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2. UMA VISÃO COMPLEXA DE UNIVERSO

2.4 A teoria do caos

Sabemos que o caos corresponde a uma pequena fração da teoria da complexidade. Com raízes nas chamadas ciências duras como a Matemática e a Física, a teoria do caos tem sido usada para estudar o comportamento de sistemas complexos e dinâmicos (WALDROP, 1992). Esses sistemas, que possuem múltiplos componentes ou agentes, mudam com o tempo e são altamente sensíveis às pequenas variações nas condições iniciais. Dessa forma, não é possível prever de antemão como a variação de minúcias nas interações poderão afetar o comportamento global desses sistemas (BRIGGS; PEAT, 2000). Com o intuito de oferecer uma visão mais clara sobre sistemas caóticos, Sade (2009, p. 67) explica essa mesma ideia, reproduzida abaixo, por meio de analogia com um campo de golfe:

Ao dar uma tacada na bola, esta seguirá um percurso até a cavidade onde ela deveria entrar. Este percurso é a trajetória do sistema. No entanto, nesse percurso existem alguns pontos, como por exemplo, uma pedra no caminho ou uma irregularidade do solo, que podem causar um desvio de rota da bola, imprimindo um novo percurso para esta. Ao se deparar com um desses pontos, a bola pode mudar sua trajetória, ou pode seguir seu percurso normal. Se analisarmos cada um desses pontos, seria possível prever o comportamento típico da bola e determinar sua trajetória. No entanto, esta tarefa é impossível de ser realizada uma vez que existem pontos infinitos que podem causar o desvio de rota. Por exemplo, tomemos o intervalo de 0 a 1. Entre estes números existe um número infinito de frações. Sendo assim, existem infinitas probabilidades de rota de um sistema caótico e, se tomarmos cada uma das possibilidades, é possível prever o comportamento provável do sistema, porém, na prática, o comportamento é imprevisível, já que as probabilidades de desvio são infinitas, o que torna impossível determinar com precisão o comportamento do sistema. Justamente por ser difícil prever em que momento estes pontos críticos irão ocorrer e quais deles irão causar a emergência de novos atratores é que parece que o sistema é desordenado e aleatório, mas, a longo prazo, uma ordem interna é percebida e há uma lógica explicativa das mudanças. É a isso

que se denomina “caos” – a ordem implícita na aparente desordem.

O meteorologista Edward Lorenz, em 1960, foi a primeira pessoa a fazer experimentos que se converteram, bem mais tarde, em estudos para o desenvolvimento da teoria do caos. Na época, ele utilizou modelos que se baseavam em um conjunto de doze equações, configuradas por um computador, para fazer previsões climáticas. A memória do computador conseguia armazenar seis casas decimais, mas para economizar papel Lorenz apenas imprimiu

os dados com três casas decimais37. Esses números estavam relacionados aos valores iniciais das curvas. Apesar de três casas decimais representarem uma diferença muito pequena, a previsão foi completamente diferente do que se esperava. A partir dessa experiência, constatou-se uma grande dependência às variações do estado inicial.

Um provérbio chinês que faz analogia à sensibilidade às condições iniciais, dentro da teoria do caos, é um que fala da borboleta. Ele diz que o bater de asas de uma borboleta pode ter impacto do outro lado do mundo38. É desse provérbio que vem a expressão (já mencionada

neste capítulo) “efeito borboleta”, cunhada por Lorenz. O efeito (conhecido também como “efeito dominó”) indica que um deslocamento menor nas condições iniciais pode levar a

transformações imprevisíveis e aleatórias a longo prazo. Outros exemplos de comportamento

caóticos vão “desde padrões climáticos e quedas-d‟água até o disparo dos neurônios e os

súbitos baques no mercado de ações” (BRIGGS; PEAT, 2000, p. 13).

Lorenz (2001) define caos como sendo algo com comportamento não-periódico. Caos,

para Gleick (1987, p. 5), “é a ciência do processo, em vez do estado; do tornar-se, em vez do ser”39

. Mallows (2002, p. 3) expõe que

Caos é atualmente entendido de maneira interessante e paradoxal como a ordem sem previsibilidade. Não podemos prever momentos isolados na vida de um sistema, mas o resultado final de seu movimento aparentemente aleatório é uma ordem perceptível40.

Embora os sistemas caóticos pareçam aleatórios, eles são sistemas deterministas e, dessa forma, seus comportamentos podem ser, até certo ponto, quantificáveis e previsíveis, em curto prazo, se soubermos, com precisão, as condições iniciais. Como vimos na

37

Disponível em: http:/ / www. imho.com / grae / chaos / chaos.html

38 Disponível em: http://www.aprendizajealfa.com.ve/Ingles/editorial%2077%20efecto%20mariposa.htm 39Trecho original: “chaos is a science of process rather than state, of becoming rather than being” (GLEICK, 1987, p. 5).

40Trecho original: “Chaos is now understood in an interestingly paradoxical way as order without predictability. We cannot predict individual moments in the life of a system, but the end result of its seemingly random movement is discernable order” (MALLOWS, 2002, p. 3).

experiência de Lorenz, qualquer distorção das condições iniciais, por menor que seja, pode imprimir resultados caóticos em relação ao que era inicialmente esperado.

A noção de caos, para Briggs e Peat, é bem mais tênue do que a sustentada pelo senso comum – de simples acaso. Segundo os autores (2000, p. 2),

O termo “caos” refere-se a uma interconectividade subjacente que existe em fatos aparentemente aleatórios. A ciência do caos enfoca matizes, padrões ocultos, a “sensibilidade” das coisas e as “regras” que regem os meios pelos quais o imprevisível causa o novo. É uma

tentativa de compreender os movimentos que criam as tempestades, rios turbulentos, furacões, picos pontiagudos, litorais nodosos e todos os tipos de padrões complexos, desde deltas de rios até os nervos e vasos sanguíneos do nosso corpo.

Depreendemos que, ainda que a teoria do caos estude sistemas em aparente desordem, ela está voltada, na verdade, para encontrar a ordem subjacente em dados aparentemente aleatórios. Na medicina, a teoria do caos pode ser aplicada, por exemplo, à análise do batimento cardíaco. Ela pode ajudar médicos a encontrar formas de controlar um batimento cardíaco irregular. Especificamente na área de ASL, segundo Paiva (2008), podemos antecipar, por exemplo, que um aprendiz será mais proficiente na segunda língua (L2) se ele tiver a oportunidade de usar a língua em situações autênticas. No entanto, não podemos prever exatamente o índice de aquisição devido à natureza imprevisível e caótica das várias interações entre todos os componentes do sistema complexo de ASL.

Briggs e Peat (2000) remetem-se ao comportamento das águas em um rio para ilustrar o amplo espectro de sistemas caóticos. Após chuvas torrenciais, quando uma parte do rio acelera a corrente ao redor e cada parte causa uma agitação sobre todas as demais, temos um movimento caótico em que regiões diferentes movem-se a velocidades diversas. Ao se aproximar de uma pedra, a corrente rápida gira em torno de si mesma, podendo ocasionar fluxos imprevisíveis e aleatórios.