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A tecnologização das emoções

No documento [Download Integral] (páginas 85-119)

A TECNOLOGIZAÇÃO DAS EMOÇÕES

«Se o outro sofre de alucinações, se teme ficar louco, eu próprio deve- ria alucinar-me, eu próprio deveria ficar louco. Ora, qualquer que seja a força do amor, isso não se verifica: fico comovido, angustiado, pois é horrível ver sofrer quem se ama, mas, ao mesmo tempo, fico seco, estanque. A minha identificação é imperfeita: sou uma Mãe (o outro inquieta-me), mas uma Mãe insuficiente: agito-me demasiado, na razão igual da profunda reserva em que, de facto, me encontro. Pois, ao mesmo tempo que me identifico “sinceramente” com a infe- licidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem

mim e que, sendo infeliz por si próprio, o outro me abandona: se ele

sofre porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio.»

Roland Barthes, “Dói-me o outro”, 1995:80-81

1. Da sedução e de uma pele tecnológica

Depois do homo sapiens e do homo videns, pode dizer-se que a nossa época fabrica retalho a retalho um novo ser, o homo sensibilis, homem de afectos, de sensações, de desejos e de paixões. «Não será que, depois do

homo politicus e do homo economicus», interpela Maffesoli «não nos con-

frontamos com o surgimento de um homo aestheticus?» (Maffesoli, 1988a:246). O que o sociólogo pretende nesta interrogação é reconhecer que a nossa civilização se define por uma cultura do sentimento que é, segundo diz, a consequência da atracção. «As pessoas agregam-se», explica ainda, «segundo as ocorrências ou os desejos. É uma espécie de acaso colectivo que prevalece.» (ib:244). Quando, em 1979, Baudrillard publicou De la séduction, havia nele já a intuição de que o sentimento dominava de algum modo a socialidade, determinada pela consumação de prazeres imediatos. Explicava então que «somos a cultura da ejacu- lação precoce. Cada vez mais, qualquer sedução, qualquer forma de sedu- ção, que é um processo altamente ritualizado, apaga-se por trás do imperativo sexual naturalizado, por trás da realização imediata e impe- rativa de um desejo» (1992:47). Especialmente nisso, no facto de se dis- solver nesta realização imediata, a sedução é bem a expressão do nosso tempo. Ela é da ordem dos objectos e da simulação, da ilusão e da apa-

83Considerado por alguma crítica um filósofo do corpo, o cinematógrafo David Cronenberg

conseguiu realizar no filme eXistenZ uma imagem muito intrigante da hipotética fusão do corpo com a máquina. Neste filme, Cronenberg imaginou um jogo cuja “consola” é uma espécie de matéria biológica que se liga, por uma bio-porta, através de um quase cordão umbilical, à espinal-medula do jogador. Sinal dos tempos, como diz a dado passo a prota- gonista do filme, Allegra Geller, este jogo revela uma nova erótica que se desenvolve entre a máquina e o indivíduo. A máquina tem vida, adoece, porque está afinal ligada ao nosso corpo, e o indivíduo interage com a máquina, sentindo o que a máquina lhe sugere. E a máquina que é a consola deste jogo, do eXistenZ, propõe uma viagem vertiginosa, ao mesmo tempo dentro e fora da realidade. Com esta simbiose entre o maquínico e o humano, entre o inorgânico e o orgânico, há um enigma que fica sempre por resolver, como bem o insinua, no final do filme, esta ficção de Cronenberg: quando é que se está ou não em jogo? Quando é que se está ou não na realidade? E onde é que se está, quando não se está na realidade, se o jogo e a vida parecem confundir-se ou convergir um para o outro?

rência. Como observávamos no primeiro capítulo, a sedução não é da ordem do real, porque no regime da simulação e da aparência o real é, também o diz Baudrillard, o lugar do desencantamento. Ora, a sedução é cúmplice do encantamento e por isso joga-se no «desprendimento do real através do próprio excesso das aparências do real» (ib:73). Com efeito, em De la séduction, o autor esboça já uma das suas teses funda- mentais, a de que os objectos traçam uma semelhança alegórica do real consigo mesmo, ferindo-o de uma certa irrealidade. Por conseguinte, torna-se irreprimível a ideia de que «seduzir é morrer como realidade e produzir-se como engano. É ser presa do seu próprio engano e mover-se num mundo encantado» (ib:79-80).

