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Sabe-se que só a prática e o “fazer” cotidiano das escolas podem revelar as dificuldades que a escola pública paulista enfrenta em busca de sua autonomia.

Reconhecendo os constrangimentos políticos, sociais, culturais e pedagógicos exercidos por determinações superiores autocráticas e doutrinadoras, Azanha (1987) diz:

“Dentro de uma escola, por maior que seja a diversidade do corpo docente e a diversidade dos componentes dessa escola, é necessário que todos tenham bem claros os propósitos comuns dessa instituição e se organizem em função deles. (...) È claro que somente cada unidade escolar poderá fazer seu plano de melhoria, mas, para a implementação dele, a escola precisa contar com a administração, mas não a alta administração, no máximo com a Delegacia de ensino. (...) Caberá à Delegacia de ensino reunir as condições para prover a escola dos recursos técnicos, humanos e materiais para que a escola execute seu plano de melhoria de ensino” (p.26).

O autor sustenta que a luta contra essa coerção não pode limitar-se a reivindicações, mas deve envolver a verdadeira ocupação do espaço de encontro e convívio humano potencialmente educativo que é a escola, através de um projeto de educação consciente e crítico (p. 144-145).

Severino (1992) afirma que o único caminho para nos aproximarmos do sentido do processo educacional é aquele seguido pela prática real. O discurso educacional realmente concreto é aquele vivido pela prática que se desdobra na continuidade do cotidiano. Enfatiza que existe uma fragmentação tanto pedagógica, como administrativa e ainda financeira em relação ao fazer diário das escolas e é só na prática pensada que podemos transformar a realidade das escolas. Só podemos refletir sobre as questões educacionais quando apreendermos o seu cotidiano.

Diz o autor que se é verdade que algumas vezes chega a ser comprometedora a carência dos próprios recursos, é também certo que, outras vezes, os recursos disponíveis não são adequadamente explorados e utilizados como meios para se alcançar os fins do processo. É esse âmbito de desarticulação, que se manifesta

também a hipertrofia do administrativo sobre o pedagógico, e não apenas pela inversão da relação meios e fins, mas sobretudo pelo excesso de autoritarismo existente nas relações educativas. As escola estão entregues à própria inércia, funcionando de modo puramente burocrático e rotinizado, sem grandes perspectivas de sucesso pela burocratização dos serviços educacionais aos quais são submetidas (p.84-87).

Gomes (1996) esclarece essas questões quando aponta que no nosso cotidiano raramente somos confrontados com o espaço local, ao contrário, somos obsessivamente captados pela presença do Estado que regulamenta muito e desregulamenta outro tanto. Nas condições de um Estado máximo que se apresenta como mínimo, a compulsão normativa torna-se perversamente sutil, leve e distante quando comparada com a situação anterior de um Estado mínimo por que ineficaz, mas máximo porque permanentemente presente nos seus procedimentos reguladores. A teoria que circula hoje na administração educacional tem programas comprometidos com o social, porém, para que isso aconteça, seria necessário o comprometimento local adaptado às suas necessidades para que se erradicassem esses problemas. Isso não parece acontecer, portanto, não se pratica a cidadania que está subjacente ao discurso educacional (p.92).

Não se trata, portanto na opinião de Barroso (1997) que o Estado se isente de sua responsabilização com a escola e nos alerta:

“... o reforço da autonomia das escolas exige que seja preservados e aumentados o papel regulador do Estado e da sua administração, com o fim de evitar que a criação de novos espaços de intervenção social, resultantes da autonomia das escolas e das medidas de territorialização, se transforme numa segmentação e pulverização do sistema de ensino, pondo em causa a coerência nacional dos seus princípios, a equidade do serviço prestado e a democraticidade do seu funcionamento. Nesse sentido, o reforço da autonomia das escolas não deve ser encarado como uma forma de o Estado aligeirar as suas responsabilidades, mas sim o reconhecimento de que, em determinadas situações e mediante certas condições, os órgãos representativos das escolas ( reunindo professores, outros funcionários, alunos, pais e outros elementos da comunidade) podem gerir melhor a administração central ou regional, certos recursos” ( p.30).

A esse respeito podemos entender com Popkewitz (2001) que é preciso ir além dos programas educacionais em si e questionar as normas, as distinções, as

diferenciações pelas quais os compromissos são moldados e adaptados, sobre como aa práticas discursivas inserem intenção e propósito às práticas de ensino, incorporadas que são aos espaços escolares de domínio dos professores. Assim, a escola não aceita passivamente as diretrizes emanadas das instâncias centrais de poder político-administrativo aos quais se vincula. Pelo contrário, tem sua própria percepção e faz sua própria leitura, podendo adotar, adaptar, mascarar, bloquear, ou simplesmente descartar essas normas.

