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Boa parte do discurso político vigente no Brasil tem na autonomia escolar uma de suas bases em relação à melhoria da qualidade do ensino. Entretanto, não basta proclamar-se que a escola precisa ter autonomia, mas é necessário que se ofereça a ela, através de ações políticas efetivas, condições para que ela aconteça.

A finalidade deste trabalho foi verificar e analisar, exatamente dentro das rotinas do cotidiano escolar, como se estabelecem as relações entre a unidade escolar e os órgãos centrais e intermediários da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, a incidência dessas interferências e o âmbito nos quais elas se manifestam.

A partir da análise dos dados, pode-se perceber que a escola pública estadual paulista hoje é refém de determinações, orientações dos diversos órgãos da administração central e/ou intermediários da Secretaria da Educação que interferem na sua autonomia.

Essa análise permitiu verificar que do total das comunicações eletrônicas (e- mails) recebidas pela escola 89,6 % (354 de 396) são determinações que devem ser cumpridas na íntegra, e se referem, em sua grande maioria, aos campos de interferência pedagógico e administrativo, provindos, especialmente da Diretoria de Ensino, mas que, na sua maior parte são repasses às escolas de comunicações dos órgãos centrais.

As interferências, praticamente diárias, especialmente no que tange aos âmbitos administrativos e pedagógicos, fazem com que boa parte das iniciativas não surjam da construção coletiva do Projeto Pedagógico. Ao contrário, os dados demonstram que o excesso de determinações, convocações e orientações oriundas dos órgãos centrais não levam em consideração nem o Projeto específico de cada escola e, muito menos, a diversidade de seu alunado que, exige ações pedagógicas diferenciadas.

Deve-se salientar que a grande interferência administrativa na escola interfere especialmente nas ações da direção da escola. Assim sendo o atendimento constante

de todas essas solicitações acaba por afastá-lo da tomada de decisões pedagógicas importantes para atender as necessidades de seus professores e alunos.

Da mesma forma que no âmbito administrativo, a interferência no âmbito pedagógico também foi intensa, com comunicações originárias dos órgãos centrais e intermediários ou da Diretoria de Ensino visando à capacitação e/ou orientação dos profissionais da educação.

É o caso, por exemplo, do Programa “Teia do Saber”, que praticamente centraliza as atividades de formação e capacitação docente, sem que os responsáveis pela unidade escolar (diretor, coordenador pedagógico, professor), tenham qualquer possibilidade de interferir no tipo, âmbito e procedimentos para essas capacitações.

Mas essas interferências não se reduzem somente a esse Programa. Ao contrário, os gestores das escolas defrontam-se diariamente com um conjunto de comunicações originárias desses órgãos que exigem ou sua participação direta nas iniciativas implementadas ou na coordenação de ações para possibilitar que os membros da equipe escolar possam delas participar.

Deve-se salientar que a grande interferência administrativa na escola não permite que o diretor se envolva totalmente no trabalho coletivo para a construção e consecução das ações pedagógicas. As rotinas administrativas acabam por tomar o maior tempo do diretor, afastando-o da tomada de decisões pedagógicas importantes para atender as necessidades de seus alunos.

A pequena interferência financeira não pode ser encarada como se, nesse âmbito, a autonomia da escola fosse mais ampla. Ao contrário, é nela que existe maior centralização, já que os grandes gastos com recursos humanos e materiais são centralizados, restando à escola a gerência de pequenos recursos destinados a gastos de pronto atendimento para a manutenção física do prédio e investimento em materiais pedagógicos e, por esta razão, não exigem grande controle ou interferência.

Este trabalho, portanto, evidenciou que, nas rotinas diárias da relação órgãos centrais e unidade escolar, ocorre uma grande interferência que prejudica a sua autonomia, tanto no que se refere a aspectos de ordem administrativa, quanto pedagógica, esta última especialmente no que tange à formação e capacitação docente.

Embora este trabalho tenha se restringido a somente uma escola, consideramos plenamente possível a sua generalização para outras unidades escolares, em especial, as da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por dois motivos.

Primeiro, porque a correspondência eletrônica enviada a essa unidade escolar foi encaminhada para todas as escolas da Diretoria de Ensino a que ela se subordina. Poder-se-ia, então, argumentar que essa rotina poderia ser característica dessa Diretoria.

Mas como, no corpo do trabalho, pudemos verificar que a Diretoria de Ensino, na maior parte das vezes, é mera repassadora das comunicações dos órgãos centrais da Secretaria, pode-se inferir que essa seja a rotina geral e que atinja a todas as escolas da rede.

O que se verificou, portanto, é que a propalada autonomia escolar perde-se num emaranhado de práticas burocratizadas que, no fundo, mais prejudicam do que promovem essa autonomia e, mais que isso, de forma sutil e não explícita, por meio de uma visão irreal de construção de práticas descentralizadoras, mas que na verdade reforçam a centralização das decisões, faz com que os agentes das unidades escolares disto não se apercebam.

Esse trabalho, portanto, procurou desvelar e analisar parte dessas práticas que interferem na autonomia escolar, no sentido de oferecer pequena contribuição, junto de tantas outras que têm procurado, através de análises críticas das políticas educacionais do Brasil, contribuir para a melhoria da qualidade de ensino em nosso País.

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