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4. A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA À MULHER E A ATUAÇÃO DA SAÚDE NO

4.2 A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO

Diversas políticas públicas, no âmbito da saúde, foram desenvolvidas e implementadas ao longo dos anos para o enfrentamento à violência contra a mulher.

A primeira política pública da saúde, com foco na saúde da mulher, foi o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), implantado no Brasil em 1983 (SCHRAIBER, 2001). Essa política foi construída em parceria com o movimento de mulheres e contribuiu para a estruturação de ações voltadas para os direitos sexuais e o planejamento familiar (LIMA; DESLANDES, 2014).

O PAISM, foi pioneiro a propor o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres, no âmbito da atenção integral, anulando as estratégias exclusivas ao planejamento familiar (OSIS, 1998).

Apesar dessa política não tratar em si da violência contra as mulheres abriu espaço para pensar a saúde reprodutiva e desassociar a mulher do projeto biomédico, da sua condição maternal, que medicalizava o corpo feminino ao reduzi- lo apenas a sua capacidade reprodutora.

Villela e Lago (2007) afirmam que embora o setor da saúde e a diretriz de assistência integral às mulheres exigissem a interface entre violência de gênero e saúde, o tempo de resposta foi bastante lento e tardio.

Somente no ano de 1999 foi lançada, através do MS, a Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra as Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 1999). O documento propôs a padronização do atendimento nos serviços de saúde às mulheres que sofreram violência sexual, com o objetivo de reduzir os agravos decorrentes dessa violência. Entre os serviços contemplados constava o acesso imediato aos cuidados de saúde, a prevenção de DST e a gravidez indesejada (BRASIL, 1999).

Essa Norma Técnica consolidou a estratégia de atenção integral a mulheres e adolescentes, uma expressão representativa do amadurecimento dos primeiros serviços de atendimento à violência sexual da década de 1980 e do Programa DST/AIDS (LIMA; DESLANDES, 2014).

A Norma Técnica trouxe como estratégia a integração de diferentes setores, tais como: saúde, segurança pública, justiça e trabalho, bem como o envolvimento

da sociedade civil organizada. O seu objetivo foi pautado na garantia rápida da assistência a mulheres e adolescentes em situação de violência sexual, além de orientar aos profissionais a forma adequada de preparar os locais de referência desses atendimentos, evitando assim, ambientes que pudessem trazer constrangimento às mulheres (SOUZA; ADESSE, 2005).

Para Cavalcanti et al (2015), a Norma Técnica se configurou como principal instrumento organizador dos serviços bem como direcionador dessas ações, lançando bases operacionais de atenção à saúde das mulheres em situação de violência sexual.

No ano de 2002, com a disputa eleitoral para a Presidência da República, a violência contra a mulher foi favorecida com amplas discussões técnicas e sociais. Destaca-se nesse período o Fórum Interprofissional de Atenção à Violência Sexual e Aborto Legal. O Fórum foi o espaço de discussão técnico-operacional, envolveu a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), o movimento das mulheres, organismos internacionais, organizações não governamentais, MS, secretarias estaduais e municipais de saúde entre outros parceiros (LIMA; DESLANDES, 2014).

Na década anterior, o Fórum apoiou a organização de estratégias de atenção às mulheres em situação de violência sexual e questões legais (LIMA; DESLANDES, 2014). A sua primeira edição foi em 1996 e desde então é realizado anualmente com a finalidade de estabelecer um diálogo entre estes grupos em torno das necessidades de atendimento das mulheres que sofreram violência sexual, incluindo a interrupção da gestação decorrente dessa violência (FAÚNDES, 2002).

O MS publicou no ano de 2002 um importante documento nomeado “Violência Intrafamiliar: orientações para as Práticas em Serviço”, que trabalhava com a abordagem da violência intrafamiliar dentro da compreensão de gênero e dos ciclos da vida (SOUZA; ADESSE, 2005).

