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1. O período pré-contratual e a sua consagração no ordenamento jurídico português

1.3. A natureza jurídica

1.3.1. A tese contratualista e a tese extracontratualista

Também na doutrina não encontramos uma posição unânime. Há autores que consideram que a responsabilidade pré-contratual tem uma natureza contratual e outros que consideram que ela reveste uma natureza extracontratual.

Do lado contratualista, encontramos, em Portugal, autores como MENEZES

CORDEIRO, ANTUNES VARELA,VAZ SERRA E GALVÃO TELLES.

O primeiro dos autores referenciados, considera que “a culpa in contrahendo se trata de uma responsabilidade obrigacional, por violação de deveres específicos de comportamento, baseados na boa-fé. Como fundamento, aponta o artigo 227.º, n.º 1, chamando a atenção, para o facto de se aplicar a relações determinadas, estabelecendo-se deveres de protecção, de lealdade e de informação. Existe um dever específico de cumprimento”84. Assim, a sua violação só poderá ser uma natureza obrigacional.

Por sua vez, também ANTUNES VARELA defende a mesma posição. Entende este

Autor que “apesar de não existir ainda um vínculo contratual entre aqueles que negoceiam, a relação que existe entre eles está, na verdade, muito mais próxima de uma relação contratual do que da relação que existe entre o titular do direito absoluto e o autor da sua violação ilícita”85.

Por sua vez, também VAZ SERRA entendia que se deviam aplicar, em princípio, as normas de responsabilidade contratual precisamente porque “haveria uma relação obrigacional sancionada pela ordem jurídica através da responsabilidade contrat ual,

84CORDEIRO, António Menezes – Tratado do Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, Coimbra,

Almedina, 1999, pp. 345 e 346. Ver também SILVA, Eva Sónia Moreira da – A Responsabilidade pré-

contratual por violação dos deveres de informação, p. 55.

85 VARELA, João Matos Antunes- Das obrigações em geral, pp. 271 e 272 in: SILVA, Eva Sónia Moreira

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pois esta é emergente não só do não cumprimento dos contractos como também da violação de qualquer outra obrigação preexistente entre as partes, devendo em rigor, chamar-se á responsabilidade contratual, responsabilidade obrigacional ”86.

No mesmo sentido, GALVÃO TELLES entende que o regime a aplicar é o da responsabilidade obrigacional, “pois apesar de não encontrarmos na sua génese um contrato propriamente dito, não é necessário que todas as obrigações nasçam de um. É o que acontece com esta que deriva da lei”87.

Em sentido diverso, encontramos do lado extracontratual ou delitual, ALMEIDA

COSTA,HEINRICH HÖRSTER E MOTA PINTO.

ALMEIDA COSTA defende que “a opção pela qualificação da responsabilidade pré-contratual se deve basear não apenas em considerações conceituais, mas em considerações práticas de tal facto, sobretudo, na sujeição ao regime de uma ou de outra responsabilidade, considerando as suas diferenças88. Embora a distinção dos regimes não releve em pontos essenciais, o certo é que algumas normas do regime da responsabilidade pré-contratual acabam por conceder ao credor da indemnização, uma protecção mais eficaz”89. Não obstante, o autor considera que este regime não é o mais adequado para reger a responsabilidade pré-contratual, nomeadamente a que resulta da ruptura das negociações. Ao lermos EVA SÓNIA MOREIRA DA SILVA,

podemos perceber que o Autor entende que, no que respeita “à culpa in contrahendo, a existência de presunção da culpa não será adequada; que será justa a responsabilidade solidária, em caso de haver mais do que um responsável pela ruptura; que será oportuno que o Tribunal possa graduar equitativamente a indemnização, fixando-a num montante inferior ao dos danos, nos termos do artigo 494.º”90. Quanto ao prazo de prescrição de três anos, diz-nos e com razão, que é a lei, no seu artigo 227.º n.º2 do CC parece propender para uma solução extracontratualista. O mesmo se passa quanto ao regime de responsabilidade pelos actos de outrem que

86 SERRA, Vaz, - Culpa do devedor ou do agente, BMJ n.º 8 (19579, pp. 130 e 131, in: SILVA, Eva Sónia

Moreira da – A Responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação, p. 49.

87TELLES.INOCÊNCIOGALVÃO, Direito das Obrigações cit., página 74 e 75. Ver também EVA SÓNIA

MOREIRA DA SILVA, A Responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação…,p. 59.

88COSTA, Mário Júlio Almeida – A responsabilidade pré-contratual pela ruptura das negociações

preparatórias de um contrato, RJL, ano 116.º (1983/1884), n.º 3713, p. 255. Ver também SILVA,Eva Sónia Moreira da–A responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação,p. 56.

89SILVA, Eva Sónia Moreira da A responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de

informação,p. 56.

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se utilize para negociar, no artigo 500.º. Assim sendo, não há dúvidas que ALMEIDA

COSTA, diferentemente dos autores acima expostos, se inclina para o lado

extracontratual.

No mesmo sentido, encontramos HEINRICH HÖRSTER, que defende que a responsabilidade pré-contratual deve ser considerada como extracontratual (quando muito quase contratual), “uma vez que ela se abstrai por completo da eventual formação do contrato que está a ser negociado. Entender que dela pudesse nascer uma obrigação contratual seria o reconhecimento de algo semelhante a uma relação contratual de facto, nascida do mero comportamento das partes no decorrer das negociações, o que não seria sustentável à luz do Código Civil”91.

Por sua vez,MOTA PINTO92,não concordando com nenhuma das posições acima expostas,considerava estarmos perante uma obrigação em sentido técnico, resultante directamente da lei, uma obrigação “ex lege”93.Para o Autor, “cada um dos sujeitos estaria ligado ao outro, não por um vínculo semelhante ao que liga o titular de um direito absoluto a qualquer estranho que interfira na sua esfera jurídica, mas por uma relação jurídica especial”. Como justificação, defendia que “as partes se encontravam já em negociações e portanto, já tinham deixado o mundo dos deveres gerais humanos (ou das obrigações passivas universais) para entrar no mundo dos direitos relativos”94.

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