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Contextualizando a noção de corrupção política

SEÇÃO 3: BREVES CONSIDERAÇÕES DE ORDEM METODOLÓGICA

3.2. Contextualizando a noção de corrupção política

A palavra corrupção advém do verbo latino corrumpo que designa, em sentido amplo, o ato de estragar, destruir ou deteriorar algo fisicamente. Em sentido estrito, o vocábulo assume uma conotação moral, passando a referenciar, agora, o ato ou prática que visa seduzir a lealdade de alguém através de suborno ou outros meios. No âmbito da esfera público- administrativa, a corrupção passa a ser divisada, sob o viés jurídico-legal, enquanto uma infração a leis que versam sobre a moralidade pública19, sendo passível de ser qualificada, por conseguinte, como um crime, previsto até mesmo no código penal brasileiro20. É, sobretudo, a essa última acepção elencada que nos reportaremos, portanto, ao tentar empreender uma delimitação e uma contextualização da noção de corrupção política nesta subseção.

Embora possa ocorrer no setor privado, isto é, fora dos limites de organizações governamentais, a corrupção caracteriza-se, tipicamente, pelo envolvimento de um agente

público que ab(usa) de seu cargo ou função para auferir vantagens ilegais. É, pois, esse

conjunto de práticas abusivas por parte de uma autoridade pública que define o comportamento corrupto, segundo Amundsen (2000):

A corrupção ocorre quando um funcionário público, burocrata ou político (qualquer um eleito ou nomeado para uma posição de uma autoridade pública, com competência para atribuir (escassos) recursos públicos em nome do Estado ou do governo) está abusando de sua posição oficial para ganhos pessoais ou de grupos. (AMUNDSEN, ibid., p. 5-6, tradução nossa).

Dentre as principais formas de corrupção, Amundsen (ibid.) arrola práticas como o suborno (ou propina), a fraude, o peculato (desvio ou apropriação indevida de fundos públicos), a extorsão e o clientelismo (ou favoritismo), decorrente de uma visão patrimonialista dos bens públicos, do qual constitui subespécie o nepotismo.

Amundsen (2000) distingue ainda, particularmente, dentro da noção de corrupção, a manifestação desse fenômeno na esfera política. Para o autor, a corrupção política corresponde, nesse sentido, à situação em que

19 Vide, nesse sentido, a Lei 8.429/92, comumente denominada de lei da improbidade administrativa, que

versa sobre as sanções aplicáveis a agentes públicos, no exercício de cargo, mandato ou função na administração pública, em caso de conduta desonesta que ocasione enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário público, ou mesmo infração aos princípios da administração pública.

20 O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940) prevê em seu bojo (e estipula as

correspondentes penalidades) os crimes de corrupção passiva (Art. 317) e corrupção ativa (Art. 333), bem como outros crimes de semelhante teor, tais como peculato (Art. 312), concussão (Art. 316), emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Art. 315).

os políticos e decisores políticos, que têm o direito de formular,definir e implementar as leis em nome do povo, são eles próprios corruptos.A corrupção política é quando os decisores políticos usam o poder político com o qual são investidos, para sustentar seu poder, status e riqueza. (AMUNDSEN, ibid., p. 7, tradução nossa).

Assim, neste trabalho, ao investigar a conceptualização da corrupção política através da metáfora conceptual, pautar-nos-emos em ambas as definições esposadas por Amundsen (2000). Em primeiro lugar, por que estas não são excludentes, mas antes complementares, além disso, pelo fato de que constitui nosso propósito, na análise dos textos do corpus, focalizar toda sorte de malversação de recursos públicos, perpetrada por agentes públicos específicos, a saber, autoridades políticas investidas de cargos eletivos.

Cingindo, agora, o enfoque sobre a corrupção particularmente à realidade brasileira, constatamos que ela permeou os diferentes períodos de nossa História, desde o passado colonial até as diferentes fases por que atravessou a República.

Costuma-se apontar que as raízes da corrupção no Brasil remontam à fase de sua colonização. Com efeito, foi nesse período que se assentaram as bases do patrimonialismo e clientelismo, práticas que ainda hoje perduram, e marcam o trato com a coisa pública no Brasil. Dado o caráter predatório de nossa colonização, segundo Figueiredo (2008), a corrupção era prática corrente, tolerada e mesmo implicitamente estimulada, sendo natural a recepção de “ganhos complementares” por parte de servidores régios. Cumpria aproveitar as oportunidades na colônia e amealhar o máximo possível. Além disso, os cargos públicos eram vistos como patrimônio pessoal do governante, não havendo, assim, uma distinção clara entre o público e o privado.

