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CAPÍTULO II A NACIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO ITALIANO

2.3 A dupla (e múltipla) nacionalidade

A qualidade de “dupla” ou “múltipla” nacionalidade145 depende da posição voluntária ou involuntária do indivíduo perante uma pluralidade de ordenamentos jurídicos que está em contato e também do funcionamento permissivo contemporâneo de tais ordenamentos. Em contrapartida, em âmbito do Direito Internacional, os Estados possuem ampla discricionariedade em seu ordenamento interno para estabelecer critérios e princípios a fim de determinar os seus nacionais e sob quais hipóteses estão sujeitos à sua perda146. Tal funcionamento autônomo, no entanto, gera efeitos tanto em âmbito interno dos Estados quanto no internacional, já que um mesmo indivíduo pode vir a ser considerado titular da nacionalidade de um ou mais Estados, sendo menos rara a condição de titular de dupla que de múltipla nacionalidade.

O fato gerador da nacionalidade é amplo, contudo, a situação de dúplice status civitatis se verifica geralmente com indivíduos nacionais de países considerados de imigração, via de regra descendentes de emigrantes europeus, titulares originários da

objetivo de permitir à comissão interministerial de operar a análise dos requisitos indicados pelas normativas.

145 Também binacionalidade, polinacionalidade ou plurinacionalidade 146

Nesse sentido, cita-se a sentença do Tribunal de Haya, em 1955, no caso Nottebohm, sudito de origem alemã que se transferiu à Guatemala e pouco tempo antes da Segunda Guerra Mundial adquiriu de maneira anomala a nacionalidade do Liechtenstein. Após a guerra, por intermédio da Suiça intentou proteção diplomática contra a Guatemala, mas o Tribunal de Haia a declarou inadimissível porque a naturalização não respondia aos requisitos da nacionalidade efetiva. In: PASTOR RIDRUEJO, José A.

nacionalidade transmitida por seus antepassados imigrantes e também titulares originários da nacionalidade atribuída pelo nascimento em território do Estado de residência. A exemplo disto, atualmente tanto o ordenamento italiano quanto o brasileiro aceitam que seus nacionais conservem e adquiram a nacionalidade de outro Estado, respectivamente e contemporaneamente, permissão legal relativamente recente que abre importante página na relação consular entre esses dois países.

A atual Lei italiana sobre a nacionalidade permite a manutenção da nacionalidade italiana para os seus nacionais que adquirem a nacionalidade estrangeira (artigo 11 da Lei de 1992), inovando completamente a Lei anterior em matéria pela qual prevalecia o princípio da unicidade da nacionalidade e previa a dupla nacionalidade em casos muitos restritos, principalmente em benefício ao imigrante italiano147. Pelo diploma anterior, o indivíduo deveria necessariamente ser titular de única nacionalidade e havia restrição de perda da italiana, caso adquirisse outra. Mesmo a reforma advinda com a Lei n.° 123/1983 a posição legislativa foi contra a dupla nacionalidade, já que o indivíduo que alcançava a maioridade e fosse possuidor de duplo status deveria render opção a uma das nacionalidades, situação que se alterou definitivamente a favor à dupla nacionalidade com a Lei de 1992, que consagrou o princípio.

Na mesma época da inovação italiana sobre a nacionalidade o Congresso nacional brasileiro aprovou a Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 07 de junho de 1994, que modificou o texto da CF/88 em matéria e possibilitou ao brasileiro o reconhecimento ou aquisição de nacionalidade estrangeira preservando a brasileira (CF, artigo 12, § 4, II, “a” e “b”)148. Este diploma legal foi inovador e garantiu constitucionalmente a multiplicação dos casos de dupla nacionalidade no país. Inúmeros descendentes de imigrantes italianos, por exemplo, recorreram às representações consulares para iniciarem procedimento de reconhecimento da nacionalidade italiana. Antes da inovação, tal qual a Itália, o ordenamento brasileiro determinava a perda automática da nacionalidade brasileira àquele que adquirisse nacionalidade de outro país.

147

ZAMPAGLIONE, Gerardo. Diritto Consolare. Teoria e Pratica. Stamperia nazionale. Roma, 1992. p. 642.

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Até 1994, o Brasil não admitia a dupla nacionalidade para os seus nacionais e decretava a perda da nacionalidade brasileira ao brasileiro que, por naturalização voluntária, adquirisse a nacionalidade de outro país.

