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2 O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM PANORAMA

2.2 O livro didático no século

2.2.2 O livro didático e o professor

Após a seleção pelo PNLD, cabe aos docentes a decisão sobre o livro a ser adotado, o que exerce influência no processo de criação do LD, já que as editoras querem que suas obras sejam escolhidas. As razões que levam os professores a optar por um determinado livro constituem um tema complexo, extenso e não são o foco desta tese. Porém, dada a relevância desse assunto para a entender o LD contemporâneo, serão discutidos alguns aspectos principais sobre essa questão.

29 No original: “[we] still talk and think about images as ‘illustrations’, even when they fill five-sixths of a page and constitute the major mode of communication”. (KRESS, 1995a, p.26-27).

Como já foi mencionado no início desta tese, grande parte dos professores é

dependente dos LD, pois “um livro que promete tudo pronto, tudo detalhado, bastando

mandar o aluno abrir a página e fazer exercícios, é uma atração irresistível” (ROMANATTO, 2004, p. 3). Mesmo com o advento da internet e com o aumento crescente do acesso a essa tecnologia, o LD permanece como o material mais utilizado em aula.

A esse respeito, Paiva, Santos Sobrinho e Costa (2013) afirmam que “O livro didático ainda é, em pleno século XXI, uma das principais ferramentas utilizadas em sala de aula, é um dos aparatos de consulta mais empregados pelos professores [...]” (p.71). Outro aspecto importante é apontado por Bittencourt (2004), caracterizando o comportamento dos professores em relação aos LD como contraditório. Segundo a autora, os docentes

Exigem obras atualizadas, mas ao mesmo tempo desconfiam das renovações pedagógicas que alteram a configuração do saber escolar, tanto nos conteúdos quanto nos métodos de ensino. Daí o cuidado dos editores em oferecer uma obra aparentemente nova (capa, certas ilustrações, títulos), mas sem mudar efetivamente o conteúdo. (BITTENCOURT, 2004, p.489).

Entretanto, é válido salientar algumas razões que levam muitos professores à tendência de se apoiar no LD. Dentre as mais comuns, é possível citar os baixos salários da categoria, que levam ao acúmulo de carga horária semanal de trabalho. Durante uma entrevista concedida ao programa Salto para o futuro, Magda Soares comenta que:

Um professor hoje nesse país, para ele minimamente sobreviver, ele tem que dar aulas o dia inteiro, de manhã, de tarde e, freqüentemente, até a noite. Então, é uma pessoa que não tem tempo de preparar aula, que não tem tempo de se atualizar. A conseqüência é que ele se apóia muito no livro didático. Idealmente, o livro didático devia ser apenas um suporte, um apoio, mas na verdade ele realmente acaba sendo a diretriz básica do professor no seu ensino. (SOARES, 2002)30.

30 Entrevista concedida em 07 de outubro 2002.

A constatação de Soares (2002) traz uma questão delicada sobre a realidade dos professores, isto é, a desvalorização do trabalho docente. Essa realidade, em partes, é consequência da ampliação do acesso à educação brasileira no século XX, a qual trouxe muitas vantagens, mas também gerou problemas. Por exemplo, segundo Ota (2009), o número de professores precisou aumentar exponencialmente para conseguir atender à demanda da nova quantidade de alunos. Assim, foram oferecidos cursos rápidos, que

geraram “uma formação profissional deficiente, resultado da falta de embasamento

teórico, o que foi ocasionando a desvalorização do/a profissional da educação [...]

trazendo consigo os baixos salários e o acúmulo de aulas” (OTA, 2009, p.213).

Diante desse cenário, o professor brasileiro se encontra numa situação complexa, na qual é desafiador extrapolar o LD, pois isso significa dedicar ainda mais tempo em meio ao cotidiano sobrecarregado dos docentes. Os LD tornam-se, portanto, uma solução

para “as deficiências da formação ao trazerem roteiros preestabelecidos, conteúdos já selecionados e mesmo respostas prontas” (OTA, 2009, p.213).

Assim, é válido salientar que o próprio governo contribui para essa relação de dependência dos professores com os LD. O processo de ampliação da distribuição dos LD, descrito anteriormente, foi também uma resposta do governo à expansão do sistema

educacional brasileiro. Dessa forma “a solução para o despreparo do professor em dado

momento parece simples: bastaria oferecer-lhe um livro que sozinho ensinasse aos alunos

tudo que fosse preciso” (GERALDI, 1997, p. 117).

Finalmente, é importante ressaltar a pressão que os docentes sofrem para utilizarem o LD. No âmbito privado, a escola disponibiliza aos pais a relação de livros que devem ser adquiridos; no caso dos LD analisados aqui, cada um custa em média cento

e quarenta reais31. Assim, se eles não são usados pelo professor, surgem reclamações e questionamentos, por parte dos pais e da direção escolar, pressionando o docente a priorizar o uso do LD na sua prática de ensino. O LD coloca-se, portanto, como protagonista na maioria das salas de aula, sendo considerado como fundamental ao processo de ensino e aprendizagem.

Na seção anterior, foi visto como os LD adquiriram cada vez mais espaço na política, o que propiciou o aumento da presença deles nas escolas. Sobre essa transição, Soares (2002)32 relata que, quando frequentou a escola (meados do século XX), lembra-

se “de um papel muito forte do professor, mas não do livro didático. Mas isso já não

ocorreu com os meus filhos [...] eu sempre os vi com o livro didático na mão, [...] durante todo o tempo da escolarização deles”.

Conclui-se, portanto, que os LD integram o sistema educacional brasileiro de maneira crucial, interferindo nas práticas pedagógicas e, até mesmo, determinando-as. Em contrapartida, para chegar à sala de aula, eles percorrem um longo caminho, que envolve sua elaboração e o processo de seleção a que são submetidos. Dessa forma, os LD utilizados atualmente possuem seu formato e conteúdo muito influenciados pelos critérios dos professores que decidem o LD que será utilizado.

Não se pretende aprofundar neste assunto, mas vale mencionar Gonçalves (2010), que cita alguns aspectos os quais condicionam a escolha dos docentes em relação ao livro adotado. Dentre eles, destacam-se: variedade de exercícios, diversidade de textos, adequação ao nível dos alunos e preferência por autores e metodologias com os quais já estão acostumados. Além disso, Cavéquia e Rezende (2013) acrescentam como fatores

31 A consulta aos preços foi feita pela internet, nas lojas: Submarino, Saraiva e Lojas Americanas. O livro Projeto Teláris 7º ano Língua Portuguesa, em 11/12/2015, custava R$113,00, R$ 159,00 e R$133,83 em cada loja (respectivamente). Na mesma data, o livro Português Linguagens 7º ano estava anunciado por R$135,00, R$159,00 e R$135,00.

relevantes na perspectiva dos professores: conteúdos abordados pela obra, livros que

sejam “visualmente agradáveis”, presença de imagens e facilidade no processo de

preparação das aulas.

Após essa contextualização do objeto LD na contemporaneidade, pretende-se delimitá-lo para o LDP. Dessa forma, a seção seguinte irá discutir as características da língua portuguesa como disciplina escolar, a qual interfere de forma direta na delimitação dos conteúdos dos LDP.