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A teoria cognitiva da metáfora: revisões e aprofundamentos

SEÇÃO 1: DA LINGUAGEM AO PENSAMENTO: UMA REVISÃO DA

1.3. A metáfora como processo cognitivo essencial: a teoria cognitiva da metáfora e a noção

1.3.2. A teoria cognitiva da metáfora: revisões e aprofundamentos

No posfácio da edição de Metaphors we live by publicada em 2003, Lakoff e Johnson compilam uma reavaliação de vários aspectos da teoria cognitiva da metáfora, traçando um panorama amplo dos estudos sobre a metáfora na perspectiva cognitiva e de sua repercussão nas mais diversas áreas do conhecimento.

Uma das questões que é alvo de revisão concerne à própria definição de metáfora conceptual adotada ao longo do tempo, ou, mais particularmente, às imagens metafóricas recrutadas para a descrição desse fenômeno.

A metáfora matemática do mapeamento entre domínios, empregada inicialmente para descrever a metáfora conceptual revelou-se eficaz, dado que permitia ilustrar as correspondências instituídas entre elementos constitutivos dos domínios fonte e alvo. Segundo os autores, contudo, ela demonstrou-se inadequada uma vez que não expressava um aspecto crucial da metáfora conceptual, qual seja, o seu caráter criativo.

Com efeito, através de uma metáfora conceptual, o domínio alvo, a ser compreendido via metáfora, é enriquecido a partir da incorporação de elementos conceptuais do domínio fonte, de modo a criar uma nova compreensão deste alvo. Esta particularidade não era, entretanto, passível de ser expressa pela ideia do mapeamento, razão por que os autores precisaram recorrer, adicionalmente, a uma outra metáfora, a saber, a da projeção.

De acordo com a metáfora da projeção, o mecanismo da metáfora conceptual se assemelharia ao de um retroprojetor sobre o qual se depositasse um primeiro slide, correspondente ao domínio alvo, e ao qual se sobrepusesse, a seguir, um segundo slide, que coincidiria com o domínio fonte. Desse modo, a estrutura do domínio fonte se inscreveria na do domínio alvo, sugerindo, dessa forma, a ideia pretendida de que “as metáforas acrescentam entidades e relações extras ao domínio alvo.” (LAKOFF; JOHNSON, 2003 [1980], p. 253, tradução nossa).

A metáfora da projeção, porém, implicava em inconvenientes, sendo o problema mais sério a presunção de que toda a estrutura do domínio fonte é projetada sobre o alvo em uma metáfora conceptual. Conforme já assinalamos acima, a correlação metafórica tem, ao contrário, sempre um caráter parcial, e certos elementos da fonte não são mapeados para o alvo. Veja-se, a título de exemplo, a metáfora TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES, citada pelos autores, em que alguns aspectos de uma edificação, como sua fundação (Demonstraremos que

a sua teoria não tem base), são contemplados pelo mapeamento, ao passo que isto não ocorre

A metáfora do mapeamento será então priorizada, uma vez que permite representar a ideia de mapeamentos parciais entre fonte e alvo, em conformidade, assim, com a natureza intrínseca da metáfora conceptual. Dessa forma, a metáfora da projeção será abandonada em 1997, e a descrição da metáfora como mapeamento será retomada, agora, sob novas bases teóricas, como detalharemos a seguir.

No supramencionado posfácio, Lakoff e Johnson (2003 [1980]) também distinguem brevemente dois estágios sucessivos por que passou o desenvolvimento da teoria cognitiva da metáfora do ponto de vista cronológico. Segundo os autores, os estudos empreendidos nos anos 80 do último século estavam centrados, sobretudo, na investigação do modo pelo qual as metáforas conceptuais estavam embasadas em nossa experiência corporal. Com o advento dos anos 1990, a teoria passou por modificações e sofreu um aprofundamento, inaugurando um novo nível de análise, denominado de “análise profunda”.

Nesse segundo momento, a importância da metáfora como mecanismo cognitivo é sublinhada ao se desvelar a ubiquidade e o papel essencial desse fenômeno na conceptualização de nossas ideias mais elementares, a exemplo de noções como a de tempo, eventos, causação ou moralidade.

Lakoff (2006) irá demonstrar, nesse sentido, que grande parte dos conceitos básicos centrais que intervêm em uma gramática, a exemplo das noções de tempo, quantidade, ação, estado, mudança, finalidade, meios, modalidade e categoria, exibe um caráter metafórico. O autor reunirá, desse modo, argumentos para a contestação da ideia (subjacente à visão tradicional da metáfora) de que todas as definições do léxico e os conceitos integrantes da gramática de uma língua são exclusivamente literais.