Em boa verdade, a sedução está, no mundo pós-moderno, em toda a linha: está na moda, está na publicidade, está no discurso político que se quer persuasivo como o publicitário, está na aparência dos objectos de consumo e está a todos os níveis nas relações interpessoais. Mas o que há de verdadeiramente espantoso na sedução é o seu encontro com a téc- nica. Como a técnica mobiliza para a ligação (Cruz, 2002: 38), a técnica tem também hoje algo de sedutor. Ela é maquinadora de paixões. «Tal como há uma tecnologia da sensibilidade», propõe Teresa Cruz, «há tam- bém uma tecnologia dos afectos que, aliás, se alia a ela, como no cinema ou na televisão, para dirigir com precisão o olhar, a escuta e, ainda, os estremecimentos de emoção, de terror, de indignação, de compaixão, etc...» (ib: 37). Há nesta abordagem da sedução da técnica e pela técnica um abandono da subjectividade e uma animação do inorgânico, que se torna cada vez mais sedutor, como se pudéssemos dizer, usando uma expressão original em Perniola, que a tecnologia se enche de sex-appeal. É uma excitação nova que deriva da quase fusão entre a máquina e os cor- pos83, uma excitação porém abstracta que dá entrada a um tipo de sentir

84A “biologização dos devices” é uma expressão cara ao historiador que em vários momen-

tos se tem referido à colagem dos devices ao nosso corpo, à nossa casa, bem como à dimi- nuição da distância física entre nós e as vozes que nos chegam de fora.

aparelhos se estão a colar ao nosso corpo, a biologizar-se84, a dominar os

nossos sentidos, diminuindo a capacidade de mediação. Estarão, no fundo, a sentir por nós e é isso que torna o sentir impessoal. A própria figura ima- ginária do cyborg, que corporiza a hibridez do bio e da técnica, é uma espé- cie de corpo sem carne – porque a carne significa algo de corruptível, caduco, temporal (Perniola, 2004) – mas alma com emoção. O cyborg expõe a visão do mundo que vem como o mundo das máquinas, uma visão que tem de mais inquietante o facto de vermos nestas máquinas «uma possi- bilidade, uma viabilidade de nós mesmos» (Cruz, 2000: 139).

Parecerá estranho que falemos da figura do cyborg quando o objecto do nosso trabalho é a experiência comunicativa em termos amplos e a expe- riência jornalística em termos mais específicos. Mas a verdade é que há nas nossas relações comunicativas e nos fluxos informativos que atraves- samos um travejamento tecnológico que nos realiza como seres humanos intimamente conectados a máquinas. Sorrir, franzir o sobrolho, exprimir espanto, chorar são hoje gestos tecnologizados, fixados que estão nos signos de um código cibernético que aparelha as nossas comunicações através de SMS’s e de softwares de conversação onde o inorgânico é que se torna dese-

jante. A emoção que a realidade desperta hoje em nós, que o curso da vida,

da flagrância do nascimento à agonia da morte, nos incita a sentir, é esti- mulada por feixes electrónicos de luz que atravessam ecrãs e por sons edi- tados por sintetizadores. A condição para que a realidade se faça sentir é esta: que o olho que a examina seja o de um homem potenciado e aperfei- çoado, qual cyborg (Perniola, 2004), capaz de aceder ao real que está aí, sempre disponibilizado pelos sentidos das máquinas (vídeo-câmaras, micro- fones…) – portanto, apenas sob a aparência de si mesmo – e de nele se entrosar completamente seduzido pela erótica mass-mediática.

Derrick de Kerckhove, provavelmente um dos mais importantes e fiéis seguidores de Marshall McLuhan, subinha num livro intitulado A Pele da

Cultura que os media electrónicos são extensões, não apenas do sistema

nervoso humano, mas também da sua psicologia. Desenvolvendo uma visão apocalíptica, Kerckhove prevê nesta “investigação sobre a nova realidade electrónica” (1997) que a transformação do social pelas inovações tecnoló- gicas possa conduzir a humanidade à fragmentação ou para uma ainda maior globalização. Ele teme mesmo que a tecnologia controle as nossas vidas. Estando certo de que a Internet é um embrião de um cérebro colec- tivo, o autor advoga ainda que as máquinas já estão a falar connosco. As máquinas electrónicas reconhecem-nos e podem antecipar os nossos desejos.

