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CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1.7 A Tessitura de Significações na Construção do Sentido

Quando se propõe a estudar a linguagem, necessariamente depara-se com a questão do sentido. A definição de sentido, a necessidade de especificar a que esse termo se refere e como ele se constitui, tem sido objeto de estudo de diferentes teóricos como Tarski (1944); Grice (1957); Austin (1990).

32 Segundo Elias (2002, p.20) “ dispersão é a ausência de controle dos sentidos, a ausência de

gerenciamento sentidural sobre o leque de significações que se pode produzir no interior de um conjunto de enunciados”.

Em uma tradição cultural marcada pelo racionalismo ocidental, que acredita na possibilidade da clara separação entre sujeito e objeto33, a origem do sentido tem sido localizada no significante expresso no texto ou, melhor dizendo, na palavra, na intenção consciente do autor/emissor. Nessa perspectiva cultural racionalista, quando se defronta com a questão do sentido, pode-se pensá-lo sob uma noção de literalidade que, segundo Arrojo (2003, p. 36.), “autoriza a possibilidade de um significado subordinado à letra, anterior a qualquer interpretação e independente de qualquer contexto.” Nessa perspectiva, o sentido já estaria a priori no texto, cabendo apenas ao leitor encontrar os significados que seriam identificados, observando-se as marcas deixadas pelo autor. O sentido seria sempre único e universal, não estaria relacionado ao contexto e nem às condições de produção do texto.

Uma outra maneira de se pensar o sentido seria a partir de alguns pressupostos teóricos que permitiriam o deslocamento desse paradigma tradicional racionalista para um paradigma pós-moderno. Tais axiomas estão ancorados nos pressupostos da desconstrução e no dispositivo teórico da Análise do Discurso de linha francesa (AD), conforme o desenvolvimento que tem recebido a partir da teoria do discurso proposta por Michel Pêcheux nas décadas de 1960/1970 do século XX34. A AD francesa será tomada como base

teórica complementar para o estudo e reflexão a que esta pesquisa se propõe, no que tange, principalmente, às questões relacionadas ao sentido e ao sujeito.

33 Segundo Arrojo (2003, p.15), “o homem ocidental, forjado no culto ao racionalismo, ilude-se

com sua suposta autonomia ‘consciente’ – que não passa de uma instância derivada de processos inconscientes – e crê poder separa-se do ‘real’, ou seja, crê poder olhar o ‘real’ e o outro com olhos neutros, (...)”.

É preciso deixar claro, desde já, como se relaciona a questão da significação e a constituição do sentido nessa perspectiva. Para isso, é relevante o conceito de significação, para que se possa caminhar no contínuo da constituição sentidural. Partindo de Pêcheux (1995), a significação tem origem no percurso semântico. Na Semiologia, a palavra é tomada como coisa, como objeto, pois torna-se um signo. Tal signo é evocado dentro de um processo social que sofre um fenômeno de semiose; isso, por sua vez, conduzirá a um devir de significações. As conjunturas de significações produzirão sentidos, ou seja, devires. Esse devir é o sentido que surge desse processo de significação que é o próprio discurso-efeito, inscrição, manifestação, circunscrição, atravessamento e não materialidade. Assim, entende-se que a depreensão do sentido se dá em um jogo e não apenas na materialidade do texto ou na intencionalidade do autor.

Na AD, toma-se como parte constitutiva do sentido o contexto histórico-social35, que considerará as condições em que o texto foi produzido36. Em outras palavras, pode-se dizer que, para a AD, os sentidos são histórica, ideológica e socialmente construídos.

Pretende-se, ainda, enfatizar que, nesse quadro teórico, os sentidos não têm existência transcendental. Não são colados sobre as coisas que povoam o mundo, como se fossem etiquetas. Não estão imobilizados nas páginas dos dicionários. Os sentidos estão constantemente sendo tecidos de tal forma que outros e outros sentidos são sempre produzidos. Pode-se dizer que a

35 “As produções discursivas têm o estatuto de condições históricas, determinantes do dizível e

do que efetivamente se diz, bem como do que não se diz. Os sujeitos ocupam lugares sociais e é a partir deles que enunciam, sempre inseridos no processo histórico que lhes permite determinadas inserções e não outras” (FERNANDES, 2005,27).

36 “As condições de produção do texto, na AD, ancoram-se no tripé factualidade,

questão do sentido está relacionada a convenções que, por sua vez, são resultados de acordos políticos. Segundo Arrojo (2003), tal acordo tem como objetivo organizar e controlar a produção de significados.

De acordo com Guimarães (2005, p. 1), “o tratamento da enunciação deve se dar num espaço em que seja possível considerar a constituição histórica do sentido”. Isso implicará trabalhar com uma noção de sujeito que enuncia a partir de uma posição, que está filiada a uma memória histórica e ideológica. Tal memória é constitutiva desse sujeito, assim, cada vez que ele enuncia, ele a retoma. Como o sentido não está nas palavras, não lhes é inerente, o sujeito, ao colocar a língua em movimento, coloca uma História e uma ideologia em cena. Em suma, parte-se do pressuposto de que não há discurso neutro, sem implicações éticas. Dito de outra forma, tanto a enunciação como os efeitos dela são ações políticas.

Questões relacionadas à constituição do sentido serão parte fundamental das nossas reflexões e análises, pois a obra chalitiana é o corpus de estudo desta pesquisa. Assim, julga-se importante ressaltar que como a AD toma, como unidade de análise, “o texto em sua materialidade simbólica própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe em sua discursividade37” (ORLANDI, 1999, p. 18). É assim que estamos

considerando o texto chalitiano.

Dessa forma, o discurso passa a ser o objeto teórico da AD. Nessa teoria, o enfoque não se dá no sistema lingüístico, e sim na língua que, como afirma Orlandi (1999, p. 18), faz sentido “enquanto trabalho simbólico, parte do

trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua História38.” Assim, o sentido passará a constituir-se a partir de uma relação entre o sujeito/leitor, o autor/emissor e o texto, considerando-se também o contexto e as suas condições de produção.

Pretende-se considerar o autor da obra, Gabriel Chalita, sob a perspectiva de Arrojo, que, ao citar Foucault (1979), afirma que

[...] o autor deixa de ser uma ‘fonte infinita de significações que preenchem uma obra’ e passa a ser reconhecido como um princípio funcional por meio do qual, em nossa cultura, limitamos, excluímos e escolhemos os significados. (ARROJO, 2003, p. 38)

O autor, na verdade, passaria a ser uma figura ideológica marcada pela forma e proliferação do sentido.

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