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A teoria democrática é uma das áreas mais tradicionais e prolíferas das ciências sociais. A democracia, nas suas múltiplas interpretações, é um objeto popular entre os cientistas

88 políticos stricto sensu, mas também é um tema sempre presente nos estudos de sociólogos, filósofos e historiadores da política, desde a Antiguidade. Como é recorrente afirmar, em termos de democracia, há teorias ―para todos os gostos‖, e isto acontece não apenas por causa deste saudável caráter multi-disciplinar conferido ao debate sobre o tema, mas também por ser este um assunto sujeito às intempéries das ideologias.

Por exemplo, mesmo que protegidos sob o argumento do providencial guarda- chuva de uma ciência política ―positiva‖ e ―não-normativa‖, é inevitável perceber o conservadorismo e o pouco apego à participaçao popular na política que marcam o pensamento de certos teóricos da democracia, que buscam caracterizá-la como uma simples ―competição entre elites pelo poder‖. Como, nestes casos, não reconhecer uma mal-disfarçada postura normativa, da qual estes mesmos teóricos dizem estar apartados? Mais ainda, consideramos que a democracia precisa estar sujeita a uma abordagem multidisciplinar das ciências sociais. Mais um exemplo: a democracia - como regime político - e a teoria democrática - assim como os principais conceitos das ciências sociais - têm sido pensados, até as últimas décadas do século XX, pelo menos, em base nacionais. Como entender o impacto da globalização sobre a democracia e a teoria democrática, portanto, senão através de uma abordagem multidisciplinar?

Um motivo primeiro nos impulsiona para esta inicial discussão sobre a democracia: o recente movimento histórico de ―reconciliação‖ da maior parte da esquerda mundial com a tradição democrática do liberalismo político. A deposição das armas e a disposição de participar da disputa política democrática pela esquerda latinoamericana foi o motivo inspirador do seminal livro do mexicano Jorge Castañeda, ―Utopia desarmada‖ (1994). Em termos mais globais, quem faz uma boa descrição deste movimento é o inglês Eric Hobsbawn. Segundo este grande historiador, a tradição política da esquerda teria se formado e adquirido coerência a partir da Revolução Inglesa, seguindo as revoluções subseqüentes (Revoluções Americana, Francesa e Russa). Tratando da Europa de fins do século XIX, Hobsbawn afirma que ―a combinação das demandas por direitos civis, políticos e sociais foi o que caracterizou esta fase específica da esquerda, tendo sido sustentada, sobretudo, pelos movimentos da classe trabalhadora.‖ (Hobsbawn: 2000, 105-6.)

Com a hegemonia política do leninismo, após a Revolução Russa, a esquerda revolucionária deixou de centrar sua agenda política nos temas clássicos da esquerda liberal do século XIX (como constitucionalismo, direitos civis e cidadania). A adesão

89 do movimento revolucionário de esquerda a estes temas do liberalismo político, e a pressão que este movimento passou a exercer sobre os governos, sustenta Hobsbawn, teria contribuído para a extensão dos direitos civis e políticos à classe trabalhadora européia, fazendo surgir a moderna democracia de massas, baseada na concepção de cidadania social que é detalhada por T. H. Marshall (1988). Por outro lado, sob a influência do leninismo, a esquerda passou a tratar a revolução como um evento essencialmente violento, associado à tomada armada do poder. Revolução e política democrática, portanto, estavam dissociados, para esta tradição da esquerda, e o uso político da democracia era meramente instrumental - a democracia era um ―meio‖ ou um ―instrumento‖ de acumulação de forças, prévio ao momento revolucionário.

A falência do ―socialismo real‖ e do aparato estatal totalitário por ele criado, sob a pressão irresistível do clamor popular nas revoluções pacíficas do leste europeu, finalmente conduziu à reconciliação da esquerda com a sua tradição democrática, bem conclui Hobsbawn. A partir de então, a renovação da esquerda pós-comunista se dá a partir do pensamento democrático. A ênfase na ―radicalidade democrática‖, que caracteriza a esquerda renovada contemporânea, simboliza o abandono definitivo de uma visão ―negativa‖ e ―instrumental‖ da democracia, típica da velha esquerda marxista-leninista. A partir de então, a democracia - incorporando conceitualmente o rol de direitos da tradição do liberalismo político - passa a ocupar papel central no projeto da esquerda. Democracia não é mais entendida como um ―meio‖ para se atingir o socialismo, mas parte fundamental da idéia de socialismo sustentada por esta esquerda, da qual o PT e o PS do Chile são alguns dos representantes mais legítimos na América Latina, como veremos mais adiante.

