considera a questão da estabilidade química, uma vez que, de acordo com Andersen e Bruno (2005), a estabilidade para alcanos de

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cadeias retas, mais especificamente o n-pentano, parece não ser um problema a uma temperatura ainda mais alta (315°C). Existem ainda outros critérios envolvidos na seleção de um fluido de trabalho: toxidade, potencial de destruição de ozônio, potencial de aquecimento global, compatibilidade com outros materiais e custo.