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2 O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM PANORAMA

2.1 A trajetória do livro didático no Brasil: um breve resumo

Segundo Silva (2012), a época em que se começa a verificar um uso mais sistemático do LD na educação brasileira consiste no período imperial. Porém, o acesso às escolas ainda era muito restrito, servindo apenas às classes cujo poder aquisitivo era alto. A educação nesta época era baseada em modelos europeus, especialmente no liberalismo francês.

Além disso, cabe salientar que, mesmo com a instalação da imprensa por Dom João VI no início do século XIX (devido à transferência da Corte Portuguesa), o Brasil ainda não havia estabelecido um sistema de produção efetivo de obras didáticas. Dessa forma, os LD eram importados da França e nem sempre eram traduzidos para o português.

A partir do século XX, o LD começa a tomar uma proporção diferente, já que, em 1929, foi criado o Instituto Nacional do Livro (INL). Com essa iniciativa, o Estado atribui mais importância ao livro didático, uma vez que esse órgão era responsável por políticas especificamente relacionadas aos LD.

Daí em diante, a história do LD no Brasil cria uma relação mais próxima e dependente das políticas públicas nacionais destinadas a esse tema, colocando o LD como um objeto altamente determinado pelo governo. Segundo Freitag, Motta e Costa (1987)

“O histórico do livro didático no Brasil se sobrepõe, de certa forma, [...] à política do livro

didático, achando-se profundamente entrelaçado com este” (p. 5). Dessa forma, faz-se necessário, descrever alguns marcos dessa trajetória política do LD.

De acordo com o portal eletrônico25 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 1938, foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), a partir do Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38. Tal instituição estabeleceu a primeira política de legislação e controle de produção e circulação do livro didático no país.

Dessa forma, nessa época, houve o surgimento de LD escritos por autores brasileiros. Vale salientar, ainda, que este decreto marca a primeira vez em que a

expressão “livro didático” aparece em documentos oficiais no Brasil, sendo definida

como:

Art. 2º § 1º: Compêndios são os livros que exponham total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares; § 2º: livros de leitura de classe são os livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de livros de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe, manual, livro didático. (Decreto-Lei 1006, de 30/12/38).

Apesar da crescente importância dada ao LD, Gatti (1998) afirma que, entre as décadas de 30 e 60, os LD não apresentavam uma linguagem adequada à idade dos estudantes, entre os problemas. A esse respeito, o autor argumenta que os LD dessa época:

[...] foram livros que permaneceram por longo período no mercado, sem sofrerem alterações; livros que possuíam autores provenientes de lugares tidos, naquela época, como de alta cultura, como o Colégio D. Pedro II; livros publicados por poucas editoras que, muitas vezes, não os tinham como mercadoria principal e, por fim, livros que não apresentavam um processo de didatização e adaptação de linguagem consoante às faixas etárias para as quais se destinavam. (GATTI, 1998, p.22).

E, talvez, esses sejam aspectos que endossam o pensamento de Bomeny (1984)

sobre a função da CNLD. Ao comentar sobre a instituição, o pesquisador afirma que “essa

comissão tinha muito mais a função de um controle político e ideológico do que

propriamente uma função didática” (p.33). Dessa forma, percebe-se que as preocupações

acerca do LD pareciam estar focadas em questões cujo centro não era o aluno e a sua interação com o livro.

Mais adiante, em 1945, o Decreto-Lei nº 8.460, de 26/12/45, traz algumas diferenças em relação ao de 1938. Dentre elas, vale a pena destacar a restrição quanto à escolha do livro a ser utilizado pelos alunos. Conforme o Art. 5º, nas escolas públicas e privadas, a decisão cabia ao professor, excluindo-se, portanto, as diretorias dessas instituições.

A década de 60 foi marcada por um processo mais intenso de democratização do acesso ao LD. O acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte- Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) em 1966 favoreceu a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED) e possibilitou recursos suficientes para a distribuição de 51 milhões de livros, ao longo de três anos. Alguns anos depois, com a Portaria nº 35, de 11/3/1970, o MEC impulsiona a publicação das editoras nacionais, implementando o sistema de coedição de livros, por meio de recursos do INL. De acordo com Fonseca (2003),

Até 1971, o governo, por intermédio da COLTED, adquiriu grandes quantidades de livros didáticos, tornando-o o principal negócio da indústria editorial e do setor livreiro. A expansão do setor se deu de tal forma que, em 1970, realizou-se, no Brasil, a I Bienal Internacional do Livro. (p.51).

Com o término do acordo MEC / USAID, o INL assume as funções até então exercidas pela COLTED. Apesar do fim desta comissão, em 1971, o LD permanece tendo incentivos de distribuição, por meio do Fundo do Livro Didático e do Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), desenvolvido pelo INL. Este instituto é extinto pelo Decreto nº 77.107, de 4/2/76, e suas atribuições passam a ser desempenhadas pela Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME), com recursos Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Em 1983, é criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que centraliza os programas de acesso ao livro didático, gerando problemas para a comunidade escolar. A esse respeito, Freitag, Costa e Motta (1997) destacam alguns fatores como

“dificuldades de distribuição do livro dentro dos prazos previstos, lobbies das empresas

e editoras junto aos órgãos estatais responsáveis, o autoritarismo implícito na tomada de

decisões por delegacias regionais e secretarias estaduais na escolha dos livros” (p.16).

Dois anos mais tarde, a edição do Decreto nº 91.542, de 19/8/85, extingue o PLIDEF, dando seu lugar ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o qual permanece até os dias atuais. Em 1992, por questões econômicas, foi restringida a distribuição dos livros, dessa forma, apenas as quatro primeiras séries do ensino fundamental eram abrangidas pelo programa.

Em 1996, foi lançado o primeiro Guia de Livros Didáticos (1ª a 4ª série), contendo resenhas dos livros aprovados, com o intuito de ajudar os professores no seu processo de escolha. No ano seguinte, a FAE é extinta, transferindo suas atribuições para o FNDE. O programa é, então, ampliado e passa a distribuir os livros até a 8ª série. Porém,

só em 2000, os LD passam a ser entregues às escolas no ano anterior ao da sua utilização; o que contribuiu para que as aulas começassem com os alunos tendo seus livros em mãos.

Além disso, a partir do ano 2000, o programa tem apresentado constantes ampliações, como atendimento aos alunos com deficiências visuais, inclusão de dicionários na relação das obras distribuídas (2001). O programa também foi ampliado, a fim de atender ao ensino médio (com o PNLEM) em 2003, à Educação de Jovens Adultos e Idosos (com o PNLA, atual PNLD EJA) em 2007 e às escolas do campo (PNLD Campo) em 2011.

Essa breve descrição do percurso histórico do LD e das suas políticas no Brasil buscou contextualizar o objeto de pesquisa, a fim de elucidar algumas questões importantes que envolvem a trajetória dos LD até os dias atuais. Dessa forma, o restante deste capítulo irá se dedicar à discussão sobre os LD na contemporaneidade.