Debater a teoria democrática, buscando compreender os dilemas contemporâneos da democracia, portanto, é uma tarefa fundamental para este trabalho, que se propõe a discutir comparativamente a trajetória de dois partidos políticos da esquerda latinoamericana contemporânea - além do mais, por se tratarem os partidos um canal fundamental de representação política nas democracias representativas. Tomando os tipos teóricos definidos por David Held (2006), faremos uma apresentação crítica das posições defendidas por algumas das mais expressivas correntes contemporâneas da teoria democrática. Nosso objetivo é perceber, mais adiante, como o debate da democracia influencia na atual formulação ideológica sobre o tema feita pelos partidos que são objeto desta pesquisa.

90 A partir da compreensão de que a democracia vem se prestando a usos conceituais distintos por correntes teóricas diversas, Held cria uma tipologia dos ―modelos de democracia‖. Dentre estes, o mais forte no ambiente acadêmico da ciência política - ou o ―modelo hegemônico‖, como prefere chamar Boaventura de Sousa Santos -, inegavelmente, é aquele que tem origens no modelo que Held chama de ―elitismo competitivo‖, cujos teóricos fundadores são Max Weber e Joseph Schumpeter. O traço comum a estes dois teóricos, que justifica percebê-los como parte de um mesmo ―modelo‖, na perspectiva proposta por Held, é a compreensão da democracia como um método político de seleção de elites para a ocupação do poder, onde é mínimo o espaço para a participação política para as massas.

3.1.1 - Uma concepção elitista de democracia

Ao contrário de Schumpeter, não há na obra de Max Weber uma definição clara de democracia. Este tema aparece em Weber dentro de uma discussão mais ampla sobre a sociologia do Estado e da política. Seguindo uma tradição individualista e racionalista próxima a Maquiavel, Weber entende ser o sentido da política a luta por poder pessoal. A política, portanto, não poderia nunca ser associada à realização de objetivos éticos, como, por exemplo, o ideal de ―boa sociedade‖ que está relacionado à ―teoria clássica da democracia‖ - para usar um termo de Schumpeter -, desde Platão até Rousseau. A luta política, assim entendida por Weber, se reduz a uma luta pela liderança política, onde o espaço de participação popular, para além da posição de ―séquito‖ dos líderes, é praticamente inexistente. Segundo suas próprias palavras, ―sempre domina as ações políticas o ‗princípio do pequeno‘ número, isto é, a superior capacidade de manobra política de pequenos grupos com liderança.‖ (Weber: 1999, 562-563).

O parlamentarismo é visto por Weber como a melhor escola para o político moderno, já que o Parlamento é o espaço por excelência da disputa política, mas também da conquista de seguidores e da realização de acordos. O grande mérito do Parlamento, ainda segundo Weber, seria a possibilidade de proporcionar formação política aos verdadeiros líderes, aqueles indivíduos com ―qualidade de liderança‖, capazes de impor um freio à tendência percebida por ele como inevitável nos Estados modernos, a dominação dos funcionários, ou a burocratização. Só o ―desenvolvimento de um grupo de parlamentares capazes‖ (Idem, 567), com qualidades de líderes, pode capacitar o Parlamento ao exercício do poder,

91 sobrepondo-se ao poder da burocracia. As eleições seriam o momento da participação popular num regime parlamentar, e o mais adequado, segundo Weber, seria um sistema eleitoral majoritário, mais coerente com o princípio da ―seleção de líderes‖ que está relacionado com este regime. Weber deixa transparecer, assim, sua inegável simpatia pelo regime parlamentar inglês.

