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SUMÁRIO

ORIGINAL TRADUÇÃO

4.5. A Tradução para o Francês

O cantor francês Jean Sablon foi o primeiro a gravar La Fille

d’Ipanema, em meados de 1964. No final daquele mesmo ano, duas

cantoras lançaram álbuns com a canção: Jaqueline François e Nana Mouskouri. No ano seguinte, artistas como France Laurie e Michel Louvain também gravaram La Fille d’Ipanema. Em 1968, a cantora soprano francesa Mathé Altéry lançou o álbum intitulado Les 13 Plus

Belles Chansons du Monde contendo uma versão mais longa da canção,

com duas estrofes a mais70. Há também uma tradução canadense, na voz do cantor quebequense Robert Demontigny, lançada no álbum Un

Baiser Pour Toi em 1964. A versão, no entanto, não vingou.

Figura 5: Capa do LP e rótulo do disco Jean Sablon chante les tropiques,

196471

A versão francesa da canção é narrada por alguém, um narrador oculto que fala da garota – terceira pessoa do singular feminina (elle) –, e dos garotos que a observam – terceira pessoa do plural masculina (ils), como no esquema abaixo:

sobre

A estrofe III descreve o momento dos garotos, que observam a garota (verso 09), talvez sentados num bar, conversando coisas sobre ela (verso 10) e cantando longas canções que falam sobre seu corpo (versos

70

Leia a versão cantada por Mathé Altéry, com duas estrofes a mais, no Anexo 22, p. 153.

71 Imagens disponíveis em: <http://ring.cdandlp.com/ubik76/photo_grande/1060106625.jpg> e <http://ring.cdandlp.com/ubik76/photo_grande/1060106625-3.jpg>. Acesso em: 11 fev. 2013.

ALGUÉM

ELA (ELLE)

11 e 12). Eddy Marnay, o tradutor, fez uma tradução indireta a partir da versão americana, aproveitando não só a base melódica, mas também algumas ideias para a composição da letra. Há semelhanças marcantes nas estrofes I, II e IV. Na estrofe I, por exemplo, os versos 01, 02 e 04 são traduções muito próximas à de Normal Gimbel na versão em inglês: ―Tall and tan and young and lovely‖ (Grande, mince, belle et douce), ―The Girl from Ipanema goes walking‖ (La fille d'Ipanema se pousse), ―Each one she passes goes ―ah!‖‖ (Et toute la plage fait «ah!»). Marnay manteve, inclusive, a onomatopeia «ah!». Na estrofe II, na versão americana, logo no verso 05, Gimbel descreve a forma como a garota caminha – ―When she walks she‘s like a samba‖. Da mesma forma fez Marnay: Elle marche comme une algue... Além disso, na estrofe IV, a ideia de que a garota não olha para seu admirador – ―She looks straight ahead, not at me‖ – foi mantida na tradução em francês (verso 17): Mais elle ne voit que la mer. Contudo, tentou-se manter um sentido geral em cada estrofe, com base na versão americana que, por sua vez, se baseou na canção brasileira.

LA FILLE D‟IPANEMA72

I

01 Grande, mince, belle et douce

02 La fille d'Ipanema se pousse

03 Sur le rivage

04 Et toute la plage fait «ah!»

II

05 Elle marche comme une algue

06 Portée sur l'aile d'une vague

07 Jusqu'au rivage

08 Et toute la plage fait «ah!»

III

09 Oh, les garçons la regardent

10 Et leurs idées qui bavardent

11 Ont des chansons qui s'attardent

12 Sur le corps de la fille aux yeux clairs

13 Mais elle, elle ne voit que la mer

IV

14 Grande, mince, belle et douce

15 Comme une voile dans sa course

16 Ils ne voient qu'elle

17 Mais elle ne voit que la mer

72 Leia uma tradução livre para o português da letra de La Fille d’Ipanema no Anexo 20, p. 151.

O esquema rímico das duas primeiras estrofes é o mesmo da versão americana: rimas entre os versos 01 e 02 (douce/pousse), versos 05 e 06 (algue/vague) e versos 04 e 08 («ah!»/«ah!»). A última estrofe também rima os versos 14 e 15 (douce/course). Na estrofe III, entretanto, Marnay rimou três versos consecutivos, 09, 10 e 11 (regardent/bavardent/s'attardent) e os dois últimos, 12 e 13 (clairs/mer). O tradutor da versão alemã, Ersnt Bader, em 1965, talvez tenha se inspirado em Marnay rimando três versos consecutivos.