Kerckhove é um dos mais emblemáticos anunciadores da transforma- ção dos indivíduos numa forma cyborg. Para ele, «à medida que a tecno- logia estende uma das nossas faculdades e transcende as nossas limitações físicas, nós desejamos adquirir as melhores extensões do nosso corpo» (1997:31-32). E concebendo as psicotecnologias como o termo pelo qual define o poder das tecnologias para amplificar a nossa mente, ele sustenta que as novas tecnologias (videoconferências, videofones…) pro- longam as propriedades de envio e recepção da mente, penetrando e modi- ficando as nossas consciências (ib:34).

A surpresa com que a era digital nos terá aguardado está já aí, con- cretizada na tecnologização de toda a nossa experiência, inclusive das nossas mais humanas emoções. Longe de nos referirmos apenas ao campo dos jogos, ao entretenimento ou às relações interpessoais, é no jornalismo, como experiência da actualidade e como experiência de aparelhamento das nossas emoções que fixamos o nosso olhar. Com especial propensão para o desenvolvimento de uma racionalidade emotiva, os media em geral e o jornalismo em particular projectam-nos hoje para a exploração sensí- vel do mundo, uma exploração que não leva já o logos, o ethos e o pathos, mas quase exclusivamente o pathos, a emoção.

2. A televisão, mercadora de emoções

Concentrando nela a imagem do espectáculo, «como organização social presente da paralisia da história e da memória» (Debord, 1992:156), a televisão apareceu em meados do século XX como símbolo do consumo e, como tal, como meio de “produção acelerada de relação” (Bau- drillard, 1995:182). Nestas circunstâncias, a televisão situa-se no plano mais íntimo da afirmação da aparência. E mais do que isso, ela inscreve- se prioritariamente no universo das emoções (Prats, 1997). Que os signos visuais e sonoros provocam uma forte estimulação sensorial, parece mais ou menos certo. Esse é desde sempre o intuito da música e da pintura, com as quais a televisão tem pelo menos esta afinidade: o facto de se constituir como uma actividade destinada à fruição. Embora não tendo a gratuitidade da arte nem a sua expressividade individual, a televisão gere igualmente um jogo de transferência de sentidos emotivos. Do entretenimento à informação, o meio televisivo é prioritariamente voca- cionado para a sensorialidade. Propensa ao elogio da razão sensível (Maf- fesoli, 1996), a televisão concretiza mesmo uma espécie de desejo de encarnação (Perniola, 2004) do sentimento do outro. Dir-se-ia que ela prolonga, mais do que qualquer outro meio, os nossos sentidos, promo-

85O debate em torno desta questão foi de tal forma intenso em Portugal que chegou a ser

bandeira da actividade política. Em Novembro de 1994, por exemplo, Marques Mendes, do Partido Social Democrata, pede aos três canais televisivos – RTP, SIC e TVI – para que constituam um pacto de conduta com vista à auto-regulação e à moderação da violência nas imagens emitidas. Este acordo virá a ser assinado em Julho do ano seguinte, com- preendendo a utilização de sinalética para identificar nos ecrãs os programas ditos vio- lentos. Pouco antes, em Maio de 1995, o Partido Popular defende a realização de um estudo com vista à introdução de um V-chip como forma de controlar o grau de violência visionado a partir dos televisores. Nos EUA, este dispositivo passa a ser obrigatório para os aparelhos colocados no mercado. Por outro lado, também os telespectadores se organi- zam para reflectir e fazer propostas no que concerne ao fenómeno da violência televisiva. Em 1995, noticia-se mesmo a entrega ao governo e aos operadores de televisão de um documento com recomendações para prevenir a violência. Também ao nível internacional, a questão da violência na TV se repercutiu em medidas concretas tomadas entre 1995 e 1996: na Suécia, os canais televisivos assinam um pacto de conduta por forma a garantir que não exibem violência antes das 21h00. Em Itália, o presidente da República escreve ao primeiro-ministro preocupado com a degradação das emissões televisivas. Em Ingla- terra, o governo desenvolve uma campanha de sensibilização para que se diminua a vio- lência transmitida pela televisão. Finalmente, em França, os canais de emissão hertziana adoptam, em Novembro de 1996, um código de sinalética para identificação de progra- mas com cenas de sexo e de violência.