Entretanto, ―a parlamentarização e a democratização não se encontram necessariamente em uma relação de reciprocidade, mas com freqüência se opõem uma à outra‖ (Idem, 568). Para Weber, a democracia de massas teria um caráter essencialmente cesarista e plebiscitário que não lhe possibilitaria cumprir aquela que é a principal virtude do regime parlamentar, a seleção de líderes com qualidades de liderança. Em contrário, a democratização resulta na ascensão de demagogos ao poder, políticos pródigos por sua capacidade de conquistar a confiança e iludir as massas: ―A democratização e a demagogia formam um par. (...) Basta que as massas já não possam ser tratadas meramente como objeto passivo da administração, mas interfiram ativamente, de alguma forma, com sua opinião.‖ (Idem, 572).

A desvantagem da democracia, portanto, para Weber, reside justamente na participação ativa das massas nas tarefas de administração dos negócios públicos, tarefa que entende exclusiva aos líderes. A democracia, nestes termos, seria um regime com forte tendência cesarista. Segundo Weber, ―cesarismo‖ é ―toda forma de eleição popular direta do detentor do poder supremo e, além disso, todo tipo de posição de poder política que se fundamenta no fato da confiança das massas, e não dos Parlamentos‖ (Idem, 573).

A sua desconfiança com relação à influência das massas na seleção dos líderes políticos, segundo Weber, é plenamente justificável: ―O perigo político da democracia de massas reside, em primeiro lugar, na possibilidade de uma forte preponderância de elementos emocionais na política. As ‗massas‘ (...) sempre estão expostas (...) à influência (...) puramente emocional e irracional‖ (Idem, 579) dos demagogos. Como conseqüência lógica, com o fortalecimento do componente emocional, a democracia de massas transfere a luta política para o nível da propaganda de massas, comprometendo definitivamente a boa seleção dos líderes.

Weber enxerga, ainda, outra dimensão da democracia que é prejudicial ao bom exercício da política: a sua vinculação com o fortalecimento da burocracia. Como afirma Anthony Giddens, se para Weber ―em todo Estado moderno, (...) o problema central em relação à formação de uma liderança política era o de controlar o

92 ‗despotismo burocrático‘‖ (Giddens: 1998, 36), a democracia de massas estaria em desvantagem em relação ao regime parlamentar, já que ―o desenvolvimento do governo democrático dependeria necessariamente dos avanços futuros da organização burocrática‖ (Idem, 33). Uma democracia puramente plebiscitária, portanto, onde seria reduzido ou inexistente o papel dos Parlamentos, seria uma democracia marcada pela dominação incontrolada dos funcionários, dado que o demagogo cesarista não possui qualidades de líder. Para Weber, ―o antagonismo entre a seleção plebiscitária e a parlamentar dos líderes‖ (Weber: 1999, 573), seria a medida da contenção do poder dos burocratas. Com essas características, nas democracias de massas a influência do dinheiro na campanha eleitoral seria ainda mais exponenciada, acredita Weber.

Dos teóricos do ―elitismo competitivo‖, Joseph Schumpeter não só é o mais influente, como também o mais explícito na sua definição de democracia. Schumpeter faz questão de ressaltar o caráter prático e, portanto, ―não-normativo‖ da sua teoria democrática. Para isso, contrapõe-se ao que chama de ―teoria clássica da democracia‖, centrada na concepção de democracia como regime da representação da vontade popular. Reconhecendo que a aceitação da liderança ―é o mecanismo dominante de qualquer ação coletiva‖ (SCHUMPETER: 1984, 337) - frase que revela o traço elitista da sua perspectiva teórica -, Schumpeter compreende a democracia como um método de competição pela liderança política, com mecanismo de funcionamento semelhante à competição no mercado econômico.

Para Schumpeter, ―o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população‖. (Idem, 336) A liberdade individual, assim, seria fundamental na democracia, onde os indivíduos deveriam ter a mesma liberdade de escolher e de competir entre si que existe no mercado livre: ―restringimos o tipo de competição pela liderança que deverá definir a democracia à livre competição pelo voto livre.‖ (Idem, 338) O ator político decisivo no modelo de democracia de Schumpeter, portanto, é sempre o indivíduo, seja cumprindo o papel de eleitor, seja no papel elitista do líder no exercício do governo. Sendo um sistema de seleção de elites, a democracia de Schumpeter não é o ―governo do povo‖, princípio que associa à teoria clássica da democracia. Para ele, a idéia de ―povo‖ seria normativa; prática seria a noção de eleitorado, ―população‖ (termo cuidadosamente escolhido por ele, por se associar à idéia de ―quantidade‖, distanciando-se da concepção de ―corpo político‖

93 subjacente ao conceito de ―povo‖) de indivíduos com capacidade eleitoral. Conceitualmente, ―população‖ é um termo mais adequado, portanto, à perspectiva individualista de ação política de Schumpeter.