Um primeiro aspecto do fenômeno da dupla-nacionalidade é de que o indivíduo titular deste status jurídico está necessariamente vinculado a dois Estados e sujeito, portanto, a duas ordens jurídicas diferentes. Dessa dupla sujeição decorrem aspectos imanentes ao nacional, como a possibilidade do exercício pleno da cidadania em cada um dos países e todos os direitos fundamentais a ela correlatos; sujeição às regras do Direito Internacional privado de ambos os Estados149 e ainda, vantagem de não estar sujeito ao tratamento destinado a estrangeiros no Estado da sua segunda nacionalidade. Por outro lado, pode implicar limitações na reivindicação de certos direitos, como nos casos de restrição a pedido de assistência consular no Estado onde também é considerado como nacional, porém tal limitação configura um segundo aspecto da dupla-nacionalidade em âmbito do Direito Internacional, que é a dupla proteção diplomática e consular de que faz jus o indivíduo titular da binacionalidade em relação a terceiros países150.

Nesse âmbito, ao reconhecer a competência exclusiva dos Estados em matéria o Direito internacional é cenário de convenções bilaterais e multilaterais para a evitar situações de casos de apatrídia e certas situações de dupla ou multi nacionalidade, como no cumprimento de obrigatoriedade de alistamento militar151. Quando dois ou mais

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Para a determinação da Lei aplicável em caso de dupla ou múltipla nacionalidade, assim como outras leis europeias de Direito Internacional privado, o sistema italiano estabelece a prevalência da nacionalidade de vínculo efetivo com um determinado Estado, porém, caso uma dessas nacionalidades seja a italiana, este critério não se aplica e a nacionalidade italiana deve prevalecer sobre aquela estrangeira, independente de ser ou não efetiva (artigo 19, parágrafo 2 da Lei n.° 218/95).

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Para o Direito Internacional é inadimissivel a proteção diplomática por outro Estado de que também é nacional.Tal entendimento está contido no artigo 4º da Convenção de Haia, de 1930 sobre a nacionalidade. Foi esta a situação que contemplou no caso Canevaro, resolvido pelo Tribunal Permanente de Arbitragem dem 1912, pelo qual um súdito italiano residente no Peru que adquiriu a nacionalidade deste último país sem no entanto renunciar a italiana. Posteriormente, o governo italiano intentou proteção diplomática contra o Peru, situação julgada inadimissível pelo referido Tribunal tendo por fundamento o critério da nacionalidade efetiva, no caso, a peruana. In: PASTOR RIDRUEJO, José A. Op.

cit., p. 251.

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As principais convenções em matéria são: Convenção de Haia, de 1930, sobre a nacionalidade; Convenção européia sobre a cidadania, de 1997; Convenção sobre a eliminação de cada forma de discriminação contra as mulheres; Convenção de Nova Yorque de 28/9/1954 e Convenção de Genebra de 28/07/1951, refugiado político. Em relação às obrigações militares, recorda-se ainda a Convenção européia de Estrasburgo de 1963 e Convenção ítalo-brasileira de 6 de setembro de 1958. Nesse sentido, em ambito interno, o artigo 8 da Lei italiana n.° 958 de 24 de dezembro de 1986 considerava condição para exoneração do serviço de alistamento militar por parte de quem tinha já havia cumprido serviço militar noutro país do qual também era nacional (ZAMPAGLIONE, Gerardo. Op. cit., p. 641). A Lei n.° 331, de 14 de novembro de 2000, o decreto legislativo do Ministério da Defesa n.° 215, de 8 de maio de 2001, seguido da Lei n.° 226, de 23 de agosto de 2004, suspenderam a obrigatoriedade do serviço militar a partir de 1 de janeiro de 2005, rendendo-o voluntário. Posteriormente, o decreto legislativo n.° 66, de 15 de março de 2010, o Código Militar italiano, revogou os dispositivos anteriores e incorporou a

Estados reconhecem o mesmo indivíduo como o seu nacional, trata-se de um concurso de nacionalidades ou conflito positivo de nacionalidades e em contrapartida, configura- se conflito negativo quando tais Estados não consideram o indivíduo como seu nacional, gerando situação de apatrídia152. A Corte Internacional de Justiça já se manifestou sobre a matéria em importantes casos sobre a nacionalidade153 e consolidou princípios sobre a proteção diplomática e do vínculo da nacionalidade efetiva (ligação mais estreita com um determinado Estado), os quais, de certa forma, ainda regem o atual Direito Internacional.