Em síntese as escolas são responsabilizadas por suas próprias ações, porém suas possibilidades de ação são mínimas pelas contingências locais (condições de apoio da comunidade) e por exigências do sistema (diminuir a repetência, por exemplo). Dessa forma, as políticas educacionais propõem uma homogeneização de procedimentos e meios para realidades que não são iguais, sendo que o único espaço que sobra para a diversidade é na distribuição das responsabilidades.

Pode-se identificar que as reformas estão efetivamente preocupadas com a melhoria da qualidade de ensino, porém de acordo com Militão (2002) a implantação da autonomia da unidade escolar se fundamenta em motivos de natureza puramente econômica, tais como, redução de custos, obtenção de mais recursos, etc. A escolha pela autonomia, para que tenha maiores oportunidades de concretização, deverá fundar-se na crença clara e convicta de que os níveis centrais e os de execução dos serviços educacionais são parceiros, igualmente responsáveis e, por isso, com relativa autonomia, estando em igualdade essencial de dignidade e valor no trabalho educativo. As diferenças são funcionais e visam à complementaridade dos esforços, onde a gestão centrada na escola implica uma autonomia maior em relação ao poder central.

Para o autor, a escola se tornará autônoma quando tiver poder de criar e escolher e/ou recusar normas julgadas não convenientes, dando-se em contrapartida sua responsabilização. Este dado é importante para o argumento de que há uma tensão entre a proposição e as práticas vigentes entre sistema-escola. Mas, a burocratização dos serviços educativos são fatores impeditivos para que a autonomia aconteça e em uma sociedade que se quer democrática a autonomia da escola só acontecerá quando os governantes estiverem empenhados em tomar decisões em parceria (p.75).

Continua Militão esclarecendo que um sistema que busca a autonomia da escola tem dirigentes que procuram atuar a serviço da atividade principal do setor educacional, que é a efetivação do processo ensino-aprendizagem. Para tanto, propõe mecanismos que levem em conta a necessidade de participação de todos os integrantes nos trabalhos educacionais. Acredita que em um sistema que busca a autonomia é necessário que haja mudanças nas formas centralizadoras autoritárias e burocratizadas de direção. Há a necessidade de entender que não são as estruturas organizacionais que conduzem as mudanças, podendo estas facilitar ou dificultar suas conquistas. É necessário, portanto, que os dirigentes do sistema de ensino sejam não apenas fiscalizadores e sim educadores e que as propostas de relacionamento entre sistemas escolares e as unidades escolares não podem ser limitadoras da liberdade, mas que haja não apenas subordinação e exaustivas ordenações indicando caminhos e sim que se e dê liberdade para que se construa nas escolas um campo de liberdade para se construir uma autonomia criativa. Diz o autor:

“A unidade escolar pública não é uma instância social soberana, no sentido de que não deve submeter-se ou prestar contas a ninguém exterior a ela e, por isso, não é violar sua autonomia esperar que cumpra os objetivos socialmente estipulados para a educação de seus usuários. Todavia, a forma de realizar esses objetivos deve, necessariamente, levar em conta a realidade local e isto implica uma atuação criativa e responsável daqueles encarregados de concretizá-los”(p.104).

Segundo Oliveira (2002) o Diretor foi colocado no centro da estrutura de poder sem a devida competência técnica que as mudanças de descentralização administrativa exigem sobrecarregando-o na rotina burocrática e isso acaba servindo de desestimulo ao investimento do mesmo nas questões pedagógicas de sua função.

A autora realizou pesquisa com diretores e vice-diretores e constatou a sobrecarga de trabalho que os profissionais em exercício de direção têm sofrido, na atualidade. Ao descrever suas jornadas de trabalho, esses diretores e vices demonstram não ter, na sua grande maioria, controle sobre seu tempo, trabalhando sem planejamento, tentando responder ao imediatismo das demandas que lhes são apresentadas. Diz a autora:

“... Diante do duplo desafio de manter a escola funcionando a qualquer custo, sem assumir uma postura centralizadora e autoritária, pesa sobre os ombros do diretor uma intensificação do trabalho, já que se encontra impedido de delegar poder e dar ordens, em razão de que a noção de subalternidade foi substituída por uma retórica que valoriza o trabalho coletivo e as relações horizontais. Contudo, não é necessário ser um observador muito atento para perceber o quão distante de uma cultura democrática e autônoma, envolvendo a participação de todos, estão as escolas públicas brasileiras...” (p.141).

Quanto à confrontação entre a teoria, a legalidade e as práticas podemos entender que estas se influenciam e determinam-se mutuamente. Essa confrontação exige considerar a realidade social externa à escola, como limite e possibilidade do que é proposto. Só assim é possível compreender a natureza da escola como instituição social relativamente autônoma que gera uma cultura específica como instrumento de mobilização e mudança.

CAPÍTULO II

A RELAÇÃO CONCRETA ENTRE A ESCOLA E AS INSTÂNCIAS

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