vendo uma extensão tecnológica da nossa própria pele. Estão nela a audi- ção e a visão e quase estão o gosto, o tacto e o olfacto. Nela se sintetiza por isso uma experiência do real, que quer dizer uma experiência do acontecimento quase em acto.

Em 1994, um intenso debate sobre o lugar da violência nos media fez muitos críticos gritarem contra a televisão. Discutia-se, então, a neces- sidade de as televisões moderarem as cenas potencialmente violentas, exibidas em filmes, desenhos animados e mesmo em reportagens infor- mativas85. Temia-se, como alguns estudos científicos tentaram provar,

que o visionamento da violência incitaria comportamentos igualmente violentos. Mas o que este argumento contra a exibição de conteúdos de carácter violento encerra de verdade é o reconhecimento da capacidade da televisão para tocar o sentimento. Chegaram a compará-la, por isso, à Caixa de Pandora, a caixa que, segundo a mitologia grega, a primeira mulher, Pandora, abriu, abatendo assim, sobre toda a humanidade, os males nela contidos. O que há nisto de curioso é que, na realidade como no mito, a sedução é a origem da crise. Diz o mito que Pandora seduz Epmeteu, guardião da caixa, que lhe pede que retire as gralhas que a protegem, dizendo-se amedrontada com os animais, e que o envolve num episódio de amor a seguir ao qual Epmeteu cai em sono profundo. Apro- veitando este repouso de Epmeteu, Pandora cumpre a vontade dos deu- ses de castigar os homens que tinham começado a devastar a terra, derramando sobre eles o conteúdo maligno da caixa que Prometeu enco-

86Também no mito judaico-cristão da criação do mundo segundo Adão e Eva a sedução está

na origem do mal consignado à humanidade.

87Haveria que acrescentar, mais recentemente, no panorama televisivo português, o programa

“Canta por mim”, um concurso produzido pela TVI, que tem de intrigante, não o facto de con- vidar figuras públicas para cantar, mas o detalhe de lhes efectuar este pedido a propósito de casos de carência social que a prestação de cada figura pública patrocinaria em caso de vitória no concurso. Se a SIC liderou este tipo de programação na segunda metade da década de 90 com programas como “All you need is love” e “Perdoa-me”, parece certo que foi a TVI que mais investiu neste início de século em reality shows de carácter preferentemente emo- tivo. Veja-se ainda os exemplos de “Pedro, o Milionário” e de “Doutor, preciso de ajuda!”

mendara ao irmão86. Com todo o sex appeal, a televisão, dir-se-ia, tam-

bém nos seduz, também nos adormece, para finalmente nos contagiar com o que parecem ser os males pós-modernos: não a mentira, mas a ilusão; não as doenças, antes a melancolia; não a inveja, antes a insa- tisfação; não a velhice, mas sim a caducidade da história; não a guerra e a morte, talvez a apatia e o empobrecimento da experiência.

Os laços que unem a televisão à crise da modernidade não decorrem de uma simples convergência de circunstâncias. Eles são, pelo contrário, de uma ordem mais profunda que tem a ver com o aparelhamento téc- nico da imagem, modo pelo qual ela se reveste de autotelia, de um carác- ter de «medialidade pura e sem fim» (Agamben, 1995:129). Estes laços, que resultam ainda da fragilidade da história como projecto de sustenta- ção do agir, reforçam também a falência de uma certa atitude reflexiva que é incompatível com a projecção elogiosa da atitude sensitiva.