Seguindo com sua analogia entre democracia e mercado, Schumpeter entende a atividade política como própria de políticos profissionais, que negociam e competem por votos da mesma forma como os empresários negociam mercadorias e competem pela maximização dos seus lucros. Em Schumpeter como em Weber, o sistema eleitoral de representação majoritária é visto como o mais favorável à formação de governos eficientes, por ser mais coerente com a ―lógica‖ elitista do método democrático, sendo ―a aceitação da liderança a verdadeira função do voto do eleitorado.‖ Em contrário, Schumpeter sustenta que ―a representação proporcional oferecerá oportunidades para que se afirmem todos os tipos de indiossincracias‖, impedindo ―a democracia de produzir governos eficientes.‖ (Idem, 340). Com o sistema proporcional, portanto, as eleições não cumpririam, com eficiência, sua função de produção de governo, de acordo com o método de Schumpeter, para quem ―a produção do governo significa, na prática, decidir quem será a liderança‖ (Idem, 341). E produzir e desapossar governos, segue Schumpeter, é a função exclusiva do eleitorado na democracia, sendo a não-reeleição o único controle disponível para os eleitores em uma democracia. Nestas formulações, portanto, aparece uma maior preocupação com um sistema político que garanta a governabilidade, mesmo que à custa da sua representatividade.

Entre as condições apontadas por Schumpeter para o êxito do método democrático, destacamos duas. Primeiro, o alcance efetivo limitado da decisão política. Para Schumpeter, o método democrático não deve incidir ―sobre questões que o povo em geral [não] possa compreender perfeitamente.‖ (Idem, 363). Nestes casos, aconselha Schumpeter, para que seja garantido um tratamento racional, e não emocional, de certas questões do Estado, o poder de decisão deve ser restrito aos especialistas, e excluída a decisão pelo método democrático. Como faz questão de ressaltar, ―a democracia não exige que qualquer função de Estado esteja sujeita a seu método político‖ (Idem, 364), o que guarda coerência com sua concepção de método para seleção de elites.

O segundo ponto que gostaria de destacar é a preocupação de Schumpeter com o que ele chama de ―autocontrole democrático‖, posicionamento que deveria levar os eleitores e políticos, inclusive da oposição, a tomar por inquestionável a liderança do governo. Sendo o governo uma atividade de líderes, legitimados nas eleições - único espaço de participação política do cidadão comum -, os governantes devem estar livres

94 de todas as pressões, para que possam governar livremente, sustenta Schumpeter. No intervalo entre duas eleições, portanto, o povo não deve tentar dar instruções aos governantes, nem sequer tentar ―restringir‖ a liberdade de ação dos parlamentares, afinal, o controle do eleitorado sobre o poder político deve ser exercido apenas nas eleições.

Ao limitar a democracia a um método de seleção de elites, às quais estaria exclusivamente reservada a tarefa de governar, Schumpeter reduz ao mínimo o espaço de participação política do povo, subvertendo completamente o ideal da teoria clássica da democracia. Em Schumpeter como em Weber, a democracia deixa de ser ―governo do povo‖ para se transformar em ―governo de elites‖, com baixa participação popular, e a ―soberania popular‖ é estigmatizada como um ideal inatingível, substituída pela livre escolha dos indivíduos-eleitores. Isto se justifica pela ―competência técnica‖ das elites, contraposta aos ―impulsos emocionais‖ que orientam a ação do povo.

