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1. O período pré-contratual e a sua consagração no ordenamento jurídico português

1.3. A natureza jurídica

1.3.2. Uma terceira via no Direito da Responsabilidade Civil

SINDE MONTEIRO considera que a “culpa in contrahendo” se situa num domínio de fronteira entre o contrato e o delito, o que permite a aplicação das normas de qualquer um destes sectores95.

Já ALMEIDA COSTA diz que “tanto as posições que defendem a “culpa in

contrahendo” é um “tertium genus”, como as posições eclécticas ou dualistas que

91 Idem, p. 55.

92 Idem, p. 57.

93 PINTO, Carlos Alberto da Mota – A responsabilidade pré-negocial, pp. 150 e 151.

94 SILVA, Eva Sónia Moreira da – A responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de

informação, p. 57.

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defendem que esta teria ora natureza contratual ora extracontratual, conforme os factos que lhe dessem existência, não terão conseguido suficiente difusão ”96.

BAPTISTA MACHADO, na verdade, diz-nos que nos situamos num estrato

normativo intercalar, onde não existem obrigações primárias de prestação. Para este

Autor, a entrada em certo tipo de relação não origina uma obrigação, pois é apenas o pressuposto de facto que sujeita o individuo a tal estatuto normativo. O efeito jurídico de entrarmos em negociações é “sui generis”, ou seja, “sujeita o agente a uma espécie de “estatuto relacional”, um estatuto que o onera com deveres de conduta cuja inobservância culposa origina uma verdadeira obrigação: a obrigação de indemnizar em caso de dano. O seu efeito é então a sujeição a uma espécie de “estatuto deveral”, a um dever de conduta conforme à razoabilidade e à boa-fé. Este facto não é, então, constitutivo de uma obrigação. Só a violação culposa dos deveres nascidos do Princípio da Boa-Fé, capazes de causar dano, fazem nascer a obrigação”97.

No mesmo sentido, surge MENEZES LEITÃO98, também ele defensor da ideia de

que os deveres pré-contratuais não possuem uma tutela primária, sendo tão-só deveres que surgem no âmbito de ligações específicas entre as partes e que estão para além do mero dever geral de respeito (correspectivo dos direitos absolutos).

Não é fácil inserirmos este instituto da responsabilidade pré-contratual numa das vias contratual ou extracontratual. Fazendo uma análise a todos os argumentos expostos, que vão desde uma tese contratualista, passando por uma tese extracontratualista até uma terceira via, parece-nos que esta última é a mais aceitável.

Ora, no nosso entendimento, apesar de ainda não existir qualquer contrato e tendo apenas o artigo 227.º como linha de orientação que lhes impõe o dever de agir de boa-fé durante as negociações, a verdade é que a relação que existe entre eles está, efectivamente, muito mais próxima de uma relação contratual do que da relação que existe entre o titular do direito absoluto e o autor da sua violação ilícita. Existe, pois, aqui uma relação obrigacional decorrente da lei que obriga os contraentes a agir de acordo com o Princípio da Boa-Fé. Por outro lado, entendo tal como CARNEIRO DA

96 Idem, p. 56.

97 MACHADO, João Baptista – Tutela da confiança…, página 575 in: EVA SÓNIA MOREIRA DA SILVA, A

responsabilidade.., pp. 61 e 62.

98 Cit in: SILVA, Eva Sónia Moreira da – A responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de

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FRADA99 não estarmos perante uma obrigação em sentido estrito, nos ternos do artigo

397.º do CC. Aqui, a obrigação só nasce se estivermos perante uma violação culposa dos deveres nascidos da boa-fé, capazes de causar dano.

Não se trata, de facto, de uma questão pacífica. Entende-se que a responsabilidade pré-contratual, por não determinar desde logo a aplicação do regime próprio do contrato visado mas poder integrar obrigações resultantes das próprias negociações e portanto já de natureza negocial e não simplesmente derivadas de um dever de conduta genérico, constitui um instituto de regime híbrido, situado a meio caminho entre aqueles, como referiu por exemplo o Acórdão deste Supremo de 4 de Abril de 2006.

Entendemos que se no decurso das negociações forem desde logo alcançados acordos de natureza contratual, embora não formalizados, justifica-se a aplicação do regime da responsabilidade contratual, nomeadamente no que à presunção de culpa se refere, até porque o artigo 227.º tem mesmo sob epigrafe “culpa na formação dos contratos”, devendo proceder conforme a boa-fé quer nos “preliminares” quer na “formação” do próprio contrato. Pelo contrário, nas hipóteses em que não se tenha chegado a tais acordos, justifica-se a aplicação do regime da responsabilidade extracontratual. No entanto, o n.º 2 do artigo 227º., consagrou para este tipo de responsabilidade a prescrição nos termos do disposto no art.º 498º do CC, sendo somente neste ponto que consideramos que este instituto tem algo de extracontratual. Efectivamente, “a fixação da prescrição nesses termos, para além de se justificar perante a complexidade e carácter duvidoso da situação, que conduz à necessidade de uma mais rápida definição da situação jurídica, encontra-se desacompanhada de qualquer outra regulamentação do instituto, o que origina que se conclua que o legislador pretendeu a sua regulamentação de acordo com a interpretação feita com base nos princípios gerais do Direito e os plasmados no supra citado artigo 227º”100.

A este respeito, cabe referir que acreditamos que não se podem dar aqui posições definitivas. Ora, como vimos, o facto gerador de uma situação de responsabilidade pré-contratual não é a mera ruptura das negociações, mas sim o romper ilegítimo das mesmas, ou seja, é a circunstância de se terem criado expectativas legitimas na contraparte na celebração de um contrato que não chega a ser celebrado em virtude de

99 Cit in: SILVA, Eva Sónia Moreira da – A responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de

informação, p. 63.

100 Em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 44/07.1TBGDL.E1.S1,de 16/12/2010, disponível em

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uma conduta dolosa da contraparte. Nessa medida, é sabido que o lesante exerce um direito que lhe é concedido pelo princípio da liberdade contratual, a liberdade de não celebrar o contrato caso não o pretenda. Porém, o que não pode, de forma alguma é frustrar as expectativas da contraparte, ao já não realizar um negócio que inicialmente se tinha comprometido. Deverá aqui o agente em incumprimento ter de ser responsabilizado pela circunstância de se ter criado uma expectativa e uma confiança justificada na futura celebração do contrato. Nesta situação, acreditamos que a responsabilidade pré- contratual tenha mais peso do lado extracontratual do que o contratual. Porém, tudo depende do caso em concreto. No caso em particular e face à singularidade dos casos de ruptura ilegítima de negociações, parece-nos mais adequada a aplicação das regras da responsabilidade extracontratual, nos termos dos artigos 227.º e 334.º do CC. Concordamos ainda com a posição adoptada por SINDE MONTEIRO e ALMEIDA COSTA,

ao defenderem a aplicação do artigo 487.º CC101. Para estes Autores, a responsabilidade pré-contratual encontra-se mais próxima da responsabilidade aquiliana por considerarem que será mais justo ser o lesado a provar a culpa do autor da ruptural. Porém, em caso da celebração de um contrato válido e eficaz, mas que é desvantajoso para uma das partes, isto é, no caso de estarmos, por exemplo, perante uma hipótese de violação de um dever de esclarecimento, aqui já será mais adequada a aplicação do regime contratual102.

Abonamos a ideia de que só uma “terceira via” pode abarcar as diversas situações que a responsabilidade pré-contratual pode englobar, por forma a aproveitar o que de mais vantajoso há nos dois institutos. Admito, no entanto, e como já referido que, no caso em particular de ruptura abusiva das negociações, existe uma maior aproximação à responsabilidade extracontratual.

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