Também no período republicano, as denúncias de corrupção perpassaram igualmente a Velha e Nova República. O governo de Getúlio Vargas foi caracterizado como verdadeiro “mar de lama”, em razão da corrupção generalizada que nele grassava. Foi, justamente, uma campanha anticorrupção, cujo símbolo era a vassoura, que conduziu Jânio Quadros ao poder em 1960, após o governo Juscelino Kubitschek. A ditadura militar instaurada com o golpe de 1964 usou, por sua vez, segundo Motta (2008), a necessidade de combate à subversão e à corrupção como um dos argumentos para depor o governo de João Goulart. Não obstante, esquemas de corrupção também foram descobertos nos governos militares.

Mesmo já no período da redemocratização, o primeiro presidente eleito democraticamente, Fernando Collor de Melo, eleito em 1989 empunhando em sua campanha a bandeira da caça aos privilégios, foi afastado por processo de impeachment em decorrência de escândalos de corrupção. Os dois mandatos consecutivos do governo de Fernando

Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002) foram também marcados por numerosos episódios de corrupção, dentre os quais: escândalos em órgãos estatais como SUDENE, SUDAM, DNOCS e DNER, desvio de verbas no caso da construção do TRT paulista, denúncias de recebimento de propina no processo de privatização de estatais como a Vale do Rio Doce e empresas de telecomunicações (as teles), compra de votos de parlamentares para aprovar a emenda da reeleição. Seguiu-se a era Lula, e novos casos de corrupção se notabilizaram, dentre os quais o mais ruidoso ficou conhecido como escândalo do mensalão, vindo a lume em 2005.

A conjuntura atual não revela grandes mudanças, e o elevado volume de notícias e charges tematizando casos de corrupção no cenário político em 2009, que coletamos como

corpus desta pesquisa, dá-nos uma amostragem, ainda que restrita, da dimensão do problema

da corrupção em nosso país.

A corrupção sempre impõe altos custos à sociedade, uma vez que as diferentes práticas corruptas promovem a dilapidação do erário, desviando, assim, recursos do Estado que poderiam ser virtualmente empregados em investimentos em políticas públicas que visam à melhoria da população. As consequências da corrupção convertem-se, pois, numa alta fatura, debitada a todos nós brasileiros, e se materializam, de modo visível, em nossa realidade cotidiana, através do péssimo estado de conservação de estradas, do sucateamento de escolas e hospitais, do colapso na segurança pública etc.

Segundo dados divulgados pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e reproduzidos pela revista Veja, o montante de recursos desviados com a corrupção por ano no Brasil, desde 1990, atinge a cifra de 41,5 bilhões de reais. Tais valores, se aplicados em políticas públicas, poderiam, por exemplo, “duplicar o número de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) ou elevar pela metade o número de alunos da rede pública matriculados no ensino fundamental” (SAKATE; BARRUCHO, 2010).

Segundo Carvalho (2008), se, por um lado, percebemos um aumento na corrupção, motivado, dentre outros fatores, pela impunidade e ineficiência de nosso sistema judiciário, assistimos, em contrapartida, a uma maior reação da sociedade face à corrupção, empreendida, sobretudo, por setores da classe média. Poderíamos apontar, nesse sentido, a recente iniciativa representada pela denominada Lei da Ficha Limpa. Tal lei estipula critérios de elegibilidade, vedando a candidatura política de pessoas condenadas por crimes em sua vida pregressa, dentre os quais crimes eleitorais como a compra de votos ou uso eleitoreiro da

máquina administrativa. É importante sublinhar, nesse contexto, que ela foi o resultado de um projeto de iniciativa popular21.

Não é descabido registrar também as numerosas manifestações populares (marchas, protestos etc.) contra a corrupção e a favor da ética na política a que assistimos recentemente e que têm como palco várias cidades brasileiras, movimentos organizados, muitas vezes, através das redes sociais. Tal mobilização popular constitui indício de que a corrupção é uma preocupação premente para a sociedade, e prenuncia a formação de uma consciência cidadã, ainda que incipiente, acerca do problema. Nesse sentido, conforme pondera Carvalho (ibid.), “o fortalecimento da consciência do cidadão e do contribuinte reforça a exigência de transparência no uso de dinheiros que não são do Estado, mas de quem paga impostos” (Id., ibid., p. 242).

Por outro lado, relativamente aos espaços institucionais acionados no combate à corrupção, a atuação efetiva de órgãos de controle e fiscalização dos gastos públicos, tais como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público, dentre outros, assoma como uma das vias possíveis para a reversão do quadro supradescrito.