Em relação aos atributos da garota, houve diferenças expressivas entre as canções. Os quadros sobrepostos abaixo mostram que a versão francesa atribui mais características à garota do que a canção original brasileira, e omite apenas uma.

Quadro 4: Sobreposição dos atributos referentes à Garota de Ipanema:

Português x Francês

A única informação totalmente omitida é que a garota é bronzeada. Como pode ser visto pela intersecção entre os quadros, há diversas características correspondentes entre as canções. O tradutor francês usou de bastante poeticidade ao descrever o balanço da garota: ―ela caminha como uma alga levada sobre as asas de uma onda‖ (versos 05 e 06). A canção brasileira diz que ―seu balançado é mais que um poema‖. Com essas palavras, Marnay escreveu o próprio poema. Além disso, o balanço da garota é comparado ao movimento das ondas do mar – um doce balanço, como diz a versão em português. O fato de a garota passar sozinha também foi abordado pelo tradutor. Na versão francesa,

ORIGINAL TRADUÇÃO  Do corpo dourado  Grande (alta)  Mince (magra)  Douce (doce)  Aux yeux clairs (de olhos claros)  Linda/cheia de graça/beleza/belle  Menina/moça/fille

 Doce balanço/Seu balançado é mais que um poema/Elle marche comme une alegue portée sur l’aile d’une vague/des chansons qui s’attardent sur le corps de la fille  Sozinha/Comme une voile dans sa

Marnay diz que ela vai ―como um barco a vela em seu curso‖ (verso 15), figurando o passar da garota, sozinha, a caminho do mar.

Enquanto outras versões omitiram várias das características da garota, a versão francesa acrescenta traços sequer mencionados na canção brasileira. O tradutor a descreve como uma doce menina, alta, magra e de olhos claros. Coincidentemente, pois até então não se sabia quem era a garota, as descrições são compatíveis às características da musa inspiradora da canção – Heloísa Pinheiro. Porém, como obra artística, a garota de Ipanema pode ser imaginada de diversas formas. Na canção brasileira, Tom e Vinicius apenas dizem que ela é linda, cheia de graça e movimenta seu corpo dourado ―num doce balanço‖ rumo ao mar.

A versão francesa menciona diversos atributos da garota, porém utiliza poucos verbos em que ela atua como sujeito. A análise, através do Sistema de Transitividade, utiliza trechos da letra da canção, sem incluir versos repetidos, como segue abaixo:

La Fille d‟Ipanema se pousse

Participante: Ator Processo: Material

Elle marche comme une algue portée sur l‟aile d‟une vague Participante: Ator Processo: Material

Mais elle, elle ne voit que la mer

Participante: Comporante Processo Comportamental

Percebem-se apenas dois processos materiais: ela ―passa‖ (se pousse) e caminha (marche) em direção à orla. O verbo reflexivo francês ―se pousser‖ tem bastante expressividade, pois indica que a garota ―avança‖, ―se impulsiona‖, ―se lança‖ em sua marcha a caminho do mar. Assim como na canção em português, trata-se de um processo material transformativo de intensificação de movimento e indicando lugar – ela passa pela orla: ―se pousse sur le rivage‖. O verbo ―marche‖ também poderia ser interpretado, neste contexto, como processo comportamental, visto que está sendo utilizado para descrever a forma

como a garota anda. Esses processos materiais demonstram que a garota não interfere diretamente naquele espaço – a praia –, não altera aspectos do mundo físico, nem de si mesma; ela caminha atenta somente ao seu destino: o mar. Ela segue sozinha, ―como um barco a vela em seu curso‖ (verso 15), e o processo comportamental ―olhar‖ (voit), que poderia indicar interação com o observador, é, contudo, negativo, em uma construção oracional particularmente francesa cujo participante Meta é indiretamente o mar: ―elle ne voit ‗que‘ la mer‖ - ela não olha para ‗nada mais‘ que o mar (versos 13 e 17).

Os apontamentos feitos nesta análise serão retomados no capítulo de Discussão. A seguir, será feita a análise da última tradução, a versão para o italiano.