O documento foi composto de textos explicativos e didáticos desenvolvidos para a orientação quanto ao diagnóstico, ao tratamento e à prevenção da violência nos atendimentos. Fornecia informações para que os profissionais pudessem diagnosticar os casos de violência sexual através de indícios físicos e psicológicos, das mulheres que procuravam os serviços de saúde em geral. Orientava como realizar o atendimento à mulher, discutindo o ciclo da violência conjugal (SOUZA;

ADESSE, 2005).

No ano de 2002 foi possível notar os esforços do MS com o aumento significativo das unidades de atendimento às mulheres em situação de violência sexual. O VII Fórum Interprofissional de Atenção à Violência Sexual, realizado em novembro de 2002, levantou um total de 250 estabelecimentos que ofereciam serviços de emergência (SOUZA; ADESSE, 2005).

No ano de 2004, o MS publicou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Esta política considerava a saúde da mulher como prioridade do governo e a assim, a partir da parceria com diversos setores da sociedade, em especial com o movimento de mulheres, priorizou o compromisso com a implementação de ações de saúde que pudessem contribuir para a garantia dos direitos humanos das mulheres e que reduzissem a morbimortalidade por causas preveníeis e evitáveis (BRASIL, 2004).

O PNAISM foi a primeira política com enfoque de gênero, priorizando a integralidade e a promoção da saúde como princípios norteadores. Buscou consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Esta política deu ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate a violência doméstica e sexual (BRASIL, 2004).

O PNAISM trouxe como um dos seus objetivos específicos a promoção da atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual, organizando redes integradas de atendimento, bem como articulando ações de prevenção de DST e ações preventivas a essas violências (BRASIL, 2004).

Em 2005, a Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2005) foi reeditada. Na primeira edição, constava no documento que a mulher para ter direito a interrupção da gravidez decorrente do estupro necessitava da apresentação do boletim de ocorrência policial, porém essa exigência não estava em consonância com o texto estabelecido no Artigo 128 do Código Penal Brasileiro, datado em 1940, logo o texto precisou ser reeditado (LIMA; DESLANDES, 2014).

No ano de 2006, o MS lançou a Matriz Pedagógica para Formação de Redes – Atenção Integral para Mulheres e Adolescentes em Situação de Violência Doméstica e Sexual. Este documento teve como objetivo o desenvolvimento da

atenção integrada para mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual contemplando a diversidade temática necessária e respeito às especificidades de cada um dos municípios na formação de suas redes locais (BRASIL, 2006).

No ano de 2010 a Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2010) foi atualizada e ampliada após a edição da Lei Maria da Penha. Este documento contou com a participação da SPM, das Secretarias de Segurança Pública e das Polícias Civis das Unidades Federadas, bem como de especialistas na temática da violência de gênero e de diferentes organizações não governamentais (BRASIL, 2015).

A nova edição da Norma cumpriu com um dos principais eixos da PNAISM: expandir e qualificar redes estaduais e municipais de atenção integral para mulheres e adolescentes em situação de violência. Outro ponto dessa nova edição foi estabelecer uma rede nacional de saúde voltada ao atendimento das múltiplas formas expressas da violência sexual. Com isso, pretendeu auxiliar os profissionais de saúde na organização de serviços e no desenvolvimento de uma atuação eficaz e qualificada nos casos de violência. Pretendeu também garantir o pleno exercício dos direitos humanos das mulheres baseado na saúde pública com cunho universal, integral e equânime (BRASIL, 2010).

Esta Norma Técnica buscou olhar tanto para os profissionais de saúde quanto para a sociedade em geral, revisando as condutas e indicações em consonância com a legislação, as políticas atuais e os avanços ténico-científicos pautados nos princípios do SUS. A Norma foi reeditada sob o enfoque de gênero, com a garantia dos atendimentos às pessoas que sofreram violência sexual independente do seu sexo, idade, orientação sexual ou identidade de gênero (BRASIL, 2010).

No ano de 2014 a Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra as Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2014) teve a sua terceira edição. Foi a segunda reimpressão com o mesmo padrão da atualização ocorrida em 2010 (BRASIL, 2014).

Em 2015 ocorreu o lançamento da Estratégia e Plano de Ação para o Reforço do Sistema de Saúde para Abordar a Violência contra a Mulher, através da parceria estabelecida entra a OMS e a OPAS. Essa Estratégia adotou o enfoque de saúde pública para o problema da violência contra a mulher e proporcionou um guia para

os sistemas de saúde se unirem ao esforço multisetorial para prevenir e dar respostas a violência na região das Américas. Esta ação não só reconhece que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública e de direitos humanos, como também promete assegurar que os sistemas de saúde cumpram com suas responsabilidades de prevenir e responder ao problema da violência contra a mulher (OMS; OPAS, 2015).

Entre os princípios da Estratégia, estão:

a) acesso universal à saúde e cobertura universal de saúde e equidade; b) direitos humanos; c) perspectiva de gênero e igualdade e diversidades culturais/étnicas; d) resposta multisetorial; e) prática fundamentada em evidências; f) enfoque do ciclo de vida; g) resposta integral; h) participação da comunidade; i) autonomia e empoderamento das sobreviventes; j) envolvimento de homens e meninos. (OMS; OPAS, 2015, p. 10).

A OMS e OPAS acreditam que os serviços de saúde podem desempenhar um papel essencial na abordagem da violência contra a mulher, pois os prestadores dos serviços de saúde podem identificar as mulheres que sofrem violência e assim proporcionar o atendimento imediato, reduzindo os danos com apoio e encaminhamento a outros setores, inclusive os serviços de assistência social e jurídicos (OMS; OPAS, 2015).

Por fim, no ano de 2015 foi lançada a Norma Técnica para a Atenção Humanizada às pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coleta de Vestígios (BRASIL, 2015). Esta Norma integra uma das ações do Programa Mulher, Viver sem Violência, lançado em 2013, com a coordenação da SPM/PR em parceria com o MS e MJ (BRASIL, 2015).

Essa parceria entre a secretaria e os ministérios representou uma importante estratégia para o enfrentamento à violência sexual contra a mulher, uma vez que desenvolvem ações pautadas na prevenção, no acolhimento, no atendimento e proteção, além da criação de estratégias para garantir e implementar a responsabilização e o combate à impunidade do autor da agressão nas unidades da federação. A unificação dessas secretarias possibilitou para a mulher em situação de violência um atendimento mais humanizado, mais ágil e com menos exposição evitando assim a sua revitimização (BRASIL, 2015).

Quanto aos registros de informações e coleta de vestígios, a Norma Técnica estabelece que é necessário preencher, obrigatoriamente, os dados na Ficha de

Notificação Compulsória de Violência, a Ficha de Atendimento Multiprofissional às Pessoas em Situação de Violência Sexual, assim como apresentar o Termo de Consentimento para autorização da coleta e preservação de eventuais vestígios biológicos que possam ser identificados (BRASIL, 2015).

Segundo Lima e Deslandes (2014), a violência sexual contra as mulheres no Brasil ainda é uma cruel realidade a ser enfrentada, seja por intermédio das ações de prevenção ou até mesmo através dos atendimentos, da responsabilização e do acompanhamento de vítimas e agressores (LIMA; DESLANDES, 2014).

A violência sexual está inserida na relação desigual de gênero, é de responsabilidade do Estado promover ações para o seu enfrentamento, bem como se configura como questão de saúde pública, que demanda intervenções das políticas de saúde. Contudo, constitui-se em um fenômeno de caráter multidimensional que requer a implementação de políticas públicas amplas e articuladas nas mais diferentes esferas da vida social, como na educação, no mundo do trabalho, na segurança pública, na assistência social, entre outras (LISBOA, 2014).

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