Como dissemos, o ―elitismo competitivo‖ é uma teoria muito prestigiada pela ciência política contemporânea, e alguns cientistas políticos que hoje já são considerados clássicos, como Anthony Downs e Samuel Huntington, são seus exemplares seguidores. Este prestígio, ao invés de ser ocasional, se justifica pelo fato de o ―elitismo competitivo‖ tomar o modelo anglo-americano de democracia liberal como o ponto alto da vasta experiência humana de construção da democracia. Não estamos tratando, portanto, de um modelo simplesmente ―positivo‖: dentre as diversas experiências históricas e possibilidades de exercício da democracia, a maioria da ciência política, prescritivamente, optou por uma. Esta não deixa de ser uma opção legítima, mas há que se perceber que a história não parou, nem a experiência humana de construção de democracia se esgota com este modelo de democracia - em contrário, o exercício da soberania popular pode resultar em inovações institucionais dentro do próprio regime democrático, como já se observou historicamente - sendo sempre útil recordar-se que o próprio modelo democrático-liberal é bastante jovem, em termos históricos. Tampouco se deve deixar sem questionamento o porquê de ter sido justo o modelo anglo-americano de democracia - e não outro - que se fez hegemônico. Se compreendermos ―hegemonia‖ a partir de uma perspectiva gramsciana, como a capacidade de exercício de uma liderança política, moral e intelectual em uma determinada formação social, percebemos este fenômeno como uma expressão da hegemonia anglo-americana sobre a ciência política contemporânea.

95 O livro ―Uma teoria econômica da democracia‖, de Anthony Downs, é um dos grandes clássicos da ciência política, sendo pioneiro da escola de pensamento conhecida como ―escolha racional‖. Nele, Downs apresenta seu paradigma da racionalidade instrumental, transpondo para as ciências sociais elementos da teoria microeconômica neoclássica. O conceito de democracia trabalhado por Downs neste livro sofre influência direta de Schumpeter, a quem o autor inclusive cita textualmente. O paradigma da racionalidade instrumental de Downs parte do pressuposto de que os indivíduos racionais buscam seus interesses diretamente, e escolhem o caminho mais razoável para atingir suas metas. Utilizando o vocabulário econômico, Downs considera a ação política como própria de indivíduos racionais, ou seja, de indivíduos que buscam maximizar seus lucros, reduzindo os custos da sua ação ao mínimo possível. O ―homem racional‖, portanto, é aquele que consegue decidir estrategicamente quando confrontado com um leque de alternativas possíveis, ordenando-as em um ―ranking‖ de preferências e escolhendo para figurar em primeiro lugar neste ―ranking‖ aquela que julgar menos dispendiosa e mais lucrativa para seus interesses individuais.

O termo ―racional‖, conforme empregado por Downs, refere-se sempre a processos de ação: a ―meios‖, e não a ―fins‖. Para Downs, reproduzindo o discurso dos seus citados predecessores, sua teoria é de ―base puramente positiva, sem postulados éticos‖ (Downs: 1999, 45). Em contrário à sua ciência positiva, argumenta Downs, os modelos normativos se baseiam nas ―boas metas‖, e em como ―deveria ser‖ o comportamento dos cidadãos para atingir estas metas, desconsiderando a eficiência ou a racionalidade de suas prescrições. Esta ausência de ―fins‖ ou de ―boas metas‖ está presente no conceito de ―governo democrático‖ elaborado por Downs.

O governo democrático, como instituição, ―é o locus de poder último na sua sociedade‖, argumenta Downs. Ou seja, este governo ―pode coagir todos os outros grupos a obedecer suas decisões, ao passo que esses não podem coagi-lo da mesma forma.‖ (Idem, 44). Como se forma o governo democrático? Através de eleições, sustenta Downs, para quem ―a função política das eleições, numa democracia, (...) é selecionar um governo.‖ (Idem, 29). As condições sociais necessárias para um governo democrático não se resumem apenas à existência de eleições, segue Downs, que aponta um conjunto de requisitos institucionais para um governo ser considerado democrático: 1) escolha de um partido (ou coalizão de partidos) por eleição para assumir o governo; 2) eleições periódicas, com duração não alterada pelo partido governante; 3) todos os adultos normais votam; 4) cada eleitor tem direito a apenas um voto; 5) o(s) partido(s)

96 vencedores assumem o poder até a próxima eleição; 6) os partidos perdedores não podem impedir a posse dos vitoriosos; 7) o partido governante não restringe a ação dos cidadãos ou de outros partidos, desde que estes respeitem as leis; 8) há dois ou mais partidos competindo em eleição.

A observância deste conjunto de requisitos, sem dúvida, é fundamental para a institucionalização de uma democracia representativa e, como vemos, se trata de um

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