Com efeito, seduzindo-nos com espectáculos de realidade, que é por certo o que são os reality shows, a televisão conduz-nos a todo o momento para a exploração da realidade emotiva. Em estilo tragicómico, o que hoje estes reality shows nos propõem é então a libertação e a exibição do sen- tir. Veja-se o que é o ideal de transparência, da vida em directo, encenada no “Big Brother”, ou o que é a tentativa de exposição absoluta da vida íntima, fingida em “Fiel ou Infiel”, ou ainda a manifestação da aberração promovida por programas como “Senhora Dona Lady” e “O meu odioso e inacreditável noivo”, a que acresce a vulgarização de ambientes – o rural, com a “Quinta das Celebridades” e o militar, com “Primeira Companhia”87.

3. Jornalismo compassivo

Não menos espectaculares, os episódios da vida quotidiana retratados, sobretudo pela informação televisiva, situam-se preferentemente num des- tes extremos: o da mais entusiasta manifestação de alegria ou vitória e o da mais temível expressão de dor, porque esses são os extremos dos dias grandes – que são sempre os dias da nossa maior glória ou do nosso maior

88Primeiro presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, citado por Susan Sontag,

em Olhando o Sofrimento dos Outros (p.25).

89Num texto em que se refere às situações em que a dor é notícia, Cristina Mañero sugere

que toda a dor e sofrimento concretos remetem para a dor universal que afecta todos os homens.

sofrimento. Talvez seja justo, porém, que reconheçamos uma maior pro- pensão dos media para os episódios que se situam no plano das emoções negativas e traumáticas. De facto, ao contrário do que sugere o samba de Chico Buarque, a dor da gente parece sair cada vez mais nos jornais. E quem diz nos jornais, diz mais ainda na Rádio e na Televisão. Já em 1899, Gustave Moynier88dizia que «as descrições dadas pelos jornalistas dos jor-

nais diários põem, por assim dizer, os que agonizam nos campos de bata- lha debaixo dos olhos dos leitores [de jornais] e os gritos deles ressoam-lhes nos ouvidos…». Volvidos mais de cem anos, esta agonia e estes gritos não estão apenas sob o nosso olhar ou a nossa atenção auditiva; estão mesmo mais intimamente entranhados na nossa pele e é por isso que a dor alheia se torna num dos conteúdos habituais das mensagens informativas difun- didas pelos meios de comunicação social.

A índole globalizante de toda a dor89, associada às potencialidades

ubiquistas das novas tecnologias da comunicação, concedeu à informação sobre catástrofes, naturais e humanas, um lugar de primazia nas agen- das mediáticas. «Ser espectador de calamidades que se passam noutro país é», diz Susan Sontag, «uma experiência moderna quintessencial, a oferta cumulativa de mais de século e meio destes turistas profissionais, especializados, a que se chama jornalistas» (Sontag, 2003:25). Mas o que é mais sintomático daquilo que chamamos a “tecnologização das emo- ções” é que à informação factual se começou a contrapor uma informação de outro âmbito, predominantemente sensitivo. Talvez possamos dizer mesmo que a reportagem jornalística a propósito de situações ou acon- tecimentos geradores de dor e de trauma social consolidou um novo tipo de informação, uma espécie de “informação sensível”.

Ao traçar os contornos de uma “arqueologia do sentir”, Mario Per- niola (1993) sugere que se alcança um sentir em conjunto no mesmo momento em que se perde o sentir individual. Notamos, na verdade, que o sentir em conjunto é uma outra forma de “ser-em-conjunto” (Maf- fesoli), isto é, uma forma de ameaça à individuação e um paradoxo de um tempo em que proliferam sobretudo os meios de expressão do sen- tir individual. Presumir-se-ia que a criação de blogues e de rádios pes- soais na Internet, ou que a insistência pela manifestação da opinião pessoal em espaços de debate público (comentários, participações em directo, sistemas de tele-voto…) seriam tudo formas de individuação.

90Citamos, neste parágrafo, a síntese conclusiva do Curso de Verão do Convento da Arrá-

bida sobre “A emoção no discurso e na estratégia dos media” (12 a 16 de Outubro de 1998), elaborada por Carla Baptista, Carlos Camponez, Maria Helena Vieira e Maria José Mata.

Mas em todas elas há um movimento que é o do encontro com o sentir

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