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A tipologia da cooperação em âmbito internacional

CAPÍTULO I A COOPERAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL NO CONTEXTO

1.2 A tipologia da cooperação em âmbito internacional

O surgimento do fenômeno da cooperação internacional para o desenvolvimento, segundo a doutrina majoritária internacionalista, está intrinsecamente correlacionado ao período de descolonização após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria70, contextualizado pela Europa devastada pelos dois conflitos mundiais, para conjuntamente superarem as dificuldades e se reconstruírem em cooperação mútua dos Estados.

Para o segundo pós-guerra, o fenômeno histórico da colonização (que se seguiu durante todo o século 19 pelo perfil imperialista dos Estados europeus) recebeu extrema

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Expressão utilizada para indicar o período histórico logo após a Segunda Guerra Mundial, de contraposição entre países ocidentais, capitalistas, liderados pelos Estados Unidos da América, e países orientais, socialistas, liderados pela Ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que vai de 1945 a 1989.

importância jurídica após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, pois os processos de independência promovidos pela nova entidade de vocação universal desencadearam enfraquecimento do domínio sob as ex-colônias. Aos países então imperialistas, com a nova configuração da sociedade internacional, a cooperação representou a melhor forma de manter influência direta naqueles territórios. Concomitantemente a essa multiplicação de Estados, a sociedade internacional viveu um período de bipolarização entre países capitalistas71 e socialistas72, cujo término foi marcado pela reunificação alemã com a queda do muro de Berlim e a desintegração da URSS e da Iugoslávia, em 1989. Durante o período da Guerra Fria, ainda com base no princípio da nacionalidade, redesenhou-se o mapa político europeu alargando a proteção em benefício também das minorias e dos povos autóctones existentes nos territórios dos Estados, restringindo ainda mais a soberania estatal. Neste âmbito, a cooperação se tornou a melhor forma de atender aos objetivos políticos do mundo bipolarizado.

Na Carta da ONU foi inserida uma série de responsabilidades às potências colonialistas, em caráter de limitação das suas soberanias, por exemplo, o princípio da autodeterminação dos povos, pelo qual cada Estado que fizesse parte da ONU deveria conceder um autogoverno às suas colônias73. Em nenhum momento, porém, a Carta refere-se diretamente ao mencionado princípio, contudo, pela práxis internacional dos anos 1960, a descolonização é considerada o grande sucesso da ONU, modificando novamente o cenário internacional, uma vez que os novos Estados começaram a requerer igual tratamento perante a sociedade internacional, organizando-se com base no princípio da nacionalidade.

Além de promover a descolonização, ao perseguir a paz mundial a ONU se posicionou em “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”, tornando assim, um dos maiores atores

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Leia-se Estados Unidos da América (EUA). 72

Leia-se União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). 73

“Em São Francisco, apesar da tentativa da URSS de incluir dentre os objetivos da nova Organização aquele de promover a independência dos países sob domínio colonial, consegue-se regular apenas que os povos das colônias deveriam gradualmente obterem um auto-governo (enquanto isso, foi aceita uma limitada revisão do sistema de impérios coloniais). [...] O art. 73 dispunha que os Estados-Membros que tinham responsabilidade pela administração de territórios não completamente independentes deveriam ajudar as populações daqueles territórios a conquistar um auto-governo e criar instituições políticas livres”. In: CASSESE, Antonio. Op. cit., p. 162. (Tradução livre do autor).

incentivadores da cooperação internacional, propósito inserido no artigo 1, alínea 3, da Carta de São Francisco74.

Mesmo tendo surgido em um contexto de reconstrução e tentativa de manutenção influência de domínio territorial, a cooperação internacional intensificou as relações internacionais entre os diferentes Estados e atualmente, a expressão “cooperação internacional” vem sendo utilizada em diversos sentidos para definir relações mútuas entre inúmeros atores na esfera internacional, seja em âmbito social, de ajuda humanitária, de emergência, sustentabilidade, de solidariedade, doações, etc. A cooperação internacional para o desenvolvimento atua como instrumento para a operacionalização dessas relações sempre visando ao intercâmbio de experiências para o desenvolvimento pleno das partes envolvidas.

Nesse sentido, a cooperação internacional para o desenvolvimento pode ser definida como “o conjunto de ações que realizam governos e seus organismos administrativos, assim como entidades da sociedade civil de um determinado país ou conjunto de países, orientadas a melhorar as condições de vida e impulsionar os processos de desenvolvimento em países em situação de vulnerabilidade social, econômica ou política e que, ainda, não possuem capacidade suficiente para melhorar sua situação por si mesmos”75.

Visto que a cooperação internacional ainda é objeto de construção teórica, é possível, de modo geral, classificá-la pela aplicação de diferentes critérios, que se diferenciam pelo tipo de participação dos atores envolvidos, a origem dos fundos de financiamento e quanto aos objetivos da cooperação internacional.

Em relação ao primeiro aspecto, a participação dos atores envolvidos pode ser bilateral, triangular, multilateral, estabelecida por convênios que estabelecem o alcance e objetivos da cooperação. A fonte de financiamento estabelece a distinção entre cooperação pública, cujos recursos são provenientes do governo; privado, quando os

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Documento firmado por 50 países na cidade de São Francisco, Estado da Califórnia, EUA, em 26 de junho de 1945, instituindo a ONU – Organização das Nações Unidas, herdeira da anterior Sociedade das nações ou Liga das nações. Entrou em vigor em 24 de oububro do mesmo ano.

75 “el conjunto de acciones que realizan gobiernos y sus organismos administrativos, así como entidades de la sociedad civil de un determinado país o conjunto de países, orientadas a mejorar las condiciones de vida e impulsar los procesos de desarrollo en países en situación de vulnerabilidad social, económica o política y que, además, no tienen suficiente capacidad para mejorar su situación por si solos”. In: AYLLÓN, Bruno. La cooperación internacional para el desarrollo: fundamentos y justificaciones en

la perspectiva de la teoría de las relaciones internacionales. Carta internacional, vol. 2, n.° 2, out.

recursos provêm de entidades privadas e mistas, de ambas as fontes. Os objetivos da cooperação podem ser de ordem técnica, de ajuda humanitária, ambiental, etc.

Além da cooperação de natureza governamental, ela pode partir do âmbito das instituições privadas existentes em cada país, a chamada cooperação internacional não- governamental, que tem como protagonistas as ONGs, caracterizadas principalmente pela solidariedade e motivações altruístas. A maior eficácia de tais ações comparada com a de governos e organizações internacionais não é, porém, possível esclarecer com evidências empíricas. A abordagem micro, atenta às iniciativas individuais ou multissetoriais e à mobilização de recursos locais tem constituído, por muitos anos, a característica prevalente dessas entidades.