Nesse estudo, Lakoff (ibid.) atestará que conceitos abstratos básicos como estados, mudanças, processos, ações, causas, fins e meios são conceptualizados metaforicamente, a partir de noções como espaço, movimento e força. O conjunto desses mapeamentos integra uma metáfora complexa denominada de “estrutura de eventos” (event structure). Essa metáfora é também detalhadamente descrita em Lakoff e Johnson (1999), em capítulo específico dedicado a eventos e causas. Nesse complexo metafórico, dentre outras correspondências, estados são metaforizados como localizações delimitadas no espaço, com um interior e um exterior (Maria está em uma depressão profunda  Estamos fora de perigo

agora  Ela está próximo da loucura), mudanças são movimentos para dentro ou fora de

lugares (Fábio saiu do coma  Maria foi à loucura  Pedro entrou em depressão), causas são

para o abismo  Seu discurso mobilizou a multidão para a revolta  As últimas notícias lançaram os países europeus em uma crise sem precedentes), fins são destinos a serem

alcançados (Nós chegamos ao fim da tarefa  Nós agora temos somente um pequeno caminho

a percorrer), meios são caminhos para se atingir destinos (Ela fez isso usando outro caminho), ações são movimentos auto-impulsionados em direção a destinos.

A compreensão metafórica do conceito de tempo é particularmente rica e complexa. Segundo Lakoff (2006), o domínio abstrato do tempo é mapeado a partir de um domínio mais concreto, o do espaço, conforme dois subsistemas distintos. No primeiro, um observador estático é tomado como centro dêitico, e o tempo é conceptualizado como uma entidade em movimento em relação a este observador. Esta situação é expressa através da metáfora O TEMPO É UM OBJETO EM MOVIMENTO, que subjaz ao uso de expressões como: O

tempo voa A semana que vêm já está se aproximando  O Natal está chegando  Já havia passado muito tempo quando... .

Vale notar, nesse caso, que, uma vez conceptualizado como um objeto, o tempo recebe uma orientação frente-trás, tendo sua frente voltada para a direção do movimento (LAKOFF; JOHNSON, 2002 [1980], p. 101). Isso justifica nossa percepção do futuro como algo que se situa adiante de nós, movendo-se em nossa direção, em oposição ao tempo passado, situado atrás de nós.

No segundo sistema aludido, em contrapartida, o tempo é agora conceptualizado como localizações fixas, e o observador é que se move através dele, na direção do futuro. Tal situação é representada pela metáfora A PASSAGEM DO TEMPO É UM MOVIMENTO ATRAVÉS DE UMA PAISAGEM, observável em expressões linguísticas como as seguintes:

Ele permaneceu lá por dez anos  Nós estamos chegando perto do Natal  Ele chegou na hora

 Eu passei o tempo ... .

Diante de tais evidências, somos, pois, autorizados a concluir, com Lakoff (2006), que a metáfora é um componente inalienável da gramática e ocupa uma posição central na semântica de uma língua natural.

Os estudos empreendidos na segunda fase da teoria descortinarão a importância do pensamento metafórico, evidenciando que o interesse no estudo da metáfora extrapola os limites estritos da Linguística ou dos Estudos Literários, e seu alcance se estende às mais diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Filosofia, o Direito, a Religião, a Política, ou mesmo a Matemática.

Para Lakoff e Johnson (2003 [1980]), a metáfora condiciona nosso modo de pensar e agir, determinando, assim, inúmeros aspectos de nossa vida pública e privada, uma vez que o “o pensamento metafórico é normal e ubíquo em nossa vida mental, tanto consciente quanto inconsciente.” (LAKOFF; JOHNSON, 2003 [1980], p. 244, tradução nossa).

No quadro de pesquisas que atestam essa onipresença da metáfora conceptual em nossa vida cotidiana, destacam-se, sobremodo, os estudos de Lakoff e Johnson (1999) e Lakoff (2002) acerca da noção de moralidade. Os autores demonstraram que, a exemplo dos demais conceitos abstratos, nossos conceitos morais, que compreendem ideais como justiça, virtude, liberdade, compaixão, dentre outros, também são estruturados metaforicamente, e as metáforas conceptuais subjacentes a estes compõem um verdadeiro sistema metafórico. Esse complexo metafórico, segundo os autores, funda-se em uma base experiencial identificável, qual seja, as nossas experiências fundamentais relativas ao bem-estar (vide exposição detalhada sobre esse tópico na seção 2). As metáforas conceptuais que integram o sistema metafórico da moralidade intervêm de modo crucial na conceptualização de ideias de ordem política, a exemplo das noções do conservadorismo e liberalismo no cenário político norte- americano (LAKOFF, 2002). Os estudos sobre a moralidade nos fornecerão, ainda, subsídios teóricos para a compreensão das metáforas empregadas para conceptualizar a noção de

corrupção política, objeto de análise desta pesquisa.

Outras contribuições importantes incorporadas à teoria cognitiva da metáfora nessa segunda fase correspondem às investigações de Joseph Grady (1997) sobre a metáfora primária, e à descrição da metáfora sob a ótica da Teoria Neural, proposta por Srini Narayanan. Grady (1997) identificou que as metáforas descritas por Lakoff e Johnson eram, na verdade, em sua maioria, complexas, isto é, decomponíveis em unidades menores ou mais essenciais, denominadas de metáforas primárias. Estas consistem em mapeamentos que exibem uma relação direta com uma base experiencial, através dos quais julgamentos e experiências subjetivas são conceptualizados a partir de elementos de domínios sensório- motores. Por outro lado, as pesquisas de Narayanan irão vislumbrar a metáfora como uma espécie de mapa de conexões neurais, ou seja, como uma entidade